quarta-feira, 26 de março de 2014

A AGONIA DE UM POVO



A justiça exige que, antes de dar ao outro o que é nosso, lhe demos o que é dele.

A edição especial da revista “Visão”, comemorativa do seu 21º aniversário (nº 1098, 20 a 26 de março de 2014) é relevante a vários títulos e não, apenas, por assinalar uma data. Além desta marca histórica, com efeito, pode ler-se, também, no seu conteúdo – nas Entrevistas – o rosto  e a alma de uma nação em acentuado declínio, a agonia de um povo, afinal. E esperança?

Desde logo revela-se aí, em geral, a inferioridade, o cinismo e o maquiavismo de alguns dos que detêm as rédeas do poder político. Divagam sobre questões políticas ao nível dos piores comentadores desportivos que por aí andam (e em que, é claro, se incluem, ou incluíram). Dizem tudo e deixam em aberto (ou dizem mesmo) o seu contrário na ânsia de agradar a “gregos e troianos”.

Sem que se lhes adivinhe um pensamento político minimamente estruturado, o que fica do que dizem, afinal, é que (com a democracia suspensa) o poder são eles e são eles que mandam em nós. O medo que se instalou na sociedade – e que promoveram e cultivam direta ou indiretamente – faz o resto.

Depois estão lá as palavras de grandes senhores da cultura, da economia e da política, também. Adivinha-se, nelas, paixão pelo que fazem, além de patriotismo inquestionável mas, ainda mais, muito desgosto pelo que não lhes é possível em tempo de austeridade “mata-cavalos”. Mas é inegável que são repositórios vivos de conhecimento, dramaticamente inaproveitado, marginalizado até, numa sociedade mercantilista, onde impera o pensamento único e o horror à diversidade. As suas reflexões levam, porém, à esperança de que uma nova e diferente civilização, numa outra sociedade, também outro Portugal, será possível. Nada estará, afinal, perdido, como nada está adquirido pois tudo pode ser (re)conquistado se houver vontade de vencer a finança totalitária que nos asfixia, na ambição, mais geral, de recriar o nosso próprio destino em liberdade e com solidariedade e justiça social.

Por fim, pode colher-se dessa mesma edição, uma mensagem de futuro, numa visão prospetiva, de que as palavras do Prof. Adriano Moreira são expressão maior: “A única eternidade terrena é a cultura”.

Por tudo o exposto, ainda que telegraficamente, há-de concluir-se que se trata de um documento indispensável para ajudar a compreender o nosso estar presente e entreabrir o futuro na mudança de era em que nos encontramos – não, de facto, uma simples era de mudança.

Recordo que já antes, ao passar os olhos pela imprensa internacional no início do corrente ano, o meu entusiasmo se fixara no Corriere della Sera cuja primeira página, da primeira edição (digital) do ano titula: PASSIONI PER IL 2014. A edição era dedicada aos italianos que não se rendem, mas, bem poderá ler-se nela um desafio que cumpre aos portugueses, também, que não se rendem, que nunca se renderam, nem renderão.  Àqueles que lutam quotidianamente pelo trabalho – mais criativo, inovador, melhor trabalho (e não mais tempo de trabalho), trabalho decente, - numa sociedade mais justa e próspera, ainda que com menos crescimento e menos emprego. Aos que servem, com elevação política e ética, o interesse coletivo, seja em órgão políticos, seja na administração pública. Ainda aos empreendedores, sobretudo aos novos e aos jovens empresários.

Que todos tenham a coragem de assumir os riscos deste novo tempo e que saibam partilhar o fruto do sucesso atribuindo a cada um aquilo que lhe pertence. A justiça exige que, antes de dar ao outro o que é nosso, lhe demos o que é dele.

Com paixão, Portugal também poderá ser esperança!

quarta-feira, 12 de março de 2014

OS SENHORES DO MUNDO E O TRABALHO



Não é justo pedir mais produtividade a quem trabalha com a barriga vazia,
ou na penúria de vidas sofridas à margem da dignidade humana.

