quarta-feira, 6 de maio de 2009

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Ser-se rico e ter sucesso nem é pecado nem crime, o mesmo não cabendo dizer-se, porém, de todos os modos de lá chegar.


Bruscamente nesta Primavera chuvosa, as forças políticas acordaram para a gravíssima questão do enriquecimento ilícito que, no entanto, há muito já corrói os alicerces da democracia e a solidariedade nacional.

Não é, porém, o enriquecimento de alguém que nos deve inquietar. É, isso sim, a ilicitude que o acompanhe. E, sobretudo, quando esse alguém é titular de um qualquer cargo, político ou administrativo, que o coloque em posição de arbitrária sobranceria face a qualquer outro cidadão.

Em tempos de crise – e porque esta não veio igualmente para todos – parece curial redobrar a atenção face à expressão de enriquecimento de alguns perante as dificuldades da generalidade dos cidadãos. Não é, de modo algum, certo e seguro que o que moveu os políticos nessa iniciativa tenha sido um sincero desejo de combate à corrupção e ao crime económico. De resto, é bom não esquecer que entre os políticos estão, segundo as aparências e algumas realidades já constatadas, os maiores beneficiários da impunidade que tem reinado neste âmbito. A pergunta, óbvia, é, pois, a de saber se lhes interessa mesmo, no seu cerne, este combate… ou se não passa tudo da velha atitude de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.

Caberá também sublinhar e ter bem presente que, ao contrário do que se pensava na Idade Média, a modernidade mudou as mentalidades na sua relação com o dinheiro e a fortuna (Max Weber, L’étique protestante et l’espirit du capitalisme). Ser-se rico e ter sucesso nem é pecado nem crime, o mesmo não cabendo dizer-se, porém, de todos os modos de lá chegar.

Posto isto, não se pode deixar de lamentar que o Estado continue sem os instrumentos necessários e suficientes para poder pedir contas a quem exterioriza riqueza e não a quer explicar na sua génese sempre que tal não tenha resultado da prestação de contas a que cada um de nós está legalmente obrigado, nomeadamente no âmbito fiscal.

A criminalização do enriquecimento ilícito, que existe já em inúmeras legislações, não seria, por cá, decerto, a solução mágica de todos os ilícitos que continuam a fazer deste país um paraíso da impunidade. Mas, além de ser um instrumento mais de combate à praga da corrupção, também ajudaria a credibilizar a vida pública e os seus agentes, tanto quanto, até os “amigos” dos políticos e do regime. E, num país com tantas leis, mas cada vez menos valores éticos e cívicos, não seria mais esta que prejudicaria a realização da Justiça. E a sua ausência, pelo contrário, pode ser tida, por muitos, como um sinal para manterem ou incrementarem, mesmo, comportamentos marginais na certeza de que nunca terão de prestar contas à Justiça sejam quais foram os seus actos e os respectivos efeitos patrimoniais.

Em qualquer abordagem desta problemática é inegável que terão de ser escrupulosamente respeitados todos os direitos que assistem aos potenciais visados e que a Constituição, tanto quanto os códigos penal e de processo penal, estabelecem e que, no caso, por maioria de razão, se devem defender na medida, também, em que o terreno é propício à delação gratuita e à inveja ingrata em que a nossa sociedade se habituou a dar cartas. Mas não será isso que há-de impedir o direito, que é da sociedade democrática, à transparência patrimonial daqueles que ocupam lugares privilegiados e, daí, podem obter benesses injustificadas.

A violação do dever de transparência tem um desvalor próprio e autónomo e é por isso que se exige, num regime democrático, que a lei acolha tal dever com redobrada atenção e, logo, com normas específicas que o protejam, sobretudo no âmbito da actividade pública.

Viver em liberdade – e para a manter – implica cumprir deveres e, não, apenas, reclamar direitos. Entre aqueles, o de transparência patrimonial não é de somenos importância. Ou é, tão relevante, então, que muitos se deprimem só de ouvir falar em transparência.

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