quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

SÓCRATES E SALGADO: A MESMA LUTA?



Ou muito me engano, ou tudo não passará de um jogo de soma nula.

As nossas vidas começam a morrer no dia em que calamos as coisas que são verdadeiramente importantes.

Como passar ao lado da situação em que está envolvido o ex-primeiro ministro José Sócrates face à gravidade das suspeitas que se ergueram contra ele – e como, por outro lado, desligar, assobiando para o ar, do aspecto político-partidário da questão?

Nem é possível, nem seria desejável em democracia.

Para bem nos situarmos, é imperioso, porém, colher a informação mais séria e serena e não acompanhar, ou vivenciar este caso, de polícia e de política, como se lê um romance, se vê a “Casa dos segredos”, ou se folheia a imprensa cor-de-rosa. Impõe-se, antes, muita honestidade intelectual e cívica nas tomadas de posição que se vão tomando.

José Sócrates não está acusado, neste momento, de nada. Muito menos foi julgado e condenado por coisa alguma. Tudo o que se conhece são suspeitas. Se a justiça está a fazer, no transe, como parece, o que lhe compete, há que deixá-la prosseguir a sua legítima e constitucional função e esperar que seja eficaz e imparcial. E lembrar-lhe, porventura, também, que se terá “esquecido” de muitos outros suspeitos de idênticos crimes…

Sendo uma questão do foro judicial, há regras processuais e substantivas a que, como arguido, José Sócrates poderá legitimamente deitar mão. Entre essas não está, porém, seguramente, criticar o Juiz de instrução, por mais erráticas que tenham sido a sua argumentação e a sua consequente decisão. Das decisões judiciais – aprendi isso nos primórdios do meu curso universitário de Direito – recorre-se para os tribunais superiores. E, no fim do caminho, a Doutrina julgará a Jurisprudência, decerto na procura de melhores soluções para o futuro. E aqui acaba a Justiça processual que aos humanos cabe fazer, para quem, como eu, é um institucionalista.

O caso José Sócrates não poderia, porém, deixar de ser politizado e partidarizado, embora hipocritamente se queira afirmar o contrário. Tudo o que diz respeito ao Governo da República tem contornos e, até, essência política. E, nesse plano, há que escalpeliza-lo, confrontar argumentos, tentar perceber as estratégias dos interesses em jogo, o contexto em que teve lugar o desencadeamento do processo e a forma como é tratado no espaço público. A quem interessou que este desagradável caso emergisse neste momento? Quem, e como, se gerem os tempos da justiça? Que outros suspeitos de crimes económicos poderão beneficiar de uma grande afectação de meios (tão reduzidos neste tempo de desmantelamento do Estado, também no âmbito do sistema judicial…) ao processo de José Sócrates, esvaziando, talvez, a investigação de outros?

Espero um dia perceber por que razão nenhum partido político se interessou pela criação de uma Comissão de Inquérito Parlamentar aos factos atinentes e imputados a José Sócrates e outros seus ditos cúmplices, ao contrário do tão grande empenho, de todos, no processo do defunto “BES”. Ou muito me engano, ou tudo não passará de um jogo de soma nula – jogo político-partidário em que os cidadãos contribuintes terão a última palavra: pagar todos os desmandos públicos e privados dos “reizinhos” da nossa democracia formal.

Perante todos nós está a desenrolar-se, é certo, um conflito de prognóstico incerto e em que a única certeza é que, no final, nada ficará como está, nem na política, nem na realização da justiça. Mas a culpa, uma vez mais, morrerá solteira.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

UM APELO REVOLUCIONÁRIO



É a revolução – no interior de cada cidadão – a única saída que ainda parece possível para viver em liberdade e com dignidade.


Os portugueses anseiam por uma mudança face aos tempos de insuportável austeridade, de esterilidade e de medo que têm vivenciado, fartos de mistificação e de retórica vazia de conteúdo. De propaganda.

Mudança do pessoal político, novas ideias e melhores instituições. Planos de batalha e espírito de conquista para a construção de um futuro melhor que o presente.

Não haverá, porém, salvação individual numa tragédia colectiva. É imperioso assumirmos a consciência desta inevitabilidade e, quanto mais tarde tal acontecer, pior será.

