quarta-feira, 23 de março de 2011

PORTUGAL 2011

Não será o fim de Portugal que se avizinha em 2011, mas não será difícil diagnosticar também a falência cabal dos partidos no que toca às suas competências e funções numa sociedade democrática.

É por demais evidente que os partidos políticos agem, tácita e estrategicamente, neste tempo de crises, português, por razões que ignoram as suas ideologias (ou o pouco que delas resta) e o interesse nacional. Quem fixa a agenda política, ora o faz, de fato, por imposição externa (BCE, F.M.I., UE, agências de notação financeira), ou por razões internas decorrentes da avidez de conquistar o poder a qualquