O futuro da advocacia e os advogados do
futuro estão condicionados pelas
transformações que ocorrem no globalismo
presente.
Quando, há
poucos dias, ao olhar a primeira página de um jornal de grande circulação,
deparei com uma enorme fotografia em que, tendo por fundo o edifício da Assembleia
da República, sobressaía uma advogada, ainda jovem, de toga vestida, a soprar
num apito vermelho com o ar mais estúpido deste mundo, veio ao meu espirito, de
imediato, o livro de Richard Susskind cujo título é “The End of Lawyers?” (Oxford University Press, 2008). E, mergulhado
na vergonha que me invadiu ao ver tal fotografia, lembrei-me, também, do debate
em curso em França à volta do corporativismo profissional, nomeadamente
(sobretudo) dos advogados, no século XXI, numa nova sociedade e a urgência de
lhe pôr cobro.
Sabe-se que os
advogados estão em luta – bastaria, de resto, folhear o número 115 (junho 2014)
do Boletim da Ordem dos Advogados onde, na capa, se destaca “ADVOGADOS EM LUTA”
para ter uma prova definitiva dessa situação. E, decerto, terão muitas e fortes
razões para o seu inconformismo e, até, revolta. Eu tenho. Mas não posso
ignorar, também, a responsabilidade que é a nossa – dos advogados – pela
situação caótica com que nos debatemos e, sobretudo, pela incapacidade geral de
compreendermos que o mundo mudou, as instituições evoluíram, a economia e as
tecnologias já não são o que foram, e que tudo marcou e condiciona o papel dos
advogados.
Distraídos,
egoístas, soberbos nos nossos fatos às riscas, nos nossos carros de alta
cilindrada, nas nossas pastas de pele, muitos nos descuidamos na defesa dos
cidadãos, da Justiça e do Estado de Direito. Entretanto invadiu o mercado uma
juventude de juristas, tecnicamente mal preparados e economicamente
descamisados, no contexto de uma sociedade líquida, em decomposição. (Valerá a
pena ler, a propósito, Alain Touraine e o seu recente livro “La Fin des Sociétés”, 2013, Seuil).
A advocacia foi,
paulatinamente, para muitos, deixando de ser uma profissão liberal para ser
exercida subordinadamente num qualquer regime de prestação de trabalho. Adveio,
então, o princípio do seu fim enquanto fenecia, ainda, a honra de ser advogado
e o risco de o ser. Aqueles que, porém, não foram levados na enxurrada da proletarização
da advocacia, de alguma outra forma, por arrastamento, viveram e vivem
frequentemente num espaço de esquizofrenia coletiva em que nada vale e vale
tudo sendo a Justiça e o Direito meras ilusões.
O futuro da
advocacia e os advogados do futuro estão condicionados pelas transformações que
ocorrem no globalismo presente. Lutar contra o “novo mapa judiciário” pode ser
útil para alguns, mas, sobretudo, expressa a ignorância relativamente às
grandes transformações do mundo da vida em que os advogados devem estar
presentes.
Richard
Susskind, no livro referido acima, perspetiva cinco tipos de advogados no
futuro (p. 271 ss.). Realista ou utópica a sua análise, mereceria de qualquer
modo, uma boa discussão entre os advogados e a preparação urgente dos caminhos
a seguir.
Sei que tudo
isto seria muito mais difícil do que andar, de apito vermelho na boca, a gritar
contra um qualquer mapa judiciário. Mas aquele é o único caminho que poderá a
vir a devolver aos advogados a dignidade perdida de servidores de Direito – em
toda a dimensão da palavra – e a força ética e moral de defensores dos que não
têm voz.
Já tive profundo
orgulho em ser advogado. Oxalá que ainda vá a tempo de o recuperar. Mas por
este andar, perante colegas de apito vermelho na boca, cada vez me sinto pouco
mais que um mero sinaleiro atrapalhado no cruzamento de interesses que nada têm
que ver com um Estado de Direito nem com o ser Advogado.