quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

JAIME NEVES



Jaime Neves simboliza a recuperação, perante o declínio iminente, do espírito de Abril. E assim será visto para sempre.

 Nunca o conheci pessoalmente, mas Jaime Neves faz parte da minha família emocional.

A Revolução de Abril encontrou-me em Coimbra a estudar Direito. Atraído pelo idealismo das novas ideias democráticas, deixei o mais para trás na convição de que não poderia ficar indiferente aos novos horizontes que se abriam à minha geração.

Convivi, então, com personalidades inesquecíveis – tantas já cá não estão! – de profundidade intelectual e ideológica a toda a prova, de coragem indomável, de amor à Pátria e dedicação integral ao bem público. De todos os partidos, sublinho.

Vivi, também, as atribuições da construção da democracia de que guardo sobretudo na memória o período que se iniciou no 11 de março de 1975 e só acalmou em 25 de novembro seguinte.

Não cabe aqui recordar os meandros desse processo, dos combates travados, dos perigos e riscos que se correram. Sobretudo não quero lembrar os oportunistas, sem coluna vertebral, que da extrema esquerda fascista vieram, depois, a instalar-se nos galhos do poder através do PS, do CDS e, sobretudo, do PSD de Cavaco Silva. A história desses humunculos – ainda andam alguns por aí – é tão vil que alicerça a ideia hobbesiana do “homem lobo do homem”.

É um aceno de gratidão que me move neste escrito em memória de Jaime Neves. Não duvido que a ele – e aos que então o acompanharam – devemos muito do que viemos a ser no novo contexto de relações sociais e políticas decorrentes da sua intervenção em novembro de 75. No meu imaginário a sua ação está gravada enquanto líder e obreiro de um mundo sonhado em abril de 74 e, pouco a pouco, depois, tornado pesadelo. Jaime Neves simboliza a recuperação, perante o declínio iminente, do espírito de Abril. E assim será visto para sempre.

Vivemos num tempo manhoso, imbecil, pródigo em egoísmo quase quarenta anos depois da manhã de esperança que nasceu em Abril de 74. Da profunda incompetência política e, pior, de oportunismo político, do “salve-se quem puder”, de captura da nossa vida societal pelos partidos políticos – o maior cancro da nossa democracia, mas sem os quais, paradoxalmente, não há democracia…

Desconstruíram-se as grandes categorias do pensamento, generalizou-se o precário, vive-se no reino perverso do efémero, do transitório, da mera glorificação do instante. Tempo do pensamento fácil e débil. De cobardia moral e física, onde a liquidificação dos valores destroi o nosso modo de vida.

Homens como Jaime Neves – e alguns, não muitos, mais – terão de continuar presentes no nosso espírito para dar alento às lutas que o presente reclama de nós. Lutar contra a nossa mediocridade, a nossa falta de coragem, o nosso modo de adiar a verdade e a incapacidade de inventar outros possíveis.

Admitimos, sem transigir, que Jaime Neves possa, até, ter estado do lado errado da história. Mas, mesmo que assim tivesse sido – e não foi – ele é um Homem, em toda a dimensão da palavra e em toda a dignidade da espécie. Um homem a lembrar sempre que o taticismo de interesses mesquinhos comanda a vida.

É, disse. Porque no nosso imaginário coletivo, mais ou menos sebastianista, os valores que foram os seus – liberdade, igualdade, fraternidade – ou voltarão a ser os nossos ou não seremos mais dignos do nosso passado democrático tão curto ainda.

A coragem conduz-nos até ao intemporal. O medo, à morte.

Até sempre General!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

CRÓNICA BREVE DE UM ENCONTRO FORTUITO



O mundo em que vivemos despreza a honestidade, castiga o trabalho, recompensa 
a falta de escrúpulos, alimenta o canibalismo.


Cumpre esclarecer, antes de mais, que esse encontro … foram, afinal, dois – melhor, dois em um - embora os meus interlocutores usem o mesmo apelido, Espírito Santo.

Um encontrei-o encafuado entre uns cobertores imundos, deitado na escadaria do meu prédio, entre garrafas desabitadas já de qualquer esperança. Uma côdea de pão, rapada, foi o que me levou à conversa. “Tem fome?”. O outro, entrou-me pela casa dentro – aliás é habitual frequentador da minha intimidade – através das ondas anestesiantes das televisões. Não me deixou falar e debitou palavras, palavras e mais palavras em resposta a pergunta nenhuma. “Porque não se cala?” (era a pergunta que queria fazer-lhe mesmo arriscando o meu futuro).

O Espírito Santo que, julguei eu, teria fome e frio, contou-me, (faltavam-lhe na boca tantos dentes que tive que adivinhar restos de muitas frases) que vivia na rua há anos entre muitas pernoitas nas cadeias construídas – como é que ele o sabia? – com os dinheiros de um outro Espírito Santo que ele, porém, não sabia quem era. Eu que perguntasse, porque toda a gente o conhecia…

Dois homens, duas vidas, a desigualdade absoluta. Portugal 2013.

O mundo está virado de pernas para o ar, conclui ao pensar nestes encontros fortuitos. Lembrei-me, então, de Galeano e do seu famoso livro “Patas Arriba, La Escuela del Mundo al Revés” onde constata o que cada um de nós também poderia dizer: o mundo em que vivemos despreza a honestidade, castiga o trabalho, recompensa a falta de escrúpulos, alimenta o canibalismo. “Cuando un delicuente mata por alguna deuda impaga, la ejecución se llama ajuste de cuentas; y se llama plan de ajuste la ejecución de un país endeudado, cuando la tecnocracia internacional decide liquidarlo. (…) La economía mundial es la más eficiente expresión del crimen organizado. Los organismos internacionales que controlan la moneda, el comercio y el crédito pratican el terrorismo contra los países pobres, y contra los pobres de todos los países, con una frialdad profesional y una impunidad que humillan al mejor de los tirabombas.” (ob. cit., 7ª ed., p. 13-15).