Os que nos governam detêm cada vez menos poder na sua acção dependentes que estão, crescentemente, não só de erros do passado (escondidos convenientemente debaixo do tapete) mas, mais, ainda, de condições que não têm como mudar, ou alterar com uma varinha mágica – é o caso da evolução demográfica, da revolução nas tecnologias, do poder da finança, do crescimento do desemprego, do incremento da violência quer a nível nacional quer internacional, das mudanças climáticas e suas consequências – e por aí fora (Cf. Jacques Attali, Devenir Soi, Fayard, 2014, p. 23).

Os próprios Estados parecem estar em causa, com o seu fim já anunciado (Cf. John Micklethwait; Adrian Wooldridge, The Fourth Revolution: The Global Race to Reinvent the State, 2014).

A Europa, porventura o mundo todo e Portugal em particular precisam de um choque de esperança. O marasmo presente do nosso quotidiano não será vencido, ultrapassando, por uma qualquer lei ou “diktat” político. Não vale a pena, pois, continuarmos a pedir tudo a um Estado cada vez mais maltrapilho, sendo antes, tempo de cada um de nós se tornar o construtor do seu próprio futuro. E, por aí, de uma nova e mais fraterna sociedade. Tempo, também, de dizer não à arbitrariedade e à indignidade de muitos poderes que nos sugam a vida.

É a revolução – no interior de cada cidadão – a única saída que ainda parece possível para viver em liberdade e com dignidade.

Na família, no emprego, na actividade empresarial, na acção social e cultural, no espaço público urge que cada um tome o destino nas suas próprias mãos. Já basta de queixumes inconsequentes, de sermos meros expectadores de uma época que não controlamos, de deixarmos aos outros a escolha do nosso futuro, de assistir angustiados às consequências de actos de abutres que não saem de cima das nossas vidas.

Parafraseando Jacques Attali (ob. cit., p. 177 ss.) é imperioso que tomemos nas nossas mãos o nosso destino, que nos libertemo-nos do conformismo das ideologias, de éticas e determinismos de qualquer natureza. Que escutemos o nosso próprio eu interior. Que ousemos ter coragem para agir. “Nada justifica resignar-se, aceitar os factos consumados, de apenas esperar do outro a resposta a dificuldades pessoais. E, particularmente, de esperar dos poderosos ou do Estado. A boa vida é uma vida onde nos procuramos continuamente, onde nos encontramos mil vezes sucessivamente ou simultaneamente (…). Se está desempregado, em vez de esperar uma proposta de trabalho, crie a sua própria empresa; se é um trabalhador com um emprego precário, aborrecido ou alienante, invente uma nova forma de fazer o seu trabalho, mais divertida e mais criativa, ou deixe o seu trabalho para se formar e criar o seu. Se é empresário, não espere pela diminuição dos impostos para investir ou contratar; e se é artista, não espere por concursos públicos ou privados para criar. Se não gosta do que está a consumir, oponha-se”.

Vamos a isto?

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

TIRAR PORTUGAL DA BETESGA SEM O METER NO ROSSIO



Temos de pôr toda a nossa circunstância em causa e ousar fazer perguntas aos que detêm os poderes e de exigir-lhes respostas sérias, convincentes.


 É de algum modo injusto assacar aos políticos – aos que nos governam e aos outros – todas as desgraças por que passamos no país. Lá que alguns deles se servem dos seus palanques para muita trafulhice e para viver à custa do Orçamento do Estado num egoísmo atroz, isso é inegável. Mas não estão sozinhos. De facto a realidade quotidiana evidencia claramente que os seus interesses se confundem, num emaranhado de complexas dinâmicas, com os de “gente fina” que borboloteia à sua volta, ora dando, ora recebendo o que não lhes pertence de direito porque é de todos nós, do Estado.

Os dramáticos casos recentes do BES e o da PT, entre outros ainda dentro do armário, de muitos mais que já se foram convenientemente da nossa limitada memória, apenas provam a cumplicidade fraudulenta entre os detentores do poder político e os do poder económico e financeiro. Eles precisam no presente, precisaram no passado e dependem no futuro mas dos outros e por isso andam pela política dos negócios em dependências várias, bilaterais, como crianças carentes agarradas às suas mãos.

As pretensas elites do país, as que nos pretendem determinar o caminho, são desditosamente constituídos, ordinariamente por grupos de incompetentes, de falhados, de videirinhos sem cultura democrática, sem valores, que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. O “cavaquismo” – um dia a História o provará - constituiu-se na cereja em cima do bolo desta recorrente tragédia portuguesa.

É por ousar lugar contra este estado de sítio que terá de se iniciar o caminho da reconstrução de Portugal sendo certo que combater os inimigos da sociedade aberta (Karl Popper) é tarefa inadiável.

