Não gostei de ver alguns portugueses a celebrar o fim da
presença da “Troika, porque, além do mais, tal não é verdade.
Escrevo esta
crónica quando formalmente se deu por finda a intervenção estrangeira em
Portugal assumida, sem rodeios, com a assinatura do Memorando de Entendimento
com a “Troika”, já passaram três anos.
Ouvi, li e vi os
festejos orgulhosos (!) de uns e as críticas recorrentes de outros. Com um olho
a sorrir e outro a chorar. Mas foi na comunicação social estrangeira – como
somos espoliados da verdade pela nossa! - que me encontrei com o trágico
significado deste tempo líquido que nos consome.
Deixo aqui de
lado as questões inerentes à perda de soberania que acompanhou a intervenção da
“Troika” para dar singelo relevo ao que dela ficou para a generalidade dos
portugueses. Na esteira da reflexão premonitória de Jorge Miranda (in Troika Ano II, coord. Eduardo Paz
Ferreira, p. 315), Portugal, após a “Troika” é uma nação mais pobre, mais
envelhecida, mais zangada consigo própria, mais desigual, mais fraca. E,
acrescento eu, paralisada pelo medo, impotente, descrente no futuro, revoltada
com os políticos e os partidos do arco da situação, menos solidária e cada vez
mais longe da democracia.
Empobrecer foi o
caminho que nos foi imposto – e que é para continuar, dizem os que mandam – uma
estratégia em que sobressaem procedimentos eminentemente biopolíticos pelos
quais certos poderes visam, afinal, sugar a vida à vida de quem trabalha. A
austeridade à moda da “Troika” (e dos seus fieis discípulos, ainda mais cruéis,
por vezes, do que ela) foi uma terapêutica pior do que era a doença.
Alega-se que a
dívida pública (a doença) é uma praga que está na origem da crise. Mas também
se poderá defender que o aumento da dívida pública será menos um problema do
que uma solução e, sobretudo, parece já inequívoco que pretender reduzi-la a
qualquer preço – “custe o que custar” – foi um erro. As dívidas, mais cedo ou
mais tarde, terão, é certo, de ser pagas. A questão é de saber como, com que
sacrifícios, de quem, e com que consequências. No nosso caso, o caminho foi – é
– dramático, desumano.
A austeridade, enquanto
punição, não vem na Bíblia. É uma construção do homem austeritário, contra outros
homens. A penitência, essa, vem – metanoia – no sentido de mudança de vida
proveniente do interior do homem, ainda que com rituais exteriorizáveis.
Palavra trágica do nosso presente, mais do que marca, legítima, do que é
rigoroso nos princípios, comportamentos, ou hábitos, a austeridade afirmou-se
como sinónimo de mortificação imposta de fora e consubstanciada num processo de
implementação de políticas financeiras que pretenderiam conduzir à disciplina,
ao rigor e à contenção de alguns. Não foi só o processo, em si, que relevou,
mas os critérios em que assentou e, ainda mais, as suas consequências. A
austeridade não existiu, nem existe para todos.
Na se defende,
porém, o despesismo, a gratificação imoral, o laxismo, nem o hedonismo. A
questão não é essa. Na economia, a austeridade impõe rigor no controlo das
despesas e gastos e é necessária quando a dívida pública e o défice se tornam
insustentáveis. Ora, que em Portugal se tenha gastado acima das possibilidades
é certo, (falta a outra parte da verdade: quem gastou? em benefício de quem?) mas
também o é que – e tal é essencial – os meios postos à disposição de cidadãos,
e dos trabalhadores em particular, não acompanharam o que a economia lhes
poderia e deveria ter proporcionado, tendo ocorrido, ao contrário, o sequestro
de muitos desses meios por uns poucos. E para estes não parece haver
austeridade.
Não gostei de
ver alguns portugueses a celebrar o fim da presença da “Troika” no país.
Porque, além do mais, tal não é verdade e, mesmo que fosse, ficaram eles a
zelar pelos seus interesses. Gostaria de ouvir, porém, notícias do futuro de
uma nação adiada outra vez. Mas ainda não foi desta…
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