segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A VERDADE É QUE ALGUÉM TEM DE SOFRER


Alguém tem de sofrer. Nada melhor, então, do que os que sempre sofreram. Até porque já estão habituados.

Vou reproduzir, com a devida vénia, uns parágrafos de um livro luminoso (que ilumina) de Rui Zink e que se chama “A instalação do medo”. Vem na página 124 (1ª ed. outubro 2012): “Era uma vez um rico cujo amigo pobre passava a vida a sarraziná-lo por causa da sua fortuna, até que um dia o rico se fartou e disse: olha lá, se dividíssemos a minha fortuna entre a população inteira do país, quanto achas que dava a cada um? O amigo pobre não queria responder, só que o rico insistiu. E lá acabou por dizer: sei lá, cinco ou dez patacas.

Então o rico foi ao porta moedas e tirou dez patacas. “Olha, aqui está a tua parte. Agora não me chateies mais”.

Neste espírito – estou convencido – vivem muitos neste tempo de austeridade. Uns, resignados, escondem da sociedade as suas dificuldades. Outros, indignados, gritam a sua revolta. Todos estão insatisfeitos.

Nem na pobreza há consensos!

Nem na riqueza há lucidez!

O tempo presente não tem ideais. Não tem líderes, nem homens de Estado. Tudo são loucuras vulgares de gente vulgar. Vivemos as nossas vidas como “vidas instantâneas” sem estratégias de futuro. A política é apenas a “arte de furtar” muito e depressa num tempo de pensamento líquido. Até a vida é furtada à nossa vida.

A “arte da fuga” vai a par com a de furtar. Ninguém é responsável por nada – salvo os que sofrem o castigo da Troika, esses irresponsáveis que andaram a gastar mais do que podiam. Os políticos, do governo ou da oposição, não assumem qualquer responsabilidade social passada, presente ou futura. A culpa morre sempre solteira.

Alguém tem de sofrer. Nada melhor, então, do que os que sempre sofreram. Até porque já estão habituados.

A política do medo tornou-se, por isso, numa forma dominante de governar levando ao descomprometimento com quaisquer valores. Quem se move e age mais rapidamente domina e quem não pode mover-se tão rapidamente é escravizado.

As notícias que chegam do futuro deixam-nos arrepiados. Não há túnel, quanto mais uma luz ao fundo do túnel! O mercado – os mercados – parece terem ganho a batalha. Nada mais conta na era em que entramos. À nossa frente parece haver apenas deserto onde todos os caminhos estão em permanente liquefação.

Não somos donos do presente quando a democracia jaz e apodrece pelo mundo ocidental fora. E não seremos senhores do futuro sem o poder económico e o poder social que já escaparam às mãos dos políticos gasosos que nos capturaram. A inexplicabilidade do presente e a inatingibilidade do futuro é tudo quanto têm para dar à sociedade. Entretanto dizem governar a bem do interesse nacional e para criar condições futuras de bem estar.

Alguém tem de sofrer. Terá mesmo? E se esse sofrimento fosse partilhado por todos e, em vez de levar – como está a levar – à implosão da sociedade, visasse a promulgação de uma ordem nova e melhor?

O maior problema da Europa (e de Portugal) é que não tem voz no mundo atual. Está entregue a uma geração que nasceu e sempre viveu sem esforço num mundo dominado pela ficção científica. Deles só há que esperar, um dia destes, que entoem o de profundis e regressem aos seus lugares de conforto. Afinal não foi assim que fizeram os seus maiores e sem que, em geral, algo de mal lhes tenha acontecido?

Eu recuso as dez patacas.

E vou continuar a chatear.