quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

NO ANO EUROPEU DO VOLUNTARISMO E DA CIDADANIA


A ideia de liberdade passa pela dessacralização do que dizem pretensos gurus, intelectuais encartados, comentadores e analistas tipo “gato escondido com rabo de fora”.

Não poderia deixar de expressar sincero regozijo face ao teor de um breve artigo que li, recentemente, da autoria de Paulo Baldaia, diretor da TSF: “(…) Sou jornalista e ponho o dedo na ferida. Não existem poderes sacrossantos, não acreditem em tudo o que vêem, lêem ou ouvem. Os jornalistas são seres humanos que erram, que vivem de ser contrapoder e que, na sua missão, cometem excessos de voluntarismo (…)”. Atrevo-me a acrescentar ao elenco, por maioria de razão, os comentadores políticos, os analistas e, em geral, os designados “opinion makers” e, no mais, quase me apetecia ficar por aqui. É que, pensando o mesmo – e tendo-o declarado, por vezes com indignação, em vários escritos – aquela reflexão vale pelo que diz, mas mais ainda, vinda da pessoa que vem. Deveria, mesmo, ser aposta à entrada do “livro de estilo” que alguns órgãos de comunicação social já têm, e a maioria, convenientemente, não, como seria de colocar no frontispício dos livros de leitura primária.

A ideia de liberdade passa por aqui – pela dessacralização do que dizem pretensos gurus, intelectuais encartados, comentadores e analistas tipo “gato escondido com rabo de fora”. Passa pelo exercício do poder de cada cidadão pensar por si, ler mais e ouvir outras opiniões antes de julgar ou de ter opinião. E esta tarefa é tão mais urgente e importante quanto é inegável que na vida político-partidária, perante o fanatismo em que esta se esvai, não conhecemos, senão o preto e o branco: se um diz algo, é imperativo que o outro diga, logo, o seu contrário mesmo que com argumentos redondos e, muitas vezes, patéticos.

Hoje, como sempre, (John Stuart, Mill y la democracia del siglo XXI, ed. Joseja Dolores Ruiz Resa) alguns dos graves problemas que enfrentamos passam pela tensão entre elites (falsas, muitas vezes) e a generalidade dos cidadãos, pela perversão do interesse geral face a interesses pessoais e egoísmos sinistros, pela marginalização política dos que não querem ir em manada, pela manipulação descarada da opinião pública e males idênticos.

A solução exige que se seja livre e se afirme em todas as circunstâncias tal liberdade.

Neste ano de 2011, que a Comissão Europeia declarou o Ano Europeu do Voluntariado e da Cidadania, interpela-nos o desafio de “dar tempo a quem precisa, a troco de nada” que constitui, afinal, a essência ou espírito do voluntariado.

Somos demasiado passivos apesar dos riscos e dos perigos que nos cercam, talvez na ideia, insensata, de que lhes escaparemos sempre pois os conflitos e os problemas só acontecerão aos outros. É, assim, este “Portugal sentado” que é urgente abanar, acordar e incitar a voluntarizar-se para a reflexão tanto quanto para a ação. Se é certo que nunca, como hoje, foi possível estar em contato com tanta gente e recolher tanta informação, o certo é que é a solidão que impera. Através da internet e das ferramentas nela disponíveis, tanto quanto da televisão e outros meios de comunicação que as novas tecnologias disponibilizam, vamos onde queremos e contatamos quem queremos, mas desprezamos, muitas vezes, o calor de uma boa tertúlia, um diálogo de olhos nos olhos, numa boa polémica com os amigos que estão ao nosso lado. O mundo moderno trouxe-nos conquistas formidáveis, decerto, mas, também, delicados bloqueios à nossa humanidade. Pode-se nasce in vitro e é comum morrer-se in maquina, tal como passar a vida na clausura de um ecrã solitariamente. O apelo da cidadania vai noutro sentido, rejeita o individuocentrismo e o egoísmo e reclama a partilha.

