quarta-feira, 16 de junho de 2010

ENTRE FAMÍLIAS


Hoje, em múltiplos aspectos, viver já não é viver, mas, apenas gerir a vida que temos e convertê-la, tanto quanto possível, num projecto rentável a qualquer preço.

No passado dia 7 de Junho – convém fixar esta data – ocorreu, pela primeira vez, em Portugal, um casamento homossexual. Helena e Teresa casaram “em nome da República Portuguesa”!
Goste-se, ou não, da alteração legislativa que tal veio permitir, é inegável que ela foi democraticamente sufragada. E, como já se sabe, a democracia tem um custo que, um dia ou outro, há que pagar.

Algumas notas soltas merece, porém, tal ruptura a acrescentar ao que muito tem sido comentado sobre o assunto.

Foi assim que, então, sem que imperativo algum, ético ou jurídico, de relevo, se impusesse, um activo, mas restrito, grupo de cidadãos, sectário, impôs a toda a sociedade os seus interesses particulares estropiando a noção secular de família consagrada nos costumes e no direito português.
Conhecido o resultado que essa minoria conseguiu, importa, porém, olhar, também, para os ventos que sopram nas nossas sociedades e que, afinal, também, empurraram, a seu modo, para tal resultado. É que, afinal, as coisas não acontecem por acaso…

A família há muito que é uma instituição em crise face, sobretudo, às profundas transformações que a afectam desde, pelo menos, os anos 70 do século XX. Também em Portugal essa crise se veio manifestando de múltiplas formas e as razões de tais transformações poderão encontrar-se, sobretudo, em mudanças políticas relevantes entretanto ocorridas no país e, ainda, na evolução sócio-cultural da nossa sociedade.

Sendo importante, para interpretar o momento actual, o conhecimento dessas invocadas transformações da família – das suas causas, da sua amplitude e das respostas que o Direito lhes foi dando – é, também, do maior relevo procurar saber em que é que essas transformações mudaram ou mudarão o estatuto das pessoas. Porque, no fim, nada será como antes.

Colherão, no transe, factores de ordem jurídico-política e, outros, relacionados com mudanças profundas nos escaninhos da sociedade portuguesa durante, sobretudo, as últimas quatro décadas. Quanto aos factores de ordem jurídico-política em que se alicerçaram tais transformações importa considerar, antes de mais, que, na sequência da Revolução desencadeada em 25 de Abril de 1974, abriram-se janelas de um mundo quase desconhecido a uma sociedade, então, ainda, muito rural e fechada, além de profundamente enraízada no catolicismo e seus tradicionais valores. O regime democrático e pluralista, abriu, na verdade, caminho largo a profundas mudanças na sociedade portuguesa.

Poderá dizer-se, assim, que, na actualidade a família é um desafio em movimento, que tem inscrito em si uma abertura e incerteza sem precedentes. Está nas nossas civilizações, mas já não tem um padrão institucional único, entre várias e constantes mutações. Quaisquer observações ou análises sobre esse fenómeno social dependem das representações sociais num certo momento do desenvolvimento de uma sociedade como referem os sociólogos (cfr. Jacques Commaille, Misères de la famille. Question d’État, Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1996).

A questão será a de saber se, não obstante a realidade nos colocar perante factos que mostram que a família nuclear biológica é, hoje, apenas, uma das formas que a família assume, o casamento entre pessoas do mesmo sexo decorre inelutavelmente dessas novas realidades.
Creio que não.

O que está (estava) em causa é um apelo minoritário a pseudo-valores democráticos e pretensamente pós-modernos que, pouco valendo em si e nas suas sequelas, simboliza, porém, o tempo líquido em que vivemos e nada augura de bom para a sociedade democrática.

De resto, já se avança (Santiago López-Petit) que o cidadão já não é, hoje, um homem livre, mas uma simples peça da máquina de opressão que ainda se designa por democracia.

Ora hoje, em múltiplos aspectos, viver já não é viver, mas, apenas gerir a vida que temos e convertê-la, tanto quanto possível, num projecto rentável a qualquer preço. Mas quando faltam valores a nossa vida fica precarizada e humilhada.

Sem comentários: