terça-feira, 29 de abril de 2014

O “GOVERNO DOS MERCADOS, PELOS MERCADOS, PARA OS MERCADOS”



A democracia parece ser, hoje, um mero conjunto de procedimentos formais em vista da manutenção da liberdade dos mercados

A formulação apresentada por Lincoln e geralmente consagrada para explicar e justificar a “essência” da democracia – governo do povo, pelo povo e para o povo – parece ter-se convertido, nos nossos dias, numa outra, cínica, que propõe “o governo dos mercados, pelos mercados e para os mercados”.
A legitimidade da economia de mercado e a concorrência que lhe é inerente, desde que enquadradas por princípios éticos que, nomeadamente, levem ao “mundo da vida” as exigências de justiça e de solidariedade entre os homens, não estará em causa. A questão surge, porém, quando se faz assentar a soberania, não no povo, mas nos mercados. E tal risco - senão essa realidade – está já entre nós.
O capital financeiro governa o mundo através de financeiros travestidos em políticos e os mercados até já têm rosto, estados de alma (“estão nervosos”, “estão expectantes”) ou seja, antropoformizaram-se.
Os princípios essenciais da democracia e as suas instituições representativas também, estão ameaçadas não só pela deslocação do poder de decisão das antigas estruturas dos Estados-nação para organizações supra e internacionais (a Organização Mundial do Comércio, O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional) mas, sobretudo, por poderes não eleitos, esquivos, subtis, mas decisivos. Chamam-lhes, por vezes, mercados e é inegável que estão a converter-se em “instituições” determinantes no destino da cidadania de todos nós, à margem de regras democráticas. Acresce, por outro lado, que as políticas neoliberais substituem, muitas vezes, o cidadão pelo consumidor, a lei pelo contrato, o Direito público por normas privadas, impõem a superioridade do poder executivo sobre o legislativo, trocam os direitos sociais por privatizações e desregulamentações, a democracia representativa e o Estado de Direito por poderes ao serviço do capitalismo sem rosto.  
A democracia parece ser, hoje, por isso, um mero conjunto de procedimentos formais em vista da manutenção da liberdade dos mercados, longe de qualquer objetivo emancipador, ao ter-se convertido numa mera sucessão de atividades administrativas e procedimentais nas quais as eleições marcam, apenas, a consolidação dos mercados.
A ideologia neoliberal parece, com efeito, cada vez mais ignorar a dimensão igualitária e paritária da democracia.
Assim sendo, como cremos que está a ser, urge fazer com que a Política regresse ao povo e este volte a ser soberano. Contra os que, enviesadamente embora, pretendem dissolver o povo que somos… e eleger outro, há que levantar a força prometaica da cidadania.
Agora que parece que a “Troika” estará de regresso a casa – algo semelhante, afinal, ao fim da ditadura salazarista, bem vistas as coisas – abrem-se novas possibilidades de recomeçar uma caminhada essencialmente portuguesa, ainda que num mundo que continuará a ser global. Mais que antes há que pensar, agora, prospectivamente e traçar planos novos de batalha. Os fundos comunitários que chegarão, entretanto, poderão ajudar certamente, mas o que vai (ou não) fazer a mudança é a força dos portugueses.
Não se deverão perseguir, neste contexto, consensos tontos e a qualquer preço, para eleitorado “ver”. Mais que consensos, para além destes, o que é preciso é alcançar compromissos políticos vinculativos para além de uma ou mais legislaturas.
A palavra pertence aos políticos. Mas não dissolvam o povo.

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