É por isso que se impõe sair do casulo e frequentar – partilhar – um bom debate público, opinando e, até, mostrando indignação e revolta aos que estão ao nosso lado, em vez de consumir passivamente os “enlatados” que andam por aí à venda.

Tal exige um grande esforço cívico, uma forte luta contra o comodismo, uma vontade firme de “ser com os outros” em reflexividade permanente.

O mau uso de tanta e tão diversificada “tecnologia da solidão” vai acabar por matar a nossa humanidade se não arrepiarmos caminho.

E mais cedo do que muitos pensam.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

É ALGO EXAGERADA A NOTÍCIA DA MORTE DO GOVERNO

Uma crise política seria o acontecimento político que menos poderia interessar a Portugal neste momento em que tantos cidadãos já sofrem no quotidiano os efeitos de todas as crises.

É simplória e, até, néscia além de, seguramente, interesseira, a ideia que anda a correr, também nalguns recantos da comunicação social, de que o único desígnio das políticas do Governo é a sobrevivência de Sócrates no poder.

Não é que este não lhe esteja agarrado como uma lapa, mas é sinal de despeito, arrogância e ignorância mesmo levar tudo o que acontece à conta dessa alegada pretensão. O fenómeno político em causa é bem mais vasto e mais profundo, arrasta consigo implicações profundas, tendo a ver com o sistema político e seus figurantes considerados globalmente.

De resto, também, a opinião simétrica de que a Oposição tem como único desígnio derrubar o Governo igualmente padece de críticas, seguramente. Não se poderá acreditar que, com efeito, o único intento dos políticos seja o “jogo das cadeiras”. Por mais desqualificados que estejam perante a opinião pública, os políticos deste regime que nos controla – e estão, geralmente – não serão de aceitar aquelas premissas para, daí, tirar qualquer conclusão que seria, sempre, parcial e de nenhumas consequências práticas.

Infelizmente, da vida pública a maioria dos cidadãos só conhece – quando conhece! – algumas declarações bombásticas que os diversos media trazem regularmente ao espaço público e que, depois, são glosadas em conversas e tertúlias, pouco mais que de barbearia, sem as escalpelizar, criticar, ou apurar o seu fundamento. Em regra é o mero fanatismo partidário que traça o itinerário dos “slogans” postos a circular no dia-a-dia do negócio, endogámico, que a comunicação social (e certos gurus que ela apadrinha) e os partidos desenvolvem no seu interesse próprio mais do que no interesse público.

A anunciada morte do Governo, que foi decretada por um douto comentador político em momento de alguma excitação, insere-se no paradigma dos “boatos” acima referido. Se não morreu o Governo, há-de, porém, repetir-se tantas vezes essa declamação, que, ao menos até à próxima declaração popularucha, vai ser objeto de conversa fiada e de prazer para alguns…
Uma crise política seria, creio, o acontecimento político que menos poderia interessar a Portugal neste momento em que tantos cidadãos já sofrem no quotidiano os efeitos de todas as crises. Apelar à sensatez de quem vive dos jogos políticos – e, por aí, não vive sem escândalos e sensacionalismo – poderá ser inútil porque faz parte, este perfil, da sua natureza. Mas terá de haver um mínimo de bom senso e de patriotismo, também, no marketing político-partidário que enche a cena da nossa vida pública.
E nisto não deixará de ir uma avaliação sobre o Governo, que aparece, claramente, como fatigado e a perder a ambição. Mas vai mais do que isso, ou seja, vai também a pergunta necessária e óbvia: e depois da queda deste Governo?

Há que ter muito cuidado com o desregramento verbal quando envolve, sobretudo, aquele veneno que cativa o público, mas não tem em conta o interesse público.

Vivemos numa sociedade de risco e de perigos.

Antes, nas sociedades industrializadas, era comum e compreensível o grito “tenho fome”; hoje, na sociedade de risco que é a nossa, o grito é outro: “tenho medo” (ainda que não tenha acabado a fome…). Ora o medo convertido em instrumento político, ou da política, é deveras preocupante.
A irresponsabilidade organizada (Ulrich Beck) contém ameaças gravíssimas ao nosso tempo e cria um certo “reino de sombras” com deuses e demónios que ameaçam a própria sobrevivência democrática.

