quarta-feira, 6 de outubro de 2010

RECORDANDO O ÚLTIMO EMBAIXADOR DA UNIÃO SOVIÉTICA


Então, como hoje – e sempre! – as questões da cidadania têm de ter eco no
nosso pensar e agir quotidianos
.

Gennadi Gerasimov é um nome que, hoje, não dirá nada a ninguém, ou a quase ninguém. Morreu há dias e recordo-o, aqui, menos por ter sido o último Embaixador da União Soviética em Portugal, e, mais por, pouco tempo antes de deixar de o ser, ter proferido uma conferência no Forum Portucalense, Associação Cívica Para o Desenvolvimento da Região Norte, no ano de 1993, no Porto.

Viviam-se, então, os tempos da perestroika e da glasnost cujo desfecho todos conhecemos ao ter acabado com um mundo bipolar. E só nesse contexto foi possível ouvir falar da política do bloco soviético no seio da sociedade civil que o FORUM, no transe, representava.

Recordo esse evento como algo de memorável pelos horizontes que esse homem nos abriu no discurso com que nos brindou, tanto quanto por ter sublinhado, então, a importância que ele conferia à sociedade civil.

Infelizmente a evolução que posteriormente se verificou a Leste não trouxe à Rússia uma democracia exemplar, já que as liberdades civis são pura retórica nesse país, se torturam os tchetchenos sem piedade, se assassinam jornalistas incómodos e vão para a prisão frequentemente ativistas dos direitos humanos, no que tudo vai, também, o desprezo dos políticos pela sociedade civil que Gennadi Gerasimov tanto prezava.

Então, como hoje – e sempre! – as questões da cidadania têm de ter eco no nosso pensar e agir quotidianos sendo de pouco relevo a posição que, geralmente é a nossa, de meras testemunhas da História. Foi, na altura, de grande interesse ouvir, no Porto, uma voz como a de Gerasimov a prenunciar novos horizontes mas, o mais importante, para além da compreensão que alcançamos, então, daquele tempo de mudança, haveria de ter sido o fortalecimento das ideias de liberdade e do papel da sociedade civil na sua instauração e defesa.

A linguagem corrente, sobretudo a de cariz político-partidário, está enfeudada a mitologias banais, de esquerda e de direita, a falaciosas construções ideológicas e a cedências escandalosas ao facilitismo da “cultura” de massas e ao populismo eleitoralista. É, neste tempo, urgente o regresso às “coisas do espírito”, à inteligência e à razão, com o consequente desprezo pelos arranjos táticos de interesses ocasionais. Urge voltar a ouvir, então, personalidades como a que aqui se evoca e seguir-lhes os passos sem desfalecimentos. Ora é aqui que a sociedade civil ganha dimensão e deve estar presente através de atos e manifestações participadas por todos os cidadãos. É que é irrelevante para a vida e para o devir integrar passivamente o espaço que alguém já designou por “Portugal sentado” – as mulheres e os homens deste país curvados perante um qualquer discurso ou debate na comunicação social, em particular nas televisões e perante os quais não têm a mínima possibilidade de perguntar, de contrariar o que se ouve, de afirmar o que se pensa. Este é o país das testemunhas, porventura dos Pilatos, mas não a de cidadãos verdadeiros.

É por tudo isto que instituições como o FORUM PORTUCALENSE, comprometidas apenas com a liberdade e a dignidade de todos os cidadãos e não com quaisquer ideologias, são necessárias ao afirmarem uma “sociedade de pé” perante tantas e tão subtis formas de captura da cidadania que hoje estão quase sacralizadas. Enquanto os partidos e os seus sócios se comprezem na mutilação das ideias e projectos uns dos outros, nas associações cívicas encontram-se viveiros reais de novos cidadãos abertos ao mundo e ao futuro e dispostos a combater pela cidadania num tempo de desorientação e de angústia.

Ninguém é, decerto, dono da verdade ou, dito de outro modo, a verdade é a soma de muitas verdades. Exige-se, para aí chegar, uma sociedade aberta, plural, empenhada e comprometida com a cidadania que está cada vez mais distante, infelizmente, dos partidos políticos do nosso presente.

Sem comentários: