quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

FAZER CIDADE PARA COMBATER A CRISE

O desenvolvimento das cidades depende, cada vez mais, da sua capacidade para atrair uma “classe criativa”.

O estudo “Fazer acontecer a Regeneração Urbana”, que foi divulgado recentemente pela Confederação Empresarial de Portugal, deveria merecer um debate político amplo e alcançar consensos alargados entre o Estado, as autarquias e a sociedade civil.

É que a reabilitação urbana é um dos temas que mais pode ajudar, hoje, à recuperação económica do país, não só criando, directa ou indirectamente, emprego, mas, também, atraindo turistas e trazendo vida e cultura aos centros das cidades com a consequente renovação do comércio tradicional e a atração de múltiplas atividades.

Este é um aspeto decisivo para o nosso futuro, ainda que muito descurado até aqui.

O desenvolvimento das cidades depende, cada vez mais, da sua capacidade para atrair uma “classe criativa”, ou seja, intelectuais, engenheiros, arquitetos, artistas, designers, informáticos e profissões liberais, em geral. É relevante, também, a existência de universidades de gabarito mundial que possam atrair talentos atrás dos quais, naturalmente, virão investimentos. A transformação das cidades em termos que a ciência faça parte do respetivo roteiro urbano é outro desafio, tanto quanto o é tornar imanente à sua vida cívica uma elevada participação dos cidadãos nos projetos relacionados com novas tecnologias e temas de cultura. Classes criativas, economia criativa, cidades criativas são, aqui, as palavras chave que poderão combater a desertificação e o empobrecimento que nos últimos anos nos têm marcado negativamente. Esta tese, de resto, encontra-se desenvolvida num livro muito interessante de um geógrafo, Richard Florida, (The Rise of Creative Class: And how it’s transforming work, Leisure, Community and every day life, Basic Books, 2004) que deveria por todos ser lido, designadamente pelos políticos de discurso redondo e sem ambição que pululam por aí.

No contexto de uma crítica situação financeira, económica e social, a via assinalada teria, decerto, um efeito propulsor da recuperação do país criando expectativas, também, de esperança e de futuro para resolver alguns dos mais sérios problemas do país – o dos jovens à procura do primeiro emprego e o de quantos perderam o seu emprego, sendo certo que daqui só se sairá através de uma mudança profunda da orientação económica que tem sido prosseguida pelos Governos desde há muitos anos.

O papel das autarquias – e não só dos Governos – será determinante em todo este caminhar em direção a uma nova cidade, de mesma forma que nada de significativo se alcançará sem a afirmação persistente da sociedade civil. E este é um aspecto em que muito está por fazer considerando o adormecimento dos cidadãos que, mais do que tomar nas suas próprias mãos o destino, estendem, por hábito, as mesmas para os dinheiros do Estado em situações de subsidiodependência lastimável.

A cidade nova terá de ser obra de todos, ou não será. Deixar nos cardápios dos partidos políticos, ou na vontade dos seus donos, tal tarefa será manter amordaçado o futuro. Veja-se o que, inaceitavelmente, tem acontecido no relacionamento dos responsáveis do Município do Porto relativamente ao clube que mais alto e mais longe tem levado o nome da cidade. O caminho a seguir só poderá ser, precisamente, o inverso – percorrido sem azedumes, sem traumas idiotas, sem disputas patéticas de protagonismo, ou meras atitudes vingativas.

E se nos juntássemos todos à volta de um desígnio maior para a cidade, perspetivando o futuro, a cinco ou dez anos, definindo metas e partilhando responsabilidades sem atavismos estúpidos?
Querer viver outra cidade é um desafio que não é fácil e, neste tempo, corresponderá a um gesto político radical que implica, também, um pensamento crítico profundo e eficaz que tem de ser construído. Não podemos, porém, continuar prisioneiros – uns cínicos, outros utópicos, alguns joviais – das crises, medos, antipatias ou, pior, de projetos de poder pessoal.

Amar e pensar a cidade é um imperativo mesmo – ou sobretudo – em tempo de crise.

1 comentário:

Anónimo disse...

Convido-o a visitar o site do Projecto 'Cidades pela Retoma' http://noeconomicrecoverywithoutcities.blogs.sapo.pt/ e http://www.facebook.com/CidadespelaRetoma. Cumprimentos. JCM