Não tenho soluções na manga para sugerir, mas sei, profundamente sei, que assim não podemos seguir. O lixo e o luxo não podem coabitar mais rasgando o essencial da condição humana.

O capitalismo financeiro, por vezes virtual, é “o que está a dar”. Leva à constituição de fortunas infinitas e, ao mesmo tempo, entope as valetas por onde corre a miséria humana. Era conveniente que alguns senhores do mundo tivessem mais cuidado na destruição física, social e psicológica a que estão a levar muitos, quase todos. E que os da política se desamarrassem dos cadeados da economia e da finança que os tolhe… e de que, por vezes, sobrevivem hipocritamente, até.

Acompanhei, também profissionalmente como advogado, o caso BPN e não tenho dúvidas em considerar que ele é a expressão do crime financeiro organizado e apadrinhado politicamente. Para além de saber que, dos rendimentos que tiro do meu esforço diário de 12 ou mais horas de trabalho (muitas vezes sem conhecer o que é um sábado ou um domingo) o Estado me expropria escandalosamente uma parte substancial para dar aos que foram do BPN nada mais sei dos processos em curso. E adivinho que ninguém, jamais, saberá.

Entretanto os ilustres “engenheiros financeiros” que armaram a roubalheira continuam o seu caminho, cada vez mais poderosos e até famosos. E, porventura, já a preparar o próximo assalto.

Resta-me, neste resumo dos encontros com os Espírito Santo, que, afinal, foi tão breve que nunca mais terminará, perguntar, com o maior ingenuidade: porque não desconsiderar a personalidade jurídica do BPN (o real) e ir à personalidade “financeira” (às contas na Suíça, p. ex.) dos principias accionistas e clientes desse banco?

Alguém me pode responder?


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

REFUNDAR O ESTADO, OU RENOVAR PORTUGAL?


Sempre houve e haverá alternativas quando os homens sonham.
É preciso é não lhes matar o direito de sonhar.

 Neste início de um novo ano, aliás em sequência da tentativa de avaliação feita ao de 2012, interrogo-me, crescentemente impaciente, sobre o presente e o futuro deste país onde vivemos ou apenas já sobrevivemos. E não é só a austeridade que justifica tanta apreensão é, sobretudo, o catastrofismo obscurantista que alguns espalham pela opinião pública num tempo de irracionalidades sobrepostas e interpostas e de incompetência generalizada.

Não se pode ignorar que hoje nos aprisionam a vida numa profunda transformação do mundo onde quase tudo à nossa volta está em processo de desconstrução e desintegração com foros de gravidade e amplitude dramáticos para quase todos. A crise que varre o Ocidente é particularmente sentida neste canto da Europa – é assim que certos poderes não eleitos nos consideram! – e significa crescentes desigualdades sociais, pobreza sem fim e exclusão social acelerada. Não há direitos sociais que resistam já à fúria destruidora do papel do Estado social que nos querem, agora, impor os da grande finança.

O nosso fado chama-se hoje crise num tempo em que a inteligência da vivência humana cada vez se aprofunda mais. A revolta, o medo e a deceção estão presentes no ar que respiramos e sopram já ventos, vindos da profunda regressão da economia, que prenunciam o fim das liberdades políticas. Como referem Nicolas Berger e Nathan Gaudes habituamo-nos a viver em “democracias de consumo” onde não há lugar à preparação de qualquer futuro.

Assim não vamos, porém, a lado nenhum.

A austeridade pela austeridade, de que tanto gostam alguns austeristaristas de serviço, é uma  armadilha dos homens contra o Homem. Mas que precisamos de uma extensa e profunda revisão de comportamentos e, sobretudo crenças (p. ex.: tudo é possível, não há limites para o consumo, o Estado tem de dar tudo, etc.) é uma realidade. Chamemos-lhe metanóia e sigamos essa purificação interior dos maus hábitos de um passado ilusório.
Só que a austeridade sem esperança é gaita que não assobia.

Porque é que temos de empobrecer como expressa ou implicitamente nos impõem os do Terreiro do Paço?

Não há alternativa?

Sempre houve e haverá alternativas quando os homens sonham. É preciso é não lhes matar o direito de sonhar.

Os portugueses não estão condenados à miséria e podem sair do atoleiro em que o país se encontra se for esse o seu desejo. É certo que “um fraco rei, faz fraca a forte gente” mas nós somos maiores que esses austeritários que nos governam sem qualquer ideia que vá além da tabuada.

Temos que trabalhar , produzir e viver.

Trabalhar com inteligência para sermos competitivos num mundo global que aí está. Produzir para partilhar, em solidariedade com os outros portugueses e vender fora, competitivamente, tudo o mais. Viver para além do trabalho porque o homem não foi feito para o trabalho mas o trabalho para o homem. Para o realizar e emancipar.

Quando tantos portugueses abandonam o país em busca de segurança, estabilidade e conforto, será que os que cá vamos ficando não seremos capazes de mudar a tendência confrangedora deste tempo ingrato?

Se quisermos, somos. A condição essencial para isso, contudo, parece ser hoje, mais que nunca, mudar de “rei”, mudar o Terreiro do Paço para o país real, desligar da comunicação social oportunista que temos, e meter mãos à obra para refundar Portugal.