O mundo em que vivemos despreza a honestidade, castiga o trabalho, recompensa a falta de escrúpulos, alimenta o canibalismo.
Cumpre
esclarecer, antes de mais, que esse encontro … foram, afinal, dois – melhor,
dois em um - embora os meus interlocutores usem o mesmo apelido, Espírito
Santo.
Um encontrei-o
encafuado entre uns cobertores imundos, deitado na escadaria do meu prédio,
entre garrafas desabitadas já de qualquer esperança. Uma côdea de pão, rapada,
foi o que me levou à conversa. “Tem fome?”. O outro, entrou-me pela casa dentro
– aliás é habitual frequentador da minha intimidade – através das ondas
anestesiantes das televisões. Não me deixou falar e debitou palavras, palavras
e mais palavras em resposta a pergunta nenhuma. “Porque não se cala?” (era a
pergunta que queria fazer-lhe mesmo arriscando o meu futuro).
O Espírito Santo
que, julguei eu, teria fome e frio, contou-me, (faltavam-lhe na boca tantos
dentes que tive que adivinhar restos de muitas frases) que vivia na rua há anos
entre muitas pernoitas nas cadeias construídas – como é que ele o sabia? – com
os dinheiros de um outro Espírito Santo que ele, porém, não sabia quem era. Eu
que perguntasse, porque toda a gente o conhecia…
Dois homens,
duas vidas, a desigualdade absoluta. Portugal 2013.
O mundo está
virado de pernas para o ar, conclui ao pensar nestes encontros fortuitos.
Lembrei-me, então, de Galeano e do seu famoso livro “Patas Arriba, La Escuela del Mundo al
Revés” onde constata o que cada um de nós também poderia dizer: o mundo em que
vivemos despreza a honestidade, castiga o trabalho, recompensa a falta de
escrúpulos, alimenta o canibalismo. “Cuando un delicuente mata por
alguna deuda impaga, la ejecución se llama ajuste de cuentas; y se llama plan de
ajuste la ejecución de un país endeudado, cuando la tecnocracia internacional
decide liquidarlo. (…) La economía mundial es la más eficiente expresión del
crimen organizado. Los organismos internacionales que controlan la moneda, el
comercio y el crédito pratican el terrorismo contra los países pobres, y contra
los pobres de todos los países, con una frialdad profesional y una impunidad
que humillan al mejor de los tirabombas.” (ob. cit., 7ª ed., p. 13-15).
Não tenho
soluções na manga para sugerir, mas sei, profundamente sei, que assim não
podemos seguir. O lixo e o luxo não podem coabitar mais rasgando o essencial da
condição humana.
O capitalismo
financeiro, por vezes virtual, é “o que está a dar”. Leva à constituição de
fortunas infinitas e, ao mesmo tempo, entope as valetas por onde corre a
miséria humana. Era conveniente que alguns senhores do mundo tivessem mais
cuidado na destruição física, social e psicológica a que estão a levar muitos,
quase todos. E que os da política se desamarrassem dos cadeados da economia e
da finança que os tolhe… e de que, por vezes, sobrevivem hipocritamente, até.
Acompanhei,
também profissionalmente como advogado, o caso BPN e não tenho dúvidas em
considerar que ele é a expressão do crime financeiro organizado e apadrinhado politicamente.
Para além de saber que, dos rendimentos que tiro do meu esforço diário de 12 ou
mais horas de trabalho (muitas vezes sem conhecer o que é um sábado ou um
domingo) o Estado me expropria escandalosamente uma parte substancial para dar
aos que foram do BPN nada mais sei dos processos em curso. E adivinho que
ninguém, jamais, saberá.
Entretanto os
ilustres “engenheiros financeiros” que armaram a roubalheira continuam o seu
caminho, cada vez mais poderosos e até famosos. E, porventura, já a preparar o
próximo assalto.
Resta-me, neste
resumo dos encontros com os Espírito Santo, que, afinal, foi tão breve que
nunca mais terminará, perguntar, com o maior ingenuidade: porque não
desconsiderar a personalidade jurídica do BPN (o real) e ir à personalidade
“financeira” (às contas na Suíça, p. ex.) dos principias accionistas e clientes
desse banco?
Alguém me pode
responder?
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