Esperamos, daqueles que já viveram muito tempo e intensamente o viveram, alguma sabedoria. Não meramente uma larga acumulação, de conhecimentos mas, a par disso, concomitantemente, de virtude moral. Assim o entendiam os Antigos e, creio, não deixou de ser essa a boa interpretação a dar à palavra Sabedoria.

Foi-me muito penoso, pois, ler o “testamento”, a que a comunicação social deu eco nestes dias, de alguém que cultivou a “arte de viver” e – julgava eu – também a “arte de pensar”. Pelos vistos andei completamente enganado. Vejam-se, então, algumas pérolas decretadas pelo testante:“Os salários [Portugal] só podem aumentar - e oxalá que isso aconteça - quando, de facto, um trabalhador português fizer uma coisa igual, parecida, com um trabalhador alemão ou inglês, seja o que for". (…) “se não formos igualmente competitivos não exportamos. E não exportando não vamos a sítio nenhum”.

Estas palavras, em tempo de austeridade, até parecem soar a lucidez, mas, no fundo, exprimem, apenas, a perspetiva de quem sacraliza o mercado e, do trabalho, - da pessoa que trabalha – só vê, nela, o rendimento que dá, ou não dá. Cavalgam na onda neoliberal em que o Direito do trabalho e as suas normas pretendem consagrar, apenas, um desiquilibrio crescente entre a liberdade da empresa e os moribundos direitos de quem trabalha, numa perspetiva, aliás, de empobrecimento geral.
Contrariando aquela impensada tese (… ou muito bem pensada!) e sob a forma simples de pergunta, questionaria, no transe, a razão pela qual os trabalhadores portugueses, no contexto de empresas estrangeiras, deslocados ou não, são inequivocamente reconhecidos como dos melhores; fazem coisas iguais ou melhores e mais depressa que os alemães ou os ingleses. É mentira?






E, sendo, creio, também, pertinente, perguntaria, ainda, se a falta de produtividade dos trabalhadores portugueses e, de competitividade da economia portuguesa não têm, decisivamente, a ver ou com alguns “patos bravos” que se auto elegeram empresários, ou com empregadores de fato às riscas (última moda), corte italiano, mas incapazes, impreparados e, até, corruptos, que leis iníquas e desajustadas à realidade deste tempo permitem que andem por aí a gozar connosco e com os dinheiros públicos de mil subsídios do empreendedorismo às exportações, à compra de maquinaria…
Não é justo pedir mais produtividade a quem trabalha com a barriga vazia, ou na penúria de vidas sofridas à margem da dignidade humana. A quem dedica tanto tempo ao trabalho como ao tempo que passa em transportes para lá chegar; a quem vive a precaridade dos contratos laborais no medo que suga a vida às suas vidas; a quem, depois de anos de trabalho sob, por vezes, riscos psico-sociais indizíveis, não sabe se terá possibilidades de “pagar” uma morte tranquila, ao abrigo de uma pensão decente.

Produzir cada vez mais, muito bem.

Competir com todos e em tudo, claro.

Mas para quê? Para quem?

Eu só queria entender, mas confesso que estou cada vez mais perplexo ao ver que os grandes títulos da comunicação social, as primeiras filas, as comendas presidenciais, estão, afinal, do lado que mais explora o trabalho e o trabalhador… e guarda depois, a sete chaves, em paraísos fiscais, o sangue que jorra de um trabalho (nem sempre, é verdade) penoso e mal pago.

Há quem não tenha o direito de pedir mais produtividade a muitos que já só tem um resto de vida, precária, plena de sofrimento para dar.

E por aqui me fico, hoje.

sexta-feira, 7 de março de 2014

UM ADEUS AO PPD



O clientelismo político vem corroendo o pouco que resta em Portugal da democracia política. A viragem neoliberal fez o resto. 

É bem verdade que as palavras, por mais eruditas que sejam, não mudam a realidade e estas que ora escrevo, desencantadas que são, não hão-de ter qualquer valia. Não tenho ilusões. Com elas, por elas, nelas, tento, porém, pensar e, sobretudo, tomar consciência do que por aí vai. Acolho-me, pois, no transe, ao que disse, em 10 de junho de 2012, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no discurso que adrede proferiu e nunca será de mais lembrar, o Prof. António Sampaio da Nóvoa, (…)”As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade”.

