sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

PARA SEMPRE

O Doutor Albino Aroso foi, na liquidez absurda deste tempo crísico, um verdadeiro “Príncipe do Renascimento”.

Nos fins do outono começaram a cair as folhas das árvores, mas estas ficam lá. Ficam e, chegada a primavera, novas, outras folhas acontecem-lhes.

Ainda não compreendi porque é que a Natureza, por razões até de economia, não conserva as velhas folhas e, ao contrário, se dá ao “luxo”, que um tempo de austeridade deveria rejeitar, de exibir outras. Outras?

Caíram tantas folhas este ano!

Umas caíram das árvores do meu quintal para o qual dá uma janela feita de perguntas fortes e respostas frágeis; outras dos quintais dos meus amigos e vizinhos; outras de sítios improváveis.

Não irei celebrar a primavera que há-de vir sem lembrar o Senhor Doutor Albino Aroso que viajou para o longe sem distância. Ele, foi, na liquidez absurda deste tempo crísico, um verdadeiro “Príncipe do Renascimento”.

Muitos anos atrás, ainda a liberdade era um mero possível, ouvi-o dela falar numa conferência que teve lugar na Torre da Marca, ali junto ao Palácio de Cristal. Com ele, na mesma mesa, brilhava a vivacidade de Francisco Sá Carneiro e a sabedoria de Armando de Castro, democratas de longa data. Das suas palavras irradiavam luminosas perspetivas de um outro viver mais humano e feliz. Falaram também da primavera, nessa altura, claro.

Anos passados, procurei-o um dia por razões partidárias – era uma referência incontornável da social democracia autentica – para o desafiar a assumir o cargo de presidente da mesa da Assembleia Distrital do Porto do PSD numa lista em que me apresentava como candidato à presidência da respetiva Comissão Política. Eu precisava de ir com os Grandes, para parecer grande como eles… Aceitou com imensa generosidade e lutámos (sem sucesso) pela mudança que, acreditamos, era urgente já então e, hoje, é dramaticamente ainda mais urgente.

A última vez que respeitosamente o cumprimentei foi, recentemente, na barbearia onde o Sr. Silva cultiva ainda o prazer de uma conversa com os clientes, que, mais do que isso, são amigos da casa. Altivo, esbelto nos seus noventa anos, todos o rodeámos de carinho enquanto ele deixava uma palavra de confiança na vida a pairar. Como era querido e respeitado por todos naquela casa!

Neste dia em que lhe deixei um aceno junto à barca da viagem, ouvi e li muitas palavras bonitas a seu respeito. Congratulo-me, decerto, pelo reconhecimento que lhe é unanimemente, concedido mas o que, julgo, verdadeiramente é importante é o que Albino Aroso pensou e executou para que o seu próximo tivesse mais bem estar físico, moral e espiritual. A sua vida e obra falava de dentro dos escaminhos de tantas pessoas, que seria inútil tentar verbalizar, aqui, o mar de gratidão que lhe tributamos.

O mundo hoje é outro, muito diferente daquele em que a sua ação politica, cívica e profissional estabeleceu os pilares de uma sociedade melhor. Portugal também mudou – e esse foi um dos seus combates primordiais.

Honrar Albino Aroso doravante será não deixar a luta pelos ideais que foram os seus.

Ponto é que haja pessoas da sua grandeza.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

OS RICOS E O NATAL

É de bom tom e politicamente correto apelar, nestes tempos festivos, à ajuda aos pobres e aos
excluídos da sociedade. Eu quero deixá-los em paz neste escrito, até porque, muitos deles, estarão com a sua consciência mais tranquila do que eu e muitos outros portugueses. Por isso convoco, antes, os ricos à praça pública, convoco-os apenas para prestarem contas à sua consciência.

Cada Homem tem em si todos os outros homens.

Geralmente os católicos e os que voltejam ao redor da sua religiosidade apenas pelo Natal evidenciam, por vezes mais em palavras do que em atos, a solidariedade, a caridade (amor) que daí decorre. No mais do tempo “salve-se quem puder” é o mote, ou seja, que cada um trate de si que isso basta a todos. Esta é, de resto, a “cultura” do nosso quotidiano ocidental, vazia de valores, liquido, consumista, hedonista, egoísta.

Um ou outro leitor, dos poucos que lerão estas singelas crónicas, têm-me assinalado que, por vezes, recorro a temas, uso expressões e tiro conclusões duras, justiceiras, porventura, expressão de alguma “dor de cotovelo” dos políticos “bem sucedidos”, e, dos “negociantes de sucesso” e de alguns outros que souberam chegar ao poder sem se perceber como e o usam também só para si. Têm todo o direito de assim pensar, mas, hoje, digo-lhes, sem qualquer hesitação, que estão muito enganados. Apenas comento atos, políticas, comportamentos, sempre, porém, em paz com os homens que os praticam e com quem me permito conviver fraternalmente se eles mo permitem. Algumas vezes, até, apenas darei forma escrita ao que os que me criticam generosamente vão dizendo nos corredores, em voz baixa, para que ninguém os venha incomodar…

Tentando situar-me fora dos cânones tradicionais de certo catolicismo, acredito com sinceridade, que o sucesso é uma bênção e a riqueza que dele advém é saudável (Max Weber, L’etique protestante et l’espirit du capitalisme). Ponto é que seja “dado” a cada um o que é seu – o que se diz Justiça. Só por aí já mudaria tanta coisa!

