quinta-feira, 5 de março de 2009

JUSTIÇA: uma forte preocupação do nosso tempo

O Direito é a arte do bom e do justo.
Lentamente, episodicamente, aparecem à luz do dia mais uns casos de aparente violação das leis do país por alguns daqueles que mais impolutos deveriam ser atento o poder que os cidadãos lhes colocaram nas mãos. Uns são políticos, outros banqueiros e, muitos outros, meros criminosos de profissão que se alcandoraram, um dia, de qualquer modo, à mesa do orçamento do Estado, ou a um galho de um qualquer poder, nomeadamente partidário.
É certo e seguro, porém, que apenas uma parte deste iceberg chega até à opinião pública e sempre, em geral, com dilações insuportáveis em relação ao tempo real dos casos. E, com o nosso proverbial espírito de hipócrita tolerância, clamamos sempre pela presunção de inocência de qualquer vigarista que, se o for à séria, até será indemnizado, um dia, pelo Estado por ter sido, eventualmente, constituído arguido! E a prescrição, que sempre protege os audaciosos, se encarregará, entretanto, de fazer o resto, isto é, de evidenciar que, no âmbito judiciário, Portugal é um país onde o sol brilha, sem cessar, para qualquer criminoso que se preze – porque, quanto aos pequenitos, até se poderá dizer que é implacável e célere.
A Justiça é, em Portugal, um dos grandes problemas da actualidade. Corrói, pela omissão, os espíritos sãos e destroça, pelos adiamentos recorrentes, projectos de vida íntegra; malbarata meios importantes e apresenta poucos resultados em tempo oportuno. Ademais, no afã de se mostrar virtuosa, caminha em constantes sobressaltos legislativos que ferem grave e insistentemente a certeza e a segurança que o Direito deve ter como valores essenciais. Pretende, também, modernizar-se a qualquer preço vilipendiando, tantas vezes, símbolos imemoriais de dignidade e humanismo sem os quais tudo se torne banal e insignificante. Caso típico será, hoje, o da transferência do Tribunal da Boa-Hora para um edifício de escritórios aparelhados para servir a função judicial.
O Direito é a arte do bom e do justo (ius est ars boni et aequi, como escreveu o eminente jurista CELSO, no Digesto). Ora, tal arte não se pode praticar em qualquer sítio, seja às portas dum shopping center, num hotel apressadamente adaptado a tribunal, num banal edifício de escritórios com salas encaixotadas umas por cima das outras, ou num qualquer casinhoto pré-fabricado. Não pode, seguramente, mas pratica-se senão como arte, como artesanato barato.
E assim se esvai o respeito que devem merecer as instituições que suportam mais solidamente a convivialidade humana, o bem estar público e o Estado de Direito. Erroneamente – citando PASCAL – muitas vezes “não sendo possível fazer-se com que aquilo que é justo seja forte, faz-se com que o que é forte seja justo”. Este um grande mal do tempo ingrato e desnorteado que vivemos.
O sistema judicial português, objecto de reformas sem conta nos derradeiros tempos, continua incapaz, apresar de tudo, de dar resposta aos problemas comuns dos cidadãos normais e a auto-destruir-se, por implosão, na sua incapacidade de, ao contrário, se regenerar a partir de dentro de si próprio. É a organização e gestão efectiva dos tribunais, desde logo, que está em causa como factor decisivo que deveria ser para a legitimação, a eficiência e a qualidade da justiça. Depois, também, a desorientação crescente dos operadores judiciais.
Confesso, pois, que ao entrar em certos edifícios onde se pretende que funcionem tribunais, mais me parece estar, por vezes, a entrar num qualquer casino para jogar numa qualquer roleta. E, então, é inevitável a descrença nas decisões proferidas em lugares tão atípicos… e, por vezes, por agentes que, também, não honram devidamente o seu papel eminente – o que nos levaria a outro tema, qual seja o da formação dos magistrados.
Há que alertar, por tudo isso, o poder político para a necessidade de garantir a dignidade do exercício da função judicial. É que por aí passa, também, uma estratégia de afirmação do país aquém e além fronteiras e não, apenas, um qualquer tipo de regulação de conflitos.
Quanto menos Direito, mais crime.

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