À liberdade de opinião vai faltando a criatividade que é necessária a uma sociedade diferente e melhor. Que há muita coisa que está mal todos os sabemos; dizer como mudar é que seria útil. Dizê-lo com realismo, convicção e saber.

Mas isto não vende.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

NEM TUDO O QUE PARECE É…

O otimismo panglóssico que se pretende alimentar é, não raras vezes, uma falsa esperança que o destino se encarregará de punir.

A autoflagelação é algo a que muitos se dedicam em momentos de crise como aqueles que iniludivelmente vivemos no presente, tanto quanto o optimismo é o lenitivo de outros. Porventura nem uns, nem outros, terão toda a razão num mundo que vai muito mal, mas que não consente que se perca o realismo da esperança.

Implica esta postura que se dê atenção redobrada a antinomias, umas reais outras aparentes, que circulam no espaço público apoiadas em opiniões de ilustres politólogos, comentadores ou cronistas que nem se auto-regulam nem são, muitas vezes, confrontados com as suas desqualificadas narrativas por quem deve e pode esclarecer os mais variados fenómenos da vida pública. Andamos, por isso, a comer gato por lebre quando não olhamos todo o horizonte das notícias e comentários que os vários interesses nos procuram vender como verdades absolutas mas que são, afinal, apenas parte da verdade que é, afinal, a soma de todas as verdades (Levinas).

Sublinho, aqui, por um lado, o discurso oficial que tem sido adotado pelo Governo na pretensa defesa do Estado social – ou da sua patologia, o Estado providência – e a realidade quotidianamente vivida a qual evidencia um certo adeus ao Estado social (João Carlos Loureiro, Adeus ao Estado Social?). Se é inegável que se defende, à esquerda, o Estado social: o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, a Segurança Social pública, não é menos verdade que, alegadas razões de consolidação do orçamento e de redução da dívida pública, têm determinado cortes profundos no perímetro dos direitos sociais alegadamente conquistados e pretensamente território intangível.

Invoco, por outro lado, a proclamada exigência do maior partido da oposição relativamente ao cumprimento pelo Governo do Orçamento de Estado e acordos com este confluentes entretanto celebrados como condição sine qua non para a subsistência desse mesmo Governo. Tudo parece bater certo, mas a verdade é que, atrás da exigência, no essencial correta, de cumprimento dessas normas financeiras, aparece, mais ou menos disfarçada, a vontade de que o Governo falhe, depressa e inapelavelmente, a execução do orçamento, com o que se abriria a porta a uma potencial alternativa de governação.

Tudo isto soa a falso.

O pessimismo da direita, muito conveniente, cai bem num largo setor da sociedade onde campeia, há muito, uma potente revolta face à perda de direitos, de regalias e de privilégios. Mas, só por si, não leva a lado nenhum.

O otimismo da esquerda, enraizado em “amanhãs que cantam” e em muito irrealismo, vai decepando alegremente – proclamando embora o contrário – o Estado social que a Constituição consagra mas que, em larga medida, tem pés de barro e é, por isso, insustentável. O otimismo panglóssico que se pretende alimentar é, não raras vezes, uma falsa esperança que o destino se encarregará de punir. Por si só também não leva a lado nenhum.
A vida não está fácil.

Não é uma mera moda do topos discursivo dizer-se que nos encontramos numa sociedade de risco, de medo.

Como vencer o medo e as suas causas e ultrapassar os riscos e as suas consequências neste imbróglio de posições, situações e interesses? São, estas, questões de grande atualidade e que sobrelevam as meras opiniões de café a que vamos estando condenados.

Todos querem “sol na eira e chuva no nabal”, mas é sabida a improbabilidade de o conseguir. É certo, porém, que terá de se encontrar uma saída para o caos atual. As palavras tem de ganhar sentido, as opiniões fundamentação, as escolhas assentar em estudo sério e aprofundado, o futuro tem de ter um sentido.

Nada é certo nem definitivo.

Nada está garantido.