Dai a utopia que, em algum tempo, num qualquer “Natal”, ninguém dê nada a ninguém e que cada um dê tudo, a todos, em cada dia. Sobretudo que a ninguém seja retirado o que é seu em resultado do seu trabalho.

Na crise que atravessa a nossa sociedade, a austeridade, o medo e a indiferença vão marcar estes dias finais de Dezembro. A revolta e a indignação, em diferentes tons, também. Ora tudo tem a ver com a Política, hoje nas mãos dos homúnculos que gravitam por todo o lado e de ativistas sociais por vezes sem escrúpulos. Pior, ainda, de obscuros poderes internacionalistas, não eleitos, que comandam as finanças (e a riqueza) do mundo.

A paz social é, porém, algo de que a nossa sociedade está cada vez mais carecida. Sei bem que não é possível pregá-la a barrigas vazias… mas que é urgente, é.

Como lá chegar?

Se não me perguntarem, eu talvez saiba, mas, se alguém me pedir esclarecimentos, decerto que não saberei explicar e menos, ainda, argumentar.

É de bom tom e politicamente correto apelar, nestes tempos festivos, à ajuda aos pobres e aos excluídos da sociedade. Eu quero deixá-los em paz neste escrito, até porque, muitos deles, estarão com a sua consciência mais tranquila do que eu e muitos outros portugueses. Por isso convoco, antes, os ricos à praça pública e, entre eles, os homens e mulheres da politica politiqueira que, nela, e dela vivam, para tratar das suas negociatas à custa do dinheiro do Estado. Convoco, também, os que vivem à tripa forra por terem estado na vida política e os que se servem deles para obter sucesso financeiro ilegítimo. E convoco-os apenas para prestarem contas à sua consciência.

Temos de abrir os caminhos para recuperar a confiança perdida, numa sociedade de risco como é a nossa. Confiança pessoal (nos outros) e confiança nas instituições, no “sistema” (Luhman).

Sem uma resposta política – mas também cultural – nunca sairemos da crise.


Que o ano que se anuncia possa levar-nos a perceber tudo isto e a construir um imperativo, outro, novo, Contrato Social.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

CELEBRANDO A VIDA POR OCASIÃO DA “MORTE” DE NELSON MANDELA

Quero acreditar que o poder do amor que Mandela cultivou e levou ao apageu poderá, um dia, revolucionar os princípios da política.


Este é um aceno de ternura por alguém que sacrificou a sua liberdade para ser possível a liberdade dos outros.

Já foram, decerto, gastas todas as palavras – das mais sinceras às mais hipócritas, e outras – para homenagear Nelson Mandela. Na sua maioria não foram para além de banais esforços de auto elogio de pequenos políticos que, no transe, encontraram na ocasião um palco para se empoleirarem nos galhos da comunicação social e assim se autopromoverem à custa de um Homem a cujos calcanhares nunca chegaram nem chegarão. Afinal estas alturas são sempre propícias a uma certa boémia que consola os mais pequeninos.

O que interessa neste momento é, porém, celebrar o percurso moral, espiritual, cultural, intelectual e político de alguém que deixou uma marca presente na História.

A vida de Nelson Mandela.

A Vida, afinal.

Recordo que, quando vi na televisão a sua libertação da prisão, senti o início de um certo reencantamento do mundo. E, também que o mundo ia muito para além da Europa, sempre eurocêntrica, mas, afinal, muito minoritária, porventura, já, então, moribunda, até. Li naquele rosto, nesse momento, um outro, novo humanismo, uma grande sabedoria, a expressão de um ser humano que, tendo encontrado na vida um motivo para a perder fez desse motivo o sentido da sua existência.

Nada nasce de nada e nada se poderá tornar em nada (Espinosa). Nelson Mandela pertence a uma comunidade eterna de que todos fazemos parte, mas voou muito alto, liberto, como muito poucos das ilusões do ego. Percebeu que não era o interesse partidário, nem a perseguição cega de interesses individualistas que salvariam o seu país – e o mundo. Defendeu, por isso, a lógica da fraternidade, da entreajuda, da partilha, do perdão, do prazer de dar mais do que de receber.

Eis o que me marca ou como seu legado.

Há, pois, que celebrar a vida de Nelson Mandela, e não a morte.

Habituados a chorar – às vezes com lágrimas de crocodilo – a morte dos nossos, porventura não será porventura fácil compreender a infinita alegria que brota, quiçá entre lágrimas, dos cânticos e danças dos africanos que o adoram. Nas sociedades ocidentais tememos a morte e aprisionamos os velhos nos armazes do esquecimento. Utilitaristas que somos, só a felicidade material conta hoje no nosso quotidiano. Morrer é a infelicidade, o mal, o fim do hedonismo terrestre. Os africanos, ao contrário, vêm vida na morte, cultivam a “morte da morte”, em cada morte.

Quero acreditar que o poder do amor que Mandela cultivou e levou ao apogeu poderá, um dia, revolucionar os princípios da política.

A sacralização do humano pelo amor como expressão de uma nova espiritualidade no século XXI, anunciada por Albert Camus, é uma gramática de leitura da vida de Nelson Mandela.

Herdeiros espirituais que, muitos, dele somos, cumpre-nos mudar o nosso olhar sobre o mundo e sobre os outros homens e, sobretudo, ganhar coragem para os transformar.


Celebremos, pois, a vida de Nelson Mandela.