quarta-feira, 12 de março de 2014

OS SENHORES DO MUNDO E O TRABALHO



Não é justo pedir mais produtividade a quem trabalha com a barriga vazia,
ou na penúria de vidas sofridas à margem da dignidade humana.

Esperamos, daqueles que já viveram muito tempo e intensamente o viveram, alguma sabedoria. Não meramente uma larga acumulação, de conhecimentos mas, a par disso, concomitantemente, de virtude moral. Assim o entendiam os Antigos e, creio, não deixou de ser essa a boa interpretação a dar à palavra Sabedoria.

Foi-me muito penoso, pois, ler o “testamento”, a que a comunicação social deu eco nestes dias, de alguém que cultivou a “arte de viver” e – julgava eu – também a “arte de pensar”. Pelos vistos andei completamente enganado. Vejam-se, então, algumas pérolas decretadas pelo testante:“Os salários [Portugal] só podem aumentar - e oxalá que isso aconteça - quando, de facto, um trabalhador português fizer uma coisa igual, parecida, com um trabalhador alemão ou inglês, seja o que for". (…) “se não formos igualmente competitivos não exportamos. E não exportando não vamos a sítio nenhum”.

Estas palavras, em tempo de austeridade, até parecem soar a lucidez, mas, no fundo, exprimem, apenas, a perspetiva de quem sacraliza o mercado e, do trabalho, - da pessoa que trabalha – só vê, nela, o rendimento que dá, ou não dá. Cavalgam na onda neoliberal em que o Direito do trabalho e as suas normas pretendem consagrar, apenas, um desiquilibrio crescente entre a liberdade da empresa e os moribundos direitos de quem trabalha, numa perspetiva, aliás, de empobrecimento geral.
Contrariando aquela impensada tese (… ou muito bem pensada!) e sob a forma simples de pergunta, questionaria, no transe, a razão pela qual os trabalhadores portugueses, no contexto de empresas estrangeiras, deslocados ou não, são inequivocamente reconhecidos como dos melhores; fazem coisas iguais ou melhores e mais depressa que os alemães ou os ingleses. É mentira?






E, sendo, creio, também, pertinente, perguntaria, ainda, se a falta de produtividade dos trabalhadores portugueses e, de competitividade da economia portuguesa não têm, decisivamente, a ver ou com alguns “patos bravos” que se auto elegeram empresários, ou com empregadores de fato às riscas (última moda), corte italiano, mas incapazes, impreparados e, até, corruptos, que leis iníquas e desajustadas à realidade deste tempo permitem que andem por aí a gozar connosco e com os dinheiros públicos de mil subsídios do empreendedorismo às exportações, à compra de maquinaria…
Não é justo pedir mais produtividade a quem trabalha com a barriga vazia, ou na penúria de vidas sofridas à margem da dignidade humana. A quem dedica tanto tempo ao trabalho como ao tempo que passa em transportes para lá chegar; a quem vive a precaridade dos contratos laborais no medo que suga a vida às suas vidas; a quem, depois de anos de trabalho sob, por vezes, riscos psico-sociais indizíveis, não sabe se terá possibilidades de “pagar” uma morte tranquila, ao abrigo de uma pensão decente.

Produzir cada vez mais, muito bem.

Competir com todos e em tudo, claro.

Mas para quê? Para quem?

Eu só queria entender, mas confesso que estou cada vez mais perplexo ao ver que os grandes títulos da comunicação social, as primeiras filas, as comendas presidenciais, estão, afinal, do lado que mais explora o trabalho e o trabalhador… e guarda depois, a sete chaves, em paraísos fiscais, o sangue que jorra de um trabalho (nem sempre, é verdade) penoso e mal pago.

Há quem não tenha o direito de pedir mais produtividade a muitos que já só tem um resto de vida, precária, plena de sofrimento para dar.

E por aqui me fico, hoje.

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