Assaltadas as muralhas da cidade e distribuídos, entre
os vencedores, os frutos da pilhagem,
o que restará após o saque?
Aprendemos muito
com as nossas próprias experiências, sucessos e fracassos – ou deveríamos
aprender – mas é inegável que, aprender à custa da experiência dos outros, é
ainda mais “económico”.
Na alegre
inconsciência com que, muitas vezes, levamos o dia-a-dia desvalorizamos, ou não
valorizamos devidamente, alguns factos que, afinal, poderão representar pontas
de um iceberg, o qual, no fundo, no
fim, estrutura o nosso estar e modo de ser. O presente e o futuro.
Ao ler Pedro
Norton, num elucidativo tanto quanto clarividente artigo de opinião (A arte do possível) na “Visão”, de 19
de Junho, li a vida de muitas vidas dedicadas, um ou outro dia, à acção pública
– e também me olhei ao espelho. Não gostei nada dessa realidade que, afinal,
sabia sem saber, ou sem ter a coragem de a expressar, apenas.
Que diz o cronista
assim de tão relevante? Respigo as suas quatro principais observações: “Na política a imagem vale bem mais do que
qualquer substância”; “Na política a
oportunidade é tudo”; “Na política
não há lealdades”; Política rima (…)
com a mais fria traição”.
Se o cronista se
refere, expressamente, à luta em curso pelo controlo do poder no Partido
Socialista – que qualifica de “deprimente,
vazia de ideias, rica em golpes e manobras”, o certo, a meu ver, é que tal
é recorrente, entre nós e no mundo. Vejam-se os contornos da crise actual no partido
UMP, em França… e permita-se-me lembrar, ao correr da pena, Carlos Motta Pinto
e António Sousa Franco e os infernos partidários que lhes levaram as vidas.
Se vale tudo
para chegar ao poder, valerá tudo para o manter. E no seu exercício,
obviamente.
É assustador,
então, o quadro que a política nos mostra neste tempo complexo!
Poder, conflito
e política poderão, na sua interconectividade, não explicar completamente o que
somos, temos e queremos, mas, num tempo de economicismo galopante e de
políticas cegamente utilitaristas, o espaço de resistência ética parece
esboroar-se na progressão imparável da lógica dos interesses, dos poderes, do
mercado. Assaltadas as muralhas da cidade e distribuídos, entre os vencedores,
os frutos da pilhagem, o que restará após o saque?
Anda por aí à
solta um estranho culto da tanatofilia. Nos partidos políticos – que já andam
há muito a rapar o fundo da panela para encontrar pessoal político decente e
competente – há cada vez mais escândalos e menos ideias, cada vez menos ética e
mais ambição.
Entramos na era
dos “zombies”.
É, decerto, uma
ideia de um certo monismo totalitário, aquela que defende que o conflito pode e
deve ser eliminado da sociedade democrática pois, uma ordem social e política
assente na dignidade humana, recusará, sempre, a uniformidade, o seguidismo, o
pensamento homogéneo, único. Ao contrário, em democracia, o reconhecimento e a
aceitação do conflito é uma exigência da sociedade aberta (Dahrendorf).
Mas há limites.
O que se nos apresenta, hoje, no sistema político e partidário português é mais
do que um grave bloqueamento dos processos democráticos – é um bloqueamento da
própria democracia pelos oligarcas que detêm o poder desde Abril.
O desatino leva
à perdição.
A barbárie está
às portas.
E, neste
contexto de exacerbada delinquência partidária, Abril despede-se lentamente.