quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

D. MANUEL FRAGA IRIBARNE

Chegou primeiro. Espere por nós. Ainda não acabou o nosso combate; o seu já é outro. Obrigado.

Sabíamos que D. Manuel Fraga Iribarne estava biologicamente enfraquecido – mas lucidíssimo – nos últimos tempos. Partiu agora e deixou-nos, também a nós, cidadãos do Norte de Portugal, mais enfraquecidos. E tristres. Foi um grande amigo e impulsionador, como ninguém mais, das relações do Norte com a Galiza, a sua terra mãe, que lhe deve, de resto uma transformação extraordinária que a tornou numa grande região da Europa.


Em 1989, eleito Presidente do Governo da Galiza, e ainda antes de tomar posse, veio, a convite do Forum Portucalense, ao Porto, onde, durante dois dias, deixou vincado o espírito que era o seu – cosmopolita, humanista, pragmático – e o amor que tinha à sua Galiza e que estendia ao Norte de Portugal. Voltou mais vezes e, muitas outras, nos recebeu na sua Galiza prodigalizando-nos gentilezas imprevisíveis. Foi com o seu entusiamo que nasceu e se publicou, a partir de Julho de 1992, o semanário ARCO ATLÂNTICO de que tive o privilégio de ser presidente. Creio que, durante o ano em que se publicou, bilingue, foi um instrumento de aproximação notável entre as duas regiões.


D. Manuel Fraga foi um acérrimo defensor da descentralização – em Espanha chamada autonomia – da Galiza no contexto de uma Europa das regiões jamais igualado por qualquer político da banda de cá do rio Minho.


O seu combate é o nosso e de muitos cidadãos que não desistem – ele nunca desistiu, nem na ditadura franquista nem, depois, na democracia e na transicção entre elas de que foi um pilar inabalável – de lutar contra o poder central que ignora tudo o que não é imperial.


Um homem para a eternidade!


Deixo, a seguir, um excerto das palavras que proferiu numa conferência do Forum Portucalense em 1992. Que tal sirva para lembrar os seus ideais que não morreram. Não morrerão!


“O Atlântico é parte substancial no nosso passado e da nossa cultura e, afinal, parte íntima da nossa história. Para nós o Arco Atlântico tem conotações que vão para além da sua estrita e importantíssima dimensão sócio-económica. Estou convencido de que, desde o Norte ao Sul do Atlântico há um grande labor a desenvolver, por meio da concentração de esforços públicos e privados para consolidar um eixo de desenvolvimento vital para o futuro comum de todas as regiões que o integram, nomeadamente para a Galiza e a Região Norte de Portugal.


O Arco Atlântico é uma ideia, uma ideia mobilizadora, que consiste em reforçar a solidariedade das regiões situadas desde o Norte de Escócia ao Sul de Portugal. É uma estratégia de resposta aos inumeráveis problemas que surgem da evolução contemporânea das economias. (…) Bem, amigos, nos grandes projectos não é bom prescindir em princípio do sonho. (…) Acho que a Galiza e a Região Norte de Portugal podem dentro dos Estados Soberanos de pertença, contribuir seriamente desde dentro e desde fora para que as nossas comuns raízes atlânticas renansçam numa Europa cada vez mais culta e mais orgulhosa das suas diversas origens e do seu comum destino solidário ao serviço do Homem”. E concluiu, assim, a sua reflexão: “Contem sempre comigo. Com um galego que – pelo facto de sê-lo se honra em ser e sentir-se espanhol, português e europeu”.


Contamos consigo, D. Manuel. Heróis como o senhor nunca morrem.


Chegou primeiro. Espere por nós.


Ainda não acabou o nosso combate; o seu já é outro. Obrigado.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

EM DEFESA DA LIBERDADE DA PESSOA

A estratégia que move as desconsiderações aos maçons – além de procurar fazer deles bodes expiatórios de problemas alheios – é muito, muito preocupante nas suas causas e efeitos mais remotos.


Desde que atingi a idade de pensar por mim a vida pública, sempre tenho defendido e lutado pela transparência e credibilidade dos atos e contratos com o Estado e das ações dos que nelas se encontram envolvidos. Este escrito é, pois, mais uma achega ao debate que vai no espaço público em torno da defesa da vida privada, designadamente dos membros da maçonaria, do que uma nova abordagem daquelas ideias que tenho por indiscutíveis na sua essência.


E a propósito de tudo o que li e ouvi – tanta asneira, ignorância, inveja! – pergunto-me se o meu país não tem outros problemas para onde a inteletualidade, tantas vezes balofa que por aí perora, possa encaminhar as suas mentes brilhantes e fazer algo a sério pela nossa moribunda sociedade.


A estratégia que move as desconsiderações aos maçons – além de procurar fazer deles bodes expiatórios de problemas alheios – é muito, muito preocupante nas suas causas e efeitos mais remotos. Ninguém poderá ignorar que, atrás do palco, a mover os cordelinhos da peça em cena, está a ganância de negociantes que imperam hoje na comunicação social, nomeadamente tendo em vista a privatização de um canal público de televisão e que, desonestamente, se servem de todos os meios para alcançar os seus fins. Pior, porém, é que, de muitos lados – Oh Sr.ª Ministra da Justiça, não fale do que nada sabe! Acalme-se! Tenha tino! – começam a surgir ideias, velhas e relhas, que, como no tempo das ditaduras de Salazar, de Franco, de Hitler ou de Mussolini, subtilmente procuram minar os ideais da liberdade da pessoa humana e, em geral, dos seus direitos fundamentais e que, também, nesses tempos, amordaçaram a maçonaria. Portugal vive numa situação política em que a democracia está já em suspenso face aos poderes não eleitos que gerem a nossa política (vulgo a Troika) e à expansão da sociedade do medo que a austerização, desumana, nos vem sendo impondo.


Caindo a democracia e vencendo o medo que aí anda a trote que restará à dignidade dos portugueses?


Neste contexto pode-se compreender melhor – e definitivamente – os ataques desnorteados à maçonaria. É que na história e, também, na atualidade, nela reside a última fronteira a franquear pelos ditadores ou candidatos a ditadores. É, nesse sentido, um perigo para estes, porque se constitui uma muralha nunca vencida.


Defendo que os maçons que queiram, se revelem cono tal, mas jamais que uma lei os obrigue a pôr na praça pública o que é da ordem da sua consciência. Pelo contrário reclamo que – com a Sr.ª Ministra da Justiça à frente – todos aqueles que ocupam lugares de autoridade no Estado e, logo, gastam os impostos que pagamos e nos tolhem os destinos (governantes, parlamentares, autarcas nomeadamente) sejam obrigados não só a fazer (ilusórias) declarações de rendimentos, mas, também, de outros interesses. Exemplifico o que quero dizer referindo-me aos advogados que estão nesses cargos (ainda que com inscrição suspensa na Ordem). Reclamo que divulguem, obrigatoriamente, os negócios em que participaram e deixaram nos seus gabinete e em que o Estado tenha algum envolvimento e que, também, durante dois anos após a cessação de funções públicas sejam, também, obrigados a publicitar os seus novos clientes (conheço as regras do Estatuto da Ordem dos Advogados que, entendo, deveriam, porém, ser revogados para tais políticos…).


Calcularão os portugueses as fortunas que esses senhores, a quem demos democraticamente o poder, alcançam dando nome aos escritórios que continuam a manter os seus nomes e a tratar – por interpostas pessoas – os assuntos de Sua Excelências?


O que lhes vale é que, em boa verdade, só a corrupção não é para combater, é para gerir ao sabor das lutas partidárias.


As víboras, como a corrupção, atacam-se melhor no ovo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

CRI(S)E

Deixemos a crise em paz e vamos ao trabalho que faz o Homem, mais do que o Homem o faz a ele.

Começar o ano a falar de crise não parece ser o melhor caminho… a não ser que seja para ajudar a desconstruir o oportunismo e a mentira que diafanamente envolve o conceito.


Por isso – e para isso – dei a esta crónica o título CRI(S)E, com o S entre parêntesis, o que dá CRIE. Não é nada de original, mas poderá ser uma forma de pegar na crise e esconjurá-la. Da palavra crise temos que passar ao verbo criar (crie).


Desde logo uma outra mentalidade, criativa e positiva, o que não depende senão da nossa imaginação. Suscitar reflexões, depois, e criar novas ideias, conceitos e doutrinas para um outro, novo mundo, no qual, porventura, já teremos os pés, mesmo sem a consciência disso. Deixar os lugares de conforto, velhos privilégios e inércias de décadas, e ir à luta, também é preciso.


A mudança é a lei da vida. Aqueles que ficarem a olhar para o passado ou o presente, vão perder o futuro. Não podemos ignorar que, sob o nosso olhar, se desenrola, acelerada pelas crises da primeira década deste milénio, uma profunda transformação do mundo e que a procura de novas formas, regras e princípios – também uma nova linguagem jurídica – é uma ambição cada vez mais acentuada, designadamente pelos que não queiram naufragar pela desadaptação à revolução silenciosa em curso, mas, ao contrário, desejem acompanhar a evolução do modo da vida e a reorganização das categorias básicas que estiveram na base do ainda recente estado de bem estar. Procurar caminhos para adaptar, renovar, reinventar, porventura, os nossos comportamentos é urgente, sendo que devemos estar precavidos para aquilo a que Gilles Lipovetsky chamou “o império do efémero” e “a apoteose do presente social”, que o exprime, sob pena de se perder o melhor do passado e nada a ganhar no futuro.


Há um mundo e um modo de vida que está posto definitivamente em causa, face a “coisas novas” que nos desafiam, tais como a globalização, a “sociedade de risco”, as mudanças tecnológicas, a pluriformidade, ou as questões demográficas e económico-financeiras, entre outras. Não vale a pena escamotear a realidade.


Perguntar-se-á, porém, como poderá um pretensamente pequeno, frágil e periférico país rumar para um outro e melhor estar. Mas quem provou já que aquelas afirmações são verdadeiras e, sobretudo, inexoráveis?


Seria bom que, neste ano em que Cassandras várias anunciam o tempo de todos os demónios, tivéssemos a luz suficientemente para percebermos que este nosso país tem uma riqueza que nenhum outro mais tem: os portugueses.


Cabe-nos desbravar o futuro e, por aí, só poderemos avançar com o nosso próprio trabalho – decente, justamente remunerado, com assento nos direitos fundamentais da pessoa humana. Quem trabalha com dignidade não precisa de deslocar as suas empresas para a Holanda ou o Luxemburgo, nem de recorrer a paraísos fiscais…


O trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana e do seu sucesso, podendo afirmar-se, sem afetar a verdade essencial das coisas, que foi o trabalho que fez, e faz, o próprio Homem. Dele se disse já, também, justamente, que é uma segunda criação, no seio da própria criação ou um fenómeno decisivo na elevação do homem acima da mera animalidade. O trabalho, nas palavras de Mazeaud, é o destino da condição humana, desde que o homem foi expulso do paraíso.


As crises só se vencem pelo trabalho. Sem trabalho, toda a vida apodrece. Mas, em trabalho sem alma, a vida sufoca e morre, conforme escreveu Albert Camus.


Deixemos, pois, a crise em paz e vamos ao trabalho que faz o Homem, mais do que o Homem o faz a ele.