Aqueles que passam por nós, não seguem mais sós. Deixam um pouco de si;
levam um pouco de nós
Um dia um, no
seguinte outro, deixaram o nosso convívio, neste agosto sensaborão, dois homens
que viveram a liberdade como poucos nos tempos recentes do nosso país e foram,
para muitos de nós, símbolos e fatores de esperança num mundo melhor. António
da Silva Leal e António Pires Veloso não passaram em branca nuvem, pelo que
chamamos a “vida”, antes sentiram o frio da política e sofreram da sua maldade.
Cada qual a seu jeito, foram, porém, heróis do Portugal que renasceu em Abril
de 1974 e hoje tão desfigurado, irreconhecível.
Aqueles que
passam por nós, não seguem mais sós. Deixam um pouco de si; levam um pouco de
nós (ST. Exupéry).
António da Silva
Leal, o Prof. Silva Leal, antecedeu-me na presidência da Comissão Política
Distrital do Porto do P.S.D., nos anos 1980. Não foi em vão o nosso encontro de
tanto que aprendi com esse grande Senhor. Nessa altura, a vida político-partidária
vivia do carisma de algumas pessoas e o PPD, então, sem o seu prestígio – como
pessoa, intelectual e universitário – não teria talvez singrado facilmente na
atormentada situação política e social que se vivia. O seu prestígio, ao lado, decerto,
de outros vultos seminais da social democracia.
Nesse tempo o
clientelismo político ainda não havia triunfado e a política partidária era
feita com paixão, com valores e muita fé em Portugal. Nela estavam os melhores
de nós todos, desinteressados de prebendas, sem interesses nepóticos, e sem
necessidade de ir por aí para sobreviver ou fazer carreira. O carreirismo político
não era, então, na verdade, o motivo e o móbil da intervenção política e
partidária e o Partido Social Democrata, esse, estava longe de ser uma banal
instituição para criação de empregos. Era a busca da liberdade – e a sua
consolidação face às ameaças totalitárias – tudo o que motivava homens como
António Silva Leal. O poder possível, nessa altura, assentava na honra e na
sabedoria e, aí, ele foi dos maiores.
Deixou-nos um
pouco de si. Obrigado.
O Sr. General
Pires Veloso inscreveu a sua vida no mesmo itinerário, a seu modo, como militar
ilustre e corajoso. Há por aí muitos que têm medo de o lembrar, mas a História,
decerto, se ocupará de o colocar entre aqueles que foram os garantes da
democracia após o 25 de novembro de 1975. Além disso trazia sempre consigo a
bondade e a ética militar sem que, por tanto, corresse o risco de querer
moralizar a política.
O país que somos
exige que sejamos capazes de organizar com justiça a nossa sociedade na
possível utopia de um renascimento da portugalidade.
Partiram dois
homens que foram pilares de um novo Portugal, livre, solidário, menos desigual.
Ficou uma nação sem ambição, um Estado caótico, um povo com medo e sem
esperança.
O mundo mudou
muito em muito pouco tempo. Perdeu referências, trocou de valores, esqueceu o heroísmo
dos que deram o melhor da sua vida à vida de todos os seus cidadãos sem nada
reclamarem em troca.
Para dar um novo
e decisivo alento à sofrida democracia deste tempo de modo, sobretudo, a que,
nesse ideal, se possa lutar contra todos os poderes autoritários e a ganância
que por aí pululam, seria bom voltar a olhar para os pais da democracia
portuguesa, entre os quais estão, na minha singela opinião, em lugar de relevo,
António Silva Leal e António Pires Veloso.
Que estejam na
Luz.