quarta-feira, 7 de julho de 2010

É PRECISO PÔR O PODER FINANCEIRO NO SEU LUGAR


A responsabilidade matricial da presente situação está intimamente correlacionada com a violação grosseira, por parte de muitos agentes e instituições financeiras, de regras elementares da economia de mercado e das obrigações inerentes à democracia

Uma crise, por mais funda que seja – e a crise que assola sobretudo o mundo ocidental, originada, há cerca de dois anos, nos Estados Unidos tem sido um verdadeiro terramoto, quer no setor financeiro, quer na economia, no plano social e, ainda, quanto às finanças públicas – pode ser também uma oportunidade para encontrar soluções para um futuro melhor.

Ainda que timidamente, julgo, na verdade, que alguns sinais de mudança na economia já estão a acontecer, num sentido positivo, nomeadamente em Portugal.

Não é possível, porém, esquecer a responsabilidade e os responsáveis pela actual crise. E uma conclusão adianto, sem ter sobre ela quaisquer dúvidas: é imperioso subordinar o poder financeiro à Política.

É que a responsabilidade matricial da presente situação crítica está intimamente correlacionada com a violação grosseira, por parte de muitos agentes e instituições financeiras, de regras elementares da economia de mercado (também ele, porém, escassa e defeituosamente regulado) e das obrigações inerentes à democracia, nomeadamente a de transparência, sendo que a busca do lucro a qualquer preço foi, apenas, mais um ingrediente que se somou aos restantes factores que levaram à crise.

Ora, conhecido o diagnóstico, recolhidos os indícios, identificados os prevaricadores, seria de esperar que daí resultasse a sua condenação nos termos da lei e, também, com fins preventivos. Mas, aqui, a Europa claudicou, ao contrário dos EUA onde decorreram rápidos processos e convenientes decisões judiciais. Prevaleceu, na Europa, com efeito, uma generosidade provinciana amparada por um espírito neo-liberal ultramontano que é o que, hoje, caracteriza a U.E e a leva a proteger, além do aceitável, a desvairada finança privada.

Dois anos e meio depois do pânico que seguiu à queda do Lehman Brothers, tem cabimento perguntar-se o que mudou no sector financeiro. Pouco ou nada é a resposta. Os bancos terão reembolsado a ajuda dos Estados – concedida quase sem condições e à custa de todos nós – e encontram-se à rédea solta de novo. Os mercados continuam a especular sem rei nem lei aproveitando uma instabilidade que são os primeiros, de resto, a alimentar, porque quanto mais volatilidade mais dinheiro ganharão (cfr. Alternatives Economiques, nº 293 – Julho-Agosto 2010).

Impõe-se, por isso, fazer reformas profundas, ambiciosas e inovadoras no setor financeiro. Não bastarão, aqui, novas regras para colocar o poder financeiro ao serviço da economia, sendo necessário que os bancos, os seus acionistas e gerentes e, mesmo, os Estados (incluíndo a UE) mudem de comportamento. Três protagonistas estão, de facto, no centro do furacão: os bancos, de que deve limitar-se o tamanho e reconsiderar as fronteiras; os acionistas dos bancos únicos capazes de representar um contra-poder face à influência do mercado; e, por fim, os Estados, muitas vezes apresentados como reféns do poder financeiro, mas que são, afinal, quem tem os meios para voltar a colocar a finança ao serviço da economia.

Apesar da crise, os bancos expandem-se, porém, como se a crise não fosse com eles. Ao lado da banca comercial tradicional, que recolhe os depósitos e concede empréstimos, os bancos continuam a desenvolver o seu papel de intermediários nos mercados abarcando, também, a gestão de activos por conta dos seus clientes, vários serviços sofisticados para as grandes empresas (introdução na Bolsa, aumento de capital, empréstimos, operações de fusão e aquisição, etc). Para eles, se alguma coisa mudou, quase tudo, afinal, ficou na mesma.

Os bancos capturaram, também, os cidadãos – que amesquinham sempre que querem – e o seu patrocínio: eles são so donos das nossas casas, dos nossos carros, das empresas, de quase tudo o que temos.

É por tudo isso que a Política tem que reassumir o seu papel no sistema financeiro tanto quanto a sociedade civil e empresarial também não pode ficar de braços cruzados. São necessários, ao lado dos bancos privados, outros, públicos, cooperativos e mutualistas. E é preciso que os Estados intervenham na vida financeira através de esquemas rigorosos e transparentes de regulação e, ainda, através de todos os outros meios que possam colocar as finanças ao serviço da economia e dos cidadãos.

Sem comentários: