Com alguma lucidez e sentido estratégico em vez do naufrágio
poder-se-ia, porém, criar uma enorme oportunidade de negócio.
Em crónica
anterior já me referi ao tema atualissimo das funções do Estado e à necessidade
urgentíssima de o debater e de definir a respetiva doutrina a longo prazo. Do
caleidoscópio de questões que emergem desse tema refiro-me, aqui, ao Estado
social que uns querem desconstruir e, outros, gritam que não aceitam que dê qualquer
passo a trás.
Apesar da crise
violenta que nos dobra a espinha e da austeridade que já nos leva a vida, será
possível manter o Estado social (o modelo social do Estado) previsto na
Constituição da República e de que, ainda há pouco beneficiávamos? Respondo,
sem hesitação, que é possível além de ser necessário. E, acrescento, poder-se-à
fazer assentar nele até uma estratégia de desenvolvimento para o país.
Vou explicar-me.
Não tem sentido
útil rever e redesenhar as funções do Estado sem um desígnio para o país. Tais
funções implicam com esse desígnio e a estratégia para lá chegar e não será
admissível que se restrinjam às questões do défice e da despesa pública. Se
assim for – como tem sido – iremos parar todos a uma situação na qual nem de
Estado precisaremos…
O Estado social
tem a ver com os direitos, constitucionalmente consagrados, à segurança social
e à saúde, sobretudo no que ora interessa, sendo certo que o seu perímetro é
mais largo. Não será possível alcançar uma sociedade coesa e solidária, virada
para o futuro, sem que tais direitos sejam usufruídos amplamente por todos. A
ideia de democracia, na vertente social, exige-o, de resto.
É caro manter os
sistemas de segurança social e de saúde? É. E em tempos de crise económica e financeira
é difícil? É. Temos, todos, de o pagar? Temos. Queremos mantê-los? Creio que a
resposta é sim, não importa se como prestações diretas do Estado ou entregues à
economia privada quanto a sua gestão. Ao contrário do que se possa pensar não
estamos, porém, perante a quadratura do círculo mas, apenas, incompetência e
preguiça a rodos, além, é claro, da incapacidade política de afrontar os
interesses das corporações, nacionais e estrangeiras, do setor.
Com alguma
lucidez e sentido estratégico em vez do naufrágio poder-se-ia, porém, criar uma
enorme oportunidade de negócio. É que, sendo o Serviço Nacional de Saúde
português um dos melhores do mundo (noutra ocasião falarei da segurança social)
poderia “exportar” uma infinidade de bens e serviços, em que há mais valias,
portuguesas, para outros países. Lembremo-nos, nomeadamente, dos países
africanos de língua portuguesa em que não existe Estado social mas a ambição de
o edificar é grande e urgente. Com espírito de solidariedade – que não tem
porque excluir a justa retribuição – resultariam daí rendimentos que poderiam
mais de que sustentar o nosso SNS. Se o não fizermos já, outros o vão fazer por
nós e, indubitavelmente, com custos muito superiores para esses países porque
em espírito meramente mercantil.
Volto às funções
do Estado. O que mudar, então, no sentido de melhor aproveitamento do que já
temos? Não é preciso desconstruir o SNS: o que urge é incrementá-lo,
valorizá-lo, dignificar os seus profissionais e, sobretudo divulgá-lo ao mundo
como marca portuguesa. Na vertente dos PALOP’s, decerto, mas não só porque há
mais mundos a explorar. O turismo de saúde é um deles, bem como a prestação, em
Portugal, de cuidados de saúde aos portugueses da diáspora. Estes beneficiam de
seguros de saúde ou têm direitos face aos estados de acolhimento que
permitiriam tratar-se em Portugal pagos por esses sistemas. E todos lucrariam.
Não estarei a
dizer nada de novo, mas de novo apenas. Ainda há dias li na imprensa que o “O Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra foi escolhido pela segunda maior caixa de saúde pública da Alemanha,
com oito milhões de inscritos, para tratar todos os seus beneficiários que
adoeçam durante a permanência em Portugal. (Expresso, 27 Out. 2012). Não se
sabia que era impossível… e, por isso, conseguiram-no!
Em vez de se
autoreduzir e destruir as nossas vidas o Estado português tem de ser criativo.
E se começasse
por aqui?