sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

UNIR O PASSADO E O FUTURO



É tempo de repensar o humano no homem – o humano e não o homem, a humanidade do homem para além, ou fora, da sua existência circunstancial.

Presos à roda da vida, não passaremos de meros alcatruzes a tirar a água do fundo do poço e a tentar levá-la aos nossos ilusórios moinhos. Em vão procuramos fingir o contrário, mas é mesmo assim!

Passaram-se semanas desde a última vez que vim a esta coluna, que generosamente me é disponibilizada semanalmente, para deixar umas pegadas no tempo que passa e sobre algumas “coisas” que passam por ele e com ele. No entretanto, o Sr. Eusébio da Silva Ferreira cansou-se de nós e deixamos de o ver. E isso tocou-me fundo. Falaram muitos, então, em levá-lo ao Panteão Nacional – era quem mais e mais o “recordava”, aliás, nesses dias de eclipse, de tal forma que chegou a assustar-me a hipótese de uma mortandade de algumas ilustríssimas personagens que passavam (passeavam) eufóricos, incessantemente, nas televisões da desgraça mercantilista (a morte é um grande negócio!) ao lado do Sr. Eusébio. Homenageando-se a si próprias, claro, a pretexto de o lembrarem …

Creio bem – voltando ao essencial – que o Panteão Nacional perderá o seu simbolismo se tal não acontecer. Porque, afinal, aquele grande jogador, moçambicano de nascimento e português por via de um tempo colonial e, creio bem, que, depois, por opção pessoal, é um símbolo de um Portugal que não acabou, mas, antes dorme, apenas, num leito de sofrimento transitório. Um Portugal maior, decerto, que aqueles que ora o habitam.

Assomou-me à memória, no transe, Agostinho da Silva e a sua fé numa missão especial de Portugal no mundo: a de construir um quarto império cultural (já oiço vozes a chamar: loucura!, mas deixem-me ir até ao fim). Recordo, em particular, uma frase “A Europa esgotou-se no poder e temos, agora, de partir para outra fórmula, que é cada homem ser aquilo que é” (in Agostinho da Silva, Dispersos, p. 128).

Ao recordar os feitos gloriosos desse grande jogador universal, não consigo calar um grito de revolta pela humilhação por que passam, neste início de milénio, os portugueses, quer no contexto nacional quer (sobretudo) no concerto das nações. Tolhidos pelo medo, temos permitido que nos suguem a vida e nos tentem arrancar, até, as nossas próprias raízes. E aí, sim, não haverá mais alternativas, pois estas exigem, como condição essencial, a liberdade.

É tempo de repensar o humano no homem – o humano e não o homem, a humanidade do homem para além, ou fora, da sua existência circunstancial (Emmanuel Levinas).

Urge dar um rumo a Portugal e um futuro aos portugueses.

O Panteão Nacional, além de depósito de grandes memórias poderá, também, ser um tabelião de ambições, juntando o Passado ao Futuro. O tempo colonial – a História há-de, um dia, valorizar Portugal por esse tempo! – e a Diáspora que hoje se expande – e onde estão, porventura, as sementes de um outro amanhã.

Ser português vale a pena. Os portugueses foram e são um povo extraordinário na longa História da humanidade. Deveríamos sentir, mais ainda nestes momentos, o dever de voltar aos textos do Pe. António Vieira, aos poemas de Fernando Pessoa, à escrita de Agostinho da Silva, a Natália Correia...

Quando o mundo está na mão de oportunistas, um aceno mais de simpatia por Eusébio nunca será excessivo. Sobretudo quando se olha esse Homem no seu tempo, em toda a dignidade dessa palavra e em toda a dimensão do seu tempo.