A democracia parece ser, hoje, um mero conjunto de
procedimentos formais em vista da manutenção da liberdade dos mercados
A formulação
apresentada por Lincoln e geralmente consagrada para explicar e justificar a
“essência” da democracia – governo do
povo, pelo povo e para o povo – parece ter-se convertido, nos nossos dias,
numa outra, cínica, que propõe “o governo
dos mercados, pelos mercados e para os mercados”.
A legitimidade
da economia de mercado e a concorrência que lhe é inerente, desde que
enquadradas por princípios éticos que, nomeadamente, levem ao “mundo da vida”
as exigências de justiça e de solidariedade entre os homens, não estará em
causa. A questão surge, porém, quando se faz assentar a soberania, não no povo,
mas nos mercados. E tal risco - senão essa realidade – está já entre nós.
O capital
financeiro governa o mundo através de financeiros travestidos em políticos e os
mercados até já têm rosto, estados de alma (“estão nervosos”, “estão
expectantes”) ou seja, antropoformizaram-se.
Os princípios
essenciais da democracia e as suas instituições representativas também, estão
ameaçadas não só pela deslocação do poder de decisão das antigas estruturas dos
Estados-nação para organizações supra e internacionais (a Organização Mundial
do Comércio, O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional) mas, sobretudo,
por poderes não eleitos, esquivos, subtis, mas decisivos. Chamam-lhes, por
vezes, mercados e é inegável que estão a converter-se em “instituições”
determinantes no destino da cidadania de todos nós, à margem de regras
democráticas. Acresce, por outro lado, que as políticas neoliberais substituem,
muitas vezes, o cidadão pelo consumidor, a lei pelo contrato, o Direito público
por normas privadas, impõem a superioridade do poder executivo sobre o
legislativo, trocam os direitos sociais por privatizações e desregulamentações,
a democracia representativa e o Estado de Direito por poderes ao serviço do
capitalismo sem rosto.
A democracia
parece ser, hoje, por isso, um mero conjunto de procedimentos formais em vista
da manutenção da liberdade dos mercados, longe de qualquer objetivo emancipador,
ao ter-se convertido numa mera sucessão de atividades administrativas e
procedimentais nas quais as eleições marcam, apenas, a consolidação dos mercados.
A ideologia
neoliberal parece, com efeito, cada vez mais ignorar a dimensão igualitária e
paritária da democracia.
Assim sendo,
como cremos que está a ser, urge fazer com que a Política regresse ao povo e
este volte a ser soberano. Contra os que, enviesadamente embora, pretendem
dissolver o povo que somos… e eleger outro, há que levantar a força prometaica
da cidadania.
Agora que parece
que a “Troika” estará de regresso a casa – algo semelhante, afinal, ao fim da
ditadura salazarista, bem vistas as coisas – abrem-se novas possibilidades de
recomeçar uma caminhada essencialmente portuguesa, ainda que num mundo que
continuará a ser global. Mais que antes há que pensar, agora, prospectivamente
e traçar planos novos de batalha. Os fundos comunitários que chegarão,
entretanto, poderão ajudar certamente, mas o que vai (ou não) fazer a mudança é
a força dos portugueses.
Não se deverão
perseguir, neste contexto, consensos tontos e a qualquer preço, para eleitorado
“ver”. Mais que consensos, para além destes, o que é preciso é alcançar
compromissos políticos vinculativos para além de uma ou mais legislaturas.
A palavra
pertence aos políticos. Mas não dissolvam o povo.
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