Poderá? (pergunto-me) E se não puder, qual será a alternativa? Haverá, mesmo, alternativa?

Escrevo sobre o partido político em que me filiei nos primórdios da liberdade conquistada em Abril de 74 na sequência, aliás, de, há já alguns anos, seguir o itinerário do Dr. Francisco Sá Carneiro. E cumpre-me assumir, tanto tempo passado já, que ser militante do PPD, depois PSD, depois PPD/PSD me fez tão bem que não lhe querer dizer mal e que me fez tão mal que não posso dizer bem dessa militância.

Como o mundo é feito de mudança, decerto que hoje não penso como então, nem esse partido, que ajudei a implantar por este país fora, é o de então. Mas por vezes a corda parte quando a violência da mudança toca nos escaninhos do ser…

O PPD/PSD está a dizer adeus – a excomungar! – aqueles que mais dedicados lhe foram, o que não é um fenómeno novo, antes vem já do tempo inicial de um cavaquismo utilitarista. E, nesse darwinismo social está a despedir-se de si próprio no que lhe foi essencial.

O PPD/PSD, nascido social democrata, foi, logo no berço, adorado (e tutelado) pelos caciques do regime deposto em 25 de Abril que nele procuraram abrigar o seu estar, os seus interesses, as suas pertenças materiais e imateriais. Juntaram-se-lhe, após a derrota, em novembro de 1975, das forças que tentaram levar Portugal até um regime ainda mais totalitário que o de Salazar, alguns jovens turcos, vindos de várias trincheiras da inconsciência revolucionária, sedentos de vingança e, mais do que tudo, de poder. Alcançaram-no, exercem-no (em múltiplos areópagos) e, hoje, traçam-nos o destino hoje. Estava já ao lume, então, um panelão onde se cozinhava uma indigesta sopa de pedra.

Vieram, de seguida, os fundos comunitários e, por via da inerente gula, acasalaram-se, então, os interesses deles todos, antigos e novos oportunistas.

A história possível – por isso ainda muito carente de verdade! – evidência já, porém, como se destrói um povo por meios pretensamente democráticos e, no que ora me ocupa, através do clientelismo político incontrolável a que o PPD/PSD vendeu a sua alma. Sendo uma tese não especificamente ligada ao PPD, mas generalizável, assumo que o clientelismo político vem corroendo o pouco que resta em Portugal da democracia política. É útil, porém, - e foi sobretudo muito benemérito – para aqueles que se alcandoraram, um dia, direta ou indiretamente, às cúpulas do poder e, daí, comandam influências fluídas, amorfas, subtis.

A viragem neoliberal fez o resto. Já não sendo o partido substancialmente democrático que foi, o PPD/PSD abraçou, mais recentemente, o neoliberalismo renegando as suas raízes sociais. Hoje é inegável que persegue a desestruturação do Estado Social que a social democracia europeia e os seus valores erigiram, ao longo de muitos anos, após a II Grande Guerra.

Tendo sido dirigente do PPD nos anos 1980 convivi, de perto, com muitas pessoas convictamente imbuídas do espírito inicial, social democrata, do partido. Acompanhei-as anos a fio e fui por elas acompanhado, por vezes, em múltiplas atividades cívicas e políticas. Algumas ainda as vou encontrando, como eu desencantadas com o rumo que aquela paixão de um dia tomou. Entre muitos honrados militantes, cumpre-me salientar, neste tempo de vésperas,  o Dr. António Capucho, durante muitos anos incansável e lúcido Secretário Geral do PPD. Na hora em que os novos senhores do poder, “cristãos novos” sem alma, sem memória, sem nada, o expulsaram do seu partido – do meu também! – não posso calar um grito de revolta contra uma tão mesquinha e estúpida decisão.

O Dr. António Capucho, de facto, não poderia continuar ao lado de certa canalha cavaquista – passista que por aí prolifera. Nem a ver diluir-se o seu partido no CDS/PP como inegavelmente está a acontecer e parece ser inelutável.

Obrigado pelo que vivemos solidariamente no PPD, caro Amigo. O mundo não acaba aqui.
Não há machado que corte a raiz do pensamento”.