quarta-feira, 11 de agosto de 2010

VIVER À CUSTA DOS OUTROS


Defendo, iniludivelmente, um sistema de segurança social justo e equitativo e, decerto, universal. Mas não cego, surdo e mudo.

No início de Agosto entraram em vigor algumas medidas de saneamento do sistema de segurança social português. Assim, as prestações e apoios sociais ficaram sujeitos a novas regras de atribuição que passaram a ter em consideração os diversos rendimentos do seu requerente e do agregado familiar, e o subsídio de desemprego viu o prazo de garantia aumentado, além de outros acertos (Decreto-Lei n.º 76/2010 de 16 de Junho).

A gritaria do costume, vinda da banda dos que, mais por razões egoístas do que ideológicas, estão sempre na fila da frente dos protestos, fez-se, logo, ouvir contra o alegado economicismo de tais medidas (como se a Economia não tivesse nada a ver connosco!) e contra o pretenso ataque aos mais desfavorecidos (os ricos que paguem a crise, slogan habitual).

Ora bem. Defendo, iniludivelmente, um sistema de segurança social justo e equitativo e, decerto, universal.

Mas não cego, surdo e mudo.

Neste contexto, passarei a relatar uma situação real em que recentemente tive pessoal e directamente intervenção e que me robustece a convicção da iniquidade concreta de muitas prestações sociais. Os factos são simples e contam-se numa penada. Tendo necessidade de mandar executar um pequeno gradeamento em ferro forjado, contactei um serralheiro a quem pedi um orçamento. Explicado o que pretendia, esperei três semanas por uma proposta de preço que apenas chegou após várias insistências minhas. Curiosamente foi-me apresentado o custo do trabalho (alto) sem definição, porém, das suas especificidades que, foi-me dito, poderiam aumentar o preço… fixado. Mas fui, também, logo alertado para que tal preço não contemplava a emissão de factura, pois tal serralheiro não as emitia. Era pegar, ou largar.

Avancei com as negociações e escolhi, então, o modelo de ferragem que pretendia tendo, naturalmente, solicitado um prazo previsível para a execução da tarefa. E, aqui, surgiram novos problemas pois, segundo o serralheiro, o material teria de vir de Espanha. Fiquei surpreendido pois se tratava de uma tarefa simples, uma pequena obra em ferro forjado, idêntica a outra que ele já tinha realizado a meu pedido. Mas, desta vez, teria de vir de fora e isso iria atrasar o trabalho, talvez dois meses. A minha surpresa teve, porém, uma resposta muito singela: é que dava muito trabalho fazer aquele serviço e, com o material vindo de fora, chegava-se ao mesmo objectivo.

Quase me esquecia de dizer, entretanto, que aquele ainda jovem serralheiro estava a receber prestações e apoios sociais cujo recorte, porém, não consegui identificar. Mas que estava bem, satisfeito, isso estava!

Dito isto, na crueza singela dos factos e num tempo de grave crise de emprego e, sobretudo, de profunda crise das finanças do Estado, quase nada mais será necessário acrescentar. Apenas um grito de revolta cívica incontida me leva a sublinhar três aspectos do caso.

O primeiro é que a economia paralela está próspera em Portugal e que a administração fiscal não controla nada nem, talvez, perceba a realidade fiscal do novo tempo em que estamos.

Depois, há que sublinhar a bondade do nosso Estado-providência que, apesar das acima referidas reformas, é um factor persistente de preguiça e de graves injustiças sociais na medida em que alguns tudo têm que pagar – massacrados, mesmo, por um sistema fiscal iníquo - e, outros, não precisam de mover uma palha para lhes chegar aos bolsos todos os (incontrolados) subsídios sociais que a demagogia política erigiu em “direitos adquiridos”.

Por fim, uma nota de angústia sobre a mentalidade, talvez a cultura, do tempo presente e que está envolta na ideia de que não é preciso trabalhar, produzir, competir e inovar. O trabalho é penoso já se sabe e, por isso, que trabalhem os outros (no caso os espanhóis). Nós, ricos que somos, chegamos lá e compraremos o que nos for necessário poupando os nossos esforços. Afinal dinheiro não falta quando se é esperto…

Perante o que deixo dito, creio que poderemos deixar de perder mais tempo com análises, diagnósticos e opiniões dos sábios da economia e das finanças que pululam nos meios de comunicação social. É que eles não percebem nada do país real nem do povo que somos.

“… Os ricos que paguem a crise.”

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