Cumpre, no transe, refletir, porém, sobre a razão por que não há elites nos partidos políticos e, tal, há-de levar-nos a pôr em equação a “escola” de oportunismo e do amiguismo em que eles geralmente se têm transformado. Sem ignorar, nessa avaliação, que as elites são como a nata que, em pequenas quantidades, só se pode retirar de uma grande quantidade de leite. Ora, sem leite (sociedade civil) não pode fazer-se nata (elites)…
Entre nós, como em muitos outros países, se apresenta como realidade indisfarçável que, apesar de o mundo estar aberto aos portugueses que, reconhecidamente têm no seu ser capacidades extraordinárias de sucesso, pessoalmente e como povo, não se vê saída para os tempos dolorosos em que nos é dado viver.

Se o mundo está aberto aos portugueses, o contrário não parece, porém, estar a acontecer, ou seja, temos, como cidadãos, também, de nos abrir mais ao mundo. O problema não é só nosso, porém, antes é de todo o Ocidente, sobretudo dos países europeus. Em recente livro no qual foram compiladas reflexões de grandes pensadores franceses (Olivier Le Naire, Nos voies d’espérance. Entretiens avec 10 grands témoins pour retrouver confiance, Actes Sud/Les Liens qui Libèrent, 2014, p. 10), diz Olivier Le Naire que os cidadãos “estão paralisados por um mundo em plena transmutação que já não entendem, preferem refugiar-se no passado ou em velhas querelas ideológicas mais do que decidir o seu próprio destino”.

Temos de pôr toda a nossa circunstância em causa e ousar fazer perguntas aos que detêm os poderes e de exigir-lhes respostas sérias, convincentes. E, ainda, querer não só mudar o mundo, mas, também, aprender, cada um de nós, a mudar-se a si próprio.

Vamos caminhando sem destino certo. “Em busca de valores, em busca de sentido, em busca de identidade. Em grande sofrimento também. Todos enfim deploram que as nossas elites, erguidas sobre os seus egos, hipnotizadas pelos interesses a curto prazo, prefiram invocar o regresso do crescimento como o do Messias em vez de admitir finalmente que mudámos de época.” (idem, p.13)

Será a partir daqui que, entre nós, poderemos, com esperança mas sem dor, tirar Portugal da betesga sem o meter no Rossio.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS



Andamos a pagar aos partidos políticos a mediocridade da sua acção e as “gorjetas” com que eles compram fidelidades e se eternizam, assim, no poder.

Ao caminharmos para o final de 2014, e face à aproximação de um período eleitoral carregado e, porventura, decisivo para a tomada de opções que irão marcar o futuro a curto e médio prazo, os partidos políticos agitam-se entre dramas pessoais, escolhas estratégicas e lutas intestinas pelo poder nos seus aparelhos.

As eleições primárias no Partido Socialista vieram abalar paradigmas hegemónicos que pareciam incontornáveis. Geralmente vistas como um suicídio colectivo pelos sapientíssimos comentadores da praça, parece terem assumido, afinal, um papel fulcral no contexto de mudança necessária de procedimentos no país político e no sistema de partidos.

Depois, o lançamento de um novo partido político, sob a égide do Dr. Marinho e Pinto, aparentemente sem pés para andar nem cabeça para pensar, na folclórica agitação que traz no bojo, não será de ignorar.

O partido de Rui Tavares, o “Livre” dá sinais de vida própria, também, ao realizar o seu primeiro congresso.

E o que se vai percebendo do que se vive na coligação governante (PSD/CDS) prenuncia rupturas de não pouca importância entre os partidos que a integram.

Os partidos políticos e o pluralismo partidário são algo de inerente ao princípio democrático e factores decisivos da sua concretização. A sua influência na formação da “vontade política” é incontestável.

Os partidos são associações privadas com funções constitucionais, mas não são órgãos do Estado (Cf. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., 315 ss.) O seu financiamento público – o que aqui nos interessa – é, na realidade constitucional portuguesa, uma tarefa do Estado, cabendo à lei estabelecer as pertinentes regras de financiamento (CRP. Art. 51, nº 6).

Ora são estas regras – sobretudo as relativas aos requisitos e limites de tal financiamento público – que, num tempo novo, austero, e de profunda debilidade económica da generalidade dos cidadãos e das empresas terão de ser urgentemente alteradas, ainda que também seja questionável a própria regra do seu financiamento pelo Estado. Mas isto fica para outra ocasião.

