Ou muito me engano, ou tudo não passará de
um jogo de soma nula.
As
nossas vidas começam a morrer no dia em que calamos as coisas que são
verdadeiramente importantes.
Como
passar ao lado da situação em que está envolvido o ex-primeiro ministro José
Sócrates face à gravidade das suspeitas que se ergueram contra ele – e como,
por outro lado, desligar, assobiando para o ar, do aspecto político-partidário
da questão?
Nem
é possível, nem seria desejável em democracia.
Para
bem nos situarmos, é imperioso, porém, colher a informação mais séria e serena
e não acompanhar, ou vivenciar este caso, de polícia e de política, como se lê
um romance, se vê a “Casa dos segredos”, ou se folheia a imprensa cor-de-rosa.
Impõe-se, antes, muita honestidade intelectual e cívica nas tomadas de posição
que se vão tomando.
José
Sócrates não está acusado, neste momento, de nada. Muito menos foi julgado e
condenado por coisa alguma. Tudo o que se conhece são suspeitas. Se a justiça
está a fazer, no transe, como parece, o que lhe compete, há que deixá-la
prosseguir a sua legítima e constitucional função e esperar que seja eficaz e
imparcial. E lembrar-lhe, porventura, também, que se terá “esquecido” de muitos
outros suspeitos de idênticos crimes…
Sendo
uma questão do foro judicial, há regras processuais e substantivas a que, como
arguido, José Sócrates poderá legitimamente deitar mão. Entre essas não está,
porém, seguramente, criticar o Juiz de instrução, por mais erráticas que tenham
sido a sua argumentação e a sua consequente decisão. Das decisões judiciais –
aprendi isso nos primórdios do meu curso universitário de Direito – recorre-se
para os tribunais superiores. E, no fim do caminho, a Doutrina julgará a Jurisprudência,
decerto na procura de melhores soluções para o futuro. E aqui acaba a Justiça
processual que aos humanos cabe fazer, para quem, como eu, é um
institucionalista.
O
caso José Sócrates não poderia, porém, deixar de ser politizado e
partidarizado, embora hipocritamente se queira afirmar o contrário. Tudo o que
diz respeito ao Governo da República tem contornos e, até, essência política.
E, nesse plano, há que escalpeliza-lo, confrontar argumentos, tentar perceber
as estratégias dos interesses em jogo, o contexto em que teve lugar o desencadeamento
do processo e a forma como é tratado no espaço público. A quem interessou que
este desagradável caso emergisse neste momento? Quem, e como, se gerem os
tempos da justiça? Que outros suspeitos de crimes económicos poderão beneficiar
de uma grande afectação de meios (tão reduzidos neste tempo de desmantelamento
do Estado, também no âmbito do sistema judicial…) ao processo de José Sócrates,
esvaziando, talvez, a investigação de outros?
Espero
um dia perceber por que razão nenhum partido político se interessou pela
criação de uma Comissão de Inquérito Parlamentar aos factos atinentes e
imputados a José Sócrates e outros seus ditos cúmplices, ao contrário do tão
grande empenho, de todos, no processo do defunto “BES”. Ou muito me engano, ou
tudo não passará de um jogo de soma nula – jogo político-partidário em que os
cidadãos contribuintes terão a última palavra: pagar todos os desmandos
públicos e privados dos “reizinhos” da nossa democracia formal.
Perante
todos nós está a desenrolar-se, é certo, um conflito de prognóstico incerto e
em que a única certeza é que, no final, nada ficará como está, nem na política,
nem na realização da justiça. Mas a culpa, uma vez mais, morrerá solteira.