quinta-feira, 13 de setembro de 2012

OS SINOS TOCAM A REBATE


Mas não nos agrilhoem numa austeridade que não passa de um expediente
para nos roubar os nossos bens e a nossa vida.

O comboio a vapor que passava entre os pinheiros na terra da minha mãe é uma das imagens mais fortes que guardo da minha infância austera, pobre. Também dos sinos da igreja tenho lembranças; de quando repicavam a chamar para a oração, novos e velhos, viúvas e órfãos, vestidos a “rigor” na penúria mais extrema dos que nada tinham a não ser a felicidade de viverem em solidariedade campesina e com fé no Destino. E também quando tocavam a dobrar e eu ficava assustado no desconforto daqueles sons que não sabia para aonde iam e quem os manipulava. Já então tinha cá dentro, nos escaninhos de mim, os dilemas do resto da vida. Só que não sabia dar-lhes nomes e, com medo, tremia.

Uma vez, acordei estremunhado a altas horas da noite, com os sinos a gritar por auxílio. À minha volta já corriam, pela “casa” onde vivia vultos apressados, e ouviam-se gritos e suspiros, quando percebi que tinha havido uma “desgraça” (era o que se dizia) e o povo estava a ser convocado para acudir. Furando entre as pernas dos adultos estremunhados como eu, vi, ao longe, entre muita gente triste, uns faróis com uma luz mortiça que, depois, percebi que era um desconjuntado carro de bombeiros. Vinha acudir.

Evoco estas singelas memórias porque, ao ler um jornal de fim de semana, o relato da morte de cinco homens num poço, em Vilela Seca, Chaves, me levou até lá, a esse meu tempo de vésperas de difícil luta pela simples sobrevivência dos meus. Dizia assim a notícia: “Quem deu o alerta foi a nora de um dos empregados agrícolas. Ao aperceber-se da tragédia, a mulher veio a correr a Vilela Seca gritando para que alguém tocasse os sinos a rebate e juntasse a população para ir ajudar. Os primeiros que chegaram ao local ainda tentaram destapar completamente a entrada do poço com um trator, mas já pouco puderam fazer.” (…) Sábado, oito de setembro de 2012.

A história, ao contrário do que alguns defendem, não é uma progressão continua para a prosperidade. Seja o homem, por natureza, bom (mito do bom selvagem de Rousseau) ou mau (homo homini lupus, Hobbes), nada do que foi civilizacionalmente adquirido é definitivo. A luta pela cidadania tem de ser ativa, constante, coletivamente assumida, do nascer ao pôr do sol.

Portugal está a fenecer. Não é, decerto, a primeira vez que os deuses, face aos homens deste canto da Europa, se revoltam. Mas o tempo que vivemos é já de tragédia que tende a agravar-se exponencialmente. Dizia um pai, há dias, na antena de uma rádio (cito de cor): Não aguento mais. No dia em que não tiver comida para dar à minha filha saio à rua eu mato-os.

Os sinos dobram por nós – os que vivemos a vida com o suor do nosso trabalho e não recebemos comissões nos concursos públicos, nem temos contas em “off-shores” criminosas. E dobrarão com mais intensidade quanto mais nos resignarmos aos poderes que dizimam, sem escrúpulos, o nosso quotidiano.

Há uma saída possível. Que os sinos toquem a rebate mas para nos acordar desta modorra em que andámos.

Precisa-se de cidadania ativa, o que implica que cada um saia da sua área de conforto (cada vez mais restrita) e deixe de ser cobarde perante esta imensa fraude que se trata como austeridade.

Será que aqueles que punem os portugueses – através, também, de outros portugueses! – por serem gastadores e trabalharem pouco para o seu nível de vida, são exemplo a seguir?

Regressemos à austeridade, sim. De costumes, de regras honestas de conduta, de valores, de dignidade humana, de justiça social. Mas não nos agrilhoem numa austeridade que não passa de um expediente para nos roubar os nossos bens e a nossa vida.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

E TUDO O FOGO LEVOU


Apagar incêndios é amortalhar a vida. Na floresta como na política. Nada se constrói nas cinzas ainda que nelas medrem muitos e grandes interesses.

 Os incêndios deste verão não destruíram apenas mato, pinheiros, eucaliptos e outra vegetação. Quem se quedar por estes aspetos, mesmo considerando alguns danos pessoais e a vida, até, de alguns que o fogo levou não verá senão a espuma da vida. É que o país também está a arder, ora em lume brando, ora em altas labaredas.

As chamas alastram por montes e vales abandonados onde os homens desistiram de viver. Abandonada a cultura dos campos, o tratamento da floresta, a reprodução do gado, não ficaram horizontes de sobrevivência nesses espaços. Ninguém sabe o destino que lhes caberá e, pior, ninguém se preocupa com esse futuro.

Portugal vai ardendo nestes fogos florestais mas, também, com eles, no mais fundo da sua identidade. Os fogos destroem a natureza física, mas, também, outros destroem as esperanças de qualquer futuro para a nossa Pátria. Fecham hospitais, escolas, tribunais e desaparecem outros serviços públicos na base de critérios financeiros muito discutíveis e de critérios políticos deprimentes. É onde menos se justifica que mais precisa é a presença do Estado, se não for por outras razões – que são fortes – pela ideia simples de que é preciso que a política sinalize os caminhos do futuro. E estes vão passar, mais cedo ou mais tarde, pelo país real, de Bragança a Sagres, da Figueira da Foz a Vilar Formoso e, não, pelo desditoso centralismo gerido a partir da capital do que foi um império mas já deixou de o ser há muito. E ninguém ainda o percebeu.

O tempo presente é vivido sobre o “império do efémero” (Gilles Lipoversky) e da apoteose do presente ignorando-se o passado e descuidando-se o futuro. Só vale o que gratifica imediatamente. A urgência comanda a vida que está nas mãos dos interesses de mercados financeiros globais e já quase não nos pertence. Na política isto expressa-se no oportunismo das decisões baseado na ideologia do curto termo. A urgência e a exceção têm prioridade sobre tudo e sobre todos e os cidadãos silenciosos, sobretudo até anestesiados pelo medo, já são meros figurantes num filme que não é deles, nem para eles.

Apagar incêndios é amortalhar a vida. Na floresta como na política. Nada se constrói nas cinzas ainda que nelas medrem muitos e grandes interesses.

Quanto custaria ao erário público prever e prevenir as catastróficas ignições de cada verão? E quanto custa combater os fogos? Uma nação digna faria contas, mas a honra escasseia no seio do poder. A honra e a competência porque, extinto o fogo (e alguns fogos fátuos) a verdade é que se torna claro que é a mediocridade gananciosa que nos governa em conluio com agiotas globais.

É uma dor de alma ver partir para a diáspora tantos dos melhores deste país – e que tanto dinheiro nos custou para se formarem – e, outros, que ainda vão ficando, serem ostracizados pelo simples facto de terem ideias e saber mas não terem um qualquer cartão partidário!

O fogo tudo leva.

O quotidiano de austeridade, sem sentido e sem esperança em que vivemos é um mero jogo de fortuna e azar. Eu quero uma Lei eleitoral autárquica só para mim!... e eu quero vender a RTP ao Eduardo dos Santos… eu tenho que sair do ministério às 5 h para acompanhar (à sucapa) o meu escritório…

Com estes filhos da nação, não haverá nação que resista.