É público e notório que os dinheiros dos partidos circulam muitas vezes sem obediência às leis - o que, de resto, não tem tido quaisquer consequências!... - mas é, sobretudo, chocante verificar como esses dinheiros, que saem dos bolsos dos contribuintes já afogados em impostos, são esbanjados por nababos sem tino e sem vergonha. E, mais ainda, como os milhões que os partidos recebem em sede de financiamento público, por virtude das “patrióticas” leis que eles próprios elaboram, crescem, crescem, crescem… Saberão os leitores que, com o aumento ridículo, recente, do salário mínimo o financiamento dos partidos, legalmente indexado a esse salário, aumentou milhões?! (Cf., Expresso, 4 de Outubro de 2014 e o excelente artigo de Fernando Madrinha: Salário Mínimo, Subvenção Máxima).

Acordem, caros cidadãos!

Andamos a pagar aos partidos políticos a mediocridade da sua acção e as “gorjetas” com que eles compram fidelidades e se eternizam, assim, no poder.

Os partidos políticos são indispensáveis para uma sociedade democrática – a democracia só existe, só pode concretizar-se, através deles. Mas há que dizer “basta” quando se ultrapassam os limites da decência e do possível, para não falar de desvios para a corrupção, ou do fim da democracia.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O ESTADO INSACIÁVEL, E OS SEUS BENJAMINS



O Estado em vez de estar ao serviço dos cidadãos, serve-se destes retirando-lhes, mesmo, muitas vezes, a dignidade de seres humanos.

Não tenho o direito de julgar seja quem for, mas não me furtarei jamais a, segundo os meus princípios e valores, éticos e cívicos, interpelar a consciência de quantos têm andado por aí a viver à custa do Estado português. E se tiver de lhes chamar, nesse pressuposto, corruptos, mentirosos, palhaços, valdevinos ou ladrões, só espero que não me doa a mão que escrevinha estas crónicas.

A meu modo, com os meios ao meu alcance, pretendo, apenas, que eles sintam vergonha de se dizerem portugueses, de pretenderem ser vistos como democratas, porventura até, alguns, como pessoas.

Nas últimas semanas vieram a lume histórias de esqueletos escondidos em diversos armários, há muito tempo, por políticos e partidos. Mas muitos já sabiam delas e calaram-se, calaram-nos ou ficaram mudos pelos interesses egoístas de que vivem. A “Face Oculta” do PSD (que é, creio bem, idêntica em outros partidos) que a “Visão”, nº 1124 e 1125, evidenciou com factos, mostra, além da vileza de certos políticos nascidos nas barrigas partidárias, também como a República – cuja implantação domingo se comemora – está a passar por uma profunda crise.

A democracia representativa, por um lado, não funciona, é uma ilusão, um fogo-fátuo. Está a ser, há muito, completamente pervertida posta que foi ao serviço dos partidos do chamado “arco da governação”.

O Estado já não assume nem respeita os valores republicanos – se é que respeita quaisquer outros valores. Em vez de estar ao serviço dos cidadãos, serve-se destes retirando-lhes, mesmo, muitas vezes, a dignidade de seres humanos.

O Estado português, ou melhor, quem o capturou, porta-se, na verdade, como a cigarra da fábula e faz dos seus cidadãos, pela austeridade cega e o medo inerentes, formigas escravizadas. 

Mas este fenómeno tem paralelo em muitas outras latitudes. Num livro que vem de ser dado à estampa – L’État voyou”, de Caroline Brun e de Marie-Christine Tabet, edição Albin Michel, são denunciadas muitas situações deploráveis em que se pode ver como os Estados, designadamente, seviciam os cidadãos-contribuintes, enquanto são péssimos pagadores dos seus compromissos.

Há que ler e divulgar este retrato dramático do nosso tempo apocalíptico.

Cumpre, também, afirmar com frontalidade que as notícias que têm vindo a lume são, apenas, a ponta de um “iceberg” em que, até o “cavaquismo”, está presente. Ora é urgente que quem sabe fale, e que quem tem o poder de investigar investigue o mar de iniquidades e ilegalidades em que vogaram, a seu bel-prazer, muitos políticos, nos últimos anos. De preferência antes que os crimes prescrevam ou, até, venha por aí uma providencial amnistia.

Gaia e Porto estariam assim tão longe nos procedimentos?

Já prescreveram eventuais crimes? Pois…