segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O NOVO CÓDIGO DO TRABALHO



As reformas contra o trabalho são armas prontas a disparar contra a dignidade humana.



Neste início do mês de agosto de 2012, a sociedade portuguesa viu-se confrontada com profundas alterações no sistema de relações laborais face  à  entrada em vigor de um novo código do trabalho - e digo novo não pela quantidade de alterações que traz, mas pela mudança estrutural, ideológica, que encerra.

Alguns atiraram-se logo à decifração das novidades da lei deixando de lado a análise e a explicação dos seus motivos, com o que apenas olharam para a “vidinha”, como habitualmente. Dizem a cor dos relâmpagos e a intensidade dos trovões, mas ignoram as causas da tempestade. E, por isso, como será (ou não) possível alcançar a bonança. Não vou, naturalmente, por aí neste breve escrito. Convido, pelo contrário, o leitor a uma reflexão menos superficial, ainda que considere relevante a que procura “dizer” a lei.

O novo código emerge num tempo em que a democracia em Portugal está suspensa. Cumpre - um governo baseado em eleições - um programa estabelecido e imposto por uma ditadura financeira não eleita. Diz-se que se trata de austeridade, mas tudo o que se vai passando não é, senão, a punição de uma nação inteira em benefício de uns poucos (também portugueses para nossa vergonha).  “Quem não tem dinheiro, não tem vícios “, repetem eles ao sangrar este país (e outros) convictos de que a democracia é um pechisbeque para ricos.

O novo código está profundamente marcado por uma orientação ideológica neoliberal. Parte do princípio de que a flexibilidade (descontrolada) é imprescindível à eficiência económica e à competitividade da economia que a regulamentação (rigidez, diz-se) do mercado de trabalho não permitiria.

O novo código leva indiscriminadamente à individualização das situações de trabalho e desestrutura a negociação coletiva. A ideia de “trabalho decente” com estabilidade e segurança mínimos acabou.

De resto também o valor do trabalho se esvai considerado, outra vez, uma mercadoria como outra qualquer num mercado desregulamentado. Os trabalhadores perdem muito, mas os empregadores nacionais não vão ganhar nada, salvo alguns daqueles que estão sentados à mesa do Orçamento do Estado, do lado dos políticos do costume (que cada vez se vai descobrindo que são mais… e ainda a procissão está no adro) e desfrutando do suave perfume da corrupção legalizada. 

O novo código do trabalho alicerça-se no medo que invade os portugueses. Medo de perder o emprego, de perder um qualquer (formal) subsídio de sobrevivência, medo de mais um corte na retribuição devida pelo trabalho, medo de perder a saúde, medo de ter medo, também. O medo cria as condições para emergir um certo tipo de sociedade ( como proteção contra o medo, diz quem manda)  com cidadãos anestesiados e indefesos face à manipulação política. O medo reinante, hoje, é o mais apto instrumento de tutela da sociedade com vista a amordaçar a liberdade.

O novo código do trabalho é um castigo para os trabalhadores sob a forma misteriosa de uma austeridade que uns patetas pretendem salvífica e outros, proxenetas políticos, assumem como o nosso destino. Enquanto a atividade politica partidária for vivida como um mero negócio desenvolvido por “ comerciantes” que nunca tiveram de lutar por nada na vida a não ser lugares ao sol do poder, não morreremos mas também não passaremos deste estado de coma em que nos encontramos.

Poderemos ser pobres, mas não temos de abdicar da dignidade.

As reformas laborais recentes são contra o trabalho, são armas prontas a disparar contra a dignidade humana. E não esqueçamos que trabalhadores somos, fomos ou seremos todos nós.