domingo, 6 de junho de 2010

BIZANTINICES

O que é a verdade na política num tempo em que a humanidade parece
ter atingido o limite da incompetência moral?


Enquanto a novela da crise avança espalhando as suas metáteses pelas economias – e o correspectivo festim, que tal traduz para alguns, recrudesce – uns quantos políticos da periferia ocidental da Europa continuam a sacrificar e, até, a esgotar as suas mentes brilhantes para desvendar se o Primeiro Ministro, José Sócrates, mentiu, ou não, ao País quanto à data em que terá sabido que os da PT queriam, ou não, comprar os da TVI e, desse modo, matar a liberdade de imprensa em Portugal.

O povo de Bizâncio também se enredou neste tipo de futilidades e subtilezas perdendo o seu tempo a discutir inutilidades (de teologia) enquanto os turcos cercavam a cidade. O resultado, que a história esclarece, foi dramático. Mas a história repete-se como farsa, ou tragédia, muito mais frequentemente do que julgamos….

Não é, decerto, irrelevante ter à cabeça do Governo um mentiroso ou uma pessoa honesta. E tal vale, também, para todos os outros postos relevantes da política e da administração pública e, em geral, para as relações sociais quaisquer que elas sejam. Vale, pois, também, para o Parlamento onde, na boca dos deputados, são tantas as verdades quanto as mentiras (verdades e mentiras político-partidárias e intelectuais) como resulta, para qualquer cidadão, dos debates parlamentares em plenário, ou das discussões nas comissões parlamentares.

O que é, porém, a verdade na política num tempo em que a humanidade parece ter atingido o limite da incompetência moral (Amin Maalouf)? E será que uma comissão parlamentar de inquérito, tendo em conta os termos e condições em que realmente opera, poderá apontar para a verdade?

A comissão parlamentar de inquérito ao caso PT/TVI expressou, na sua actividade e nos resultados a que chegou, a irrelevância do Parlamento para o efeito, tanto quanto a inclinação de vários deputados para se ocuparem de negócios menores do Estado, em registo de folhetim, e com objectivos partidários inconfessáveis.

Na tonta disputa para alcançar protagonismo, a vilania que foi tentar torcer os factos até eles confessarem o crime de Sócrates, teve em Pacheco Pereira o exemplo contemporâneo do inquisidor Torquemada. Não sei bem onde catalogar, entre as psicoses políticas, a que afecta esse preclaro intelectual de barbearia, auto promovido a espião mor da pátria, a bocejar tanta ignorância jurídica quanto arrogância estalinista. Mas sei que ainda arrasta atrás de si alguns pacóvios e que tem palanque montado na feitura de opinião paga. Um negócio como outro qualquer, de resto…

A irresponsabilidade campeia, disfarçada de luta pela democracia, no tempo de agruras por que passamos e, de cabelos desgrenhados, avança por entre a complacência de quem já não tem legitimidade para dizer “não!” e, por isso, tudo tenta explicar longe de qualquer sanção política, ética ou jurídica.

Com comissões de inquérito desta jaez é melhor que nos preparemos para o regresso da Inquisição. E, enquanto isso, o país, já devidamente anestesiado, prepara-se para aceitar tudo e mais alguma coisa daquelas que, por desgraça nossa, se alcandoraram ao poder.

Se Sócrates mentiu? Levante-se o primeiro político no activo que nunca o haja também feito e, depois, deixem o país respirar

Sem comentários: