quarta-feira, 27 de julho de 2011

CRISE, CRIME E IMPUNIDADE

Uma vez mais foram socializadas as perdas e privatizamos os benefícios. E a procissão ainda vai no adro…

O crescimento dos últimos anos, antes da atual crise, foi, tão rápido como virtual. Cometemos, nesse tempo, um grave erro ao não aproveitar devida e democraticamente tantos fundos que tivemos à disposição para desenvolver a nossa economia, aumentando, nomeadamente, a produtividade e o desenvolvimento tecnológico. Desaproveitámos uma oportunidade de ouro para reforçar os serviços públicos e, portanto, construir um país mais justo, solidário e equitativo. Também, não aproveitámos o crescimento para avançar na coesão social.


Alguns – os oportunistas do costume, as clientelas partidárias e os abutres da economia e da finança – encheram-se, porém, à tripa forra, como vamos, agora, percebendo.


Entretanto vieram os ventos da crise, que não param de soprar, e esses, mesmos oportunistas e abutres mudaram-se para novos poleiros continuando tranquilamente a ganhar tanto quanto nós, cidadãos comuns, continuamos a perder. A pouca riqueza que produzimos é distribuída apenas por alguns e nunca chegará, sequer, para o país pagar as suas dívidas, crescentes, apesar de todos os sacrifícios impostos aos cidadãos.


Num tempo em que o dinheiro é rei e senhor das nossas vidas, o Estado resgatou a banca e empenhou no sistema financeiro dinheiro público para pagar fraudes e crimes económico-financeiros dos magnatas da banca.


Uma vez mais foram socializadas as perdas e privatizamos os benefícios. E a procissão ainda vai no adro…


O caso do BPN será, porventura, o mais elucidativo do que se afirmou acima. É certo que, três anos volvidos sobre o conhecimento público da situação, há um julgamento em curso, cerca de duas dezenas de inquéritos a correr na justiça criminal e perto de trinta arguidos constituídos – alguns dos quais, diga-se, continuam no “mercado” a fazer as suas negociatas, a brilhar nos melhores restaurantes de Lisboa e a pavonear-se nas praias algarvias e nas revistas cor de rosa. Diz-se, entanto, que, pelo menos, 800 milhões de euros terão sido desbaratados em negócios ruinosos e também aconchegado as contas bancárias e o património de vários intervenientes nesse escândalo.


Ora, se se pode compreender (dificilmente) a morosidade da justiça em agir criminalmente, não se pode aceitar, de todo, que tantos milhões não tenham sido apreendidos pelos Tribunais acautelando os interesses do Estado e a efetiva realização da justiça. Refiro-me, no transe, aos dinheiros que circulavam no BPN e na SLN, sua detentora, e que de favoreciam uma casta de plutocratas que continuam por aí a rir-se de todos nós usufruindo dos resultados dos seus crimes enquanto muitas empresas fecham as portas por dificuldades económicas graves (a que ninguém acode), o desemprego aumenta, e as pessoas e as famílias, endividadas em limites insuportáveis, caem para a valeta da sociedade (e o Estado social se desvanece).


E, neste contexto, imperativo patriótico e moral assinalar a quem de direito que o dinheiro resultante desses crimes – e o de outras fraudes fiscais e da corrupção em geral – não se evaporou. É preciso é ir no seu encalço e recuperá-lo para o Estado e para os seus legítimos donos.


Quem lucrou com esses negócios ilícitos? Quem recebeu lucros, dividendos e quem contraiu empréstimos fraudulentos na banca sabendo que os não iria pagar? Quem aumentou despudoradamente o seu património nesses negócios ilegais e imorais? Onde está, enfim, o dinheiro (ou o património) dai resultante?


A crise que nos atormenta e promete levar-nos à miséria poderá encontrar um lenitivo se forem postos a nu aqueles que se alimentaram, ao longo de anos, de todas essas falcatruas. Mas será que o poder político quer e pode (não estará comprometido nos escândalos?) deitar mão aos instrumentos legais que tem ao seu dispor ou criar outros adequados a este tipo de criminalidade?


No nosso país o crime continua a compensar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

OS NOVOS SENHORES DO MUNDO

O enfraquecimento dos Estados e dos cidadãos, tem o seu reverso, hoje, na crescente vitalidade de fundos especulativos e de bancos de negócios.

Nunca estará tudo dito sobre os factores que arrastaram Portugal e outros países para uma crise que não parece ter fim nem solução à vista. Mil são os diagnósticos, outros tantos os comentários, mas certo parece ser, apenas, que a crise se auto-alimenta e, na sua voracidade, chegará a mais países. Ninguém consegue, porém, prever qual o desfecho que tudo isto terá.


A Europa, a União Europeia mais precisamente, aparece hoje como a principal vítima da crise desencadeada em 2008 pela avidez da finança internacional. A tal ponto que a integração europeia parece ameaçada, e em particular, a sua realização mais avançada que é o euro. Para sobreviver à crise, a UE necessita de um avanço qualitativo na integração que lhe dê finalmente os meios para corrigir as suas principais limitações. A Europa está, porém, paralisada pela sua incapacidade de gerir solidariamente os seus problemas relacionados, nomeadamente, com os seus desequilíbrios internos. Ainda que relevante à escala do país, a dívida pública da Grécia não pesa mais do que 3,7% do PIB da zona euro e, mesmo que se adicionem as dívidas da Irlanda e de Portugal, o global só atinge 7,4% do PIB da zona euro.


O problema é, de facto, mais fundo. A UE não tem líderes à altura de resolver problemas que não sejam de mercearia. Também está à deriva por falta de uma estratégia e um projecto comum. O que lemos e ouvimos cada vez mais nos empurra para a possibilidade da germanização da Europa. A História deveria, neste aspecto, ser mais útil e tornar-nos mais lúcidos.


O enfraquecimento dos Estados e dos cidadãos, por outro lado, tem o seu reverso, hoje, na crescente vitalidade de fundos especulativos e de bancos de negócios. A excessiva autonomia ganha pela economia perante a política, colocou sob os holofotes uma minoria de actores cujo poder é cada vez mais inquietante.


Os desenvolvimentos da crise de 2007 evidenciou que as escolhas económicas dos Estados choca com a acção de alguns grandes especuladores que exercem pressões tanto mais incisivas, quanto os Estados estão enfraquecidos. A Grécia é vítima desta situação e continua a enriquecer a finança sem rosto, implicada no seu sobreendividamento e também na especulação quanto à sua dívida. Mas, como não existe nenhuma lei contra a ganância, o objectivo destes poderes não eleitos é fazer dinheiro sem se preocuparem com o que vai acontecer aos cidadãos gregos. E o mesmo está acontecer em Portugal.


As escolhas dos Estados são cada vez mais subordinadas às reacções dos “mercados” cujo funcionamento ninguém controla. Na verdade, a liberdade dos mercados, que, conforme os princípios económicos dominantes, tem de ser respeitada pelos governos, ganha nova força quando a concentração dos activos financeiros confere a certos destes actores a capacidade de restringir, mesmo, as liberdades públicas. Este poder dos impérios financeiros perante as democracias abre, necessariamente, o debate sobre a separação da economia e da política e, até, poderá estar a pôr em causa a democracia.


Vivemos momentos dramáticos que, inelutavelmente, se vão ver agravados no futuro próximo e, até, porventura muito mais além.


Erros nossos, má fortuna, ganância alheia.


E que está ao nosso alcance fazer para mudar o rumo dos acontecimentos? Será dramático mas não se configura no horizonte nada de esperançoso. A miséria, a exclusão social, a destruição da economia crescem todos os dias e não se pense que é o programa que nos foi imposto pela “troika” que nos vai tirar do lamaçal.


Vai, nesta reflexão, muita angústia, mas não desespero. Há outros mundos, outras formas de viver, muitos objectivos que ainda estão ao nosso alcance. Urge, porém, começar a pensar a sério com outros instrumentos e de diferentes sítios.


É aqui que surge a ideia de metapolítica como derradeiro espaço para abrir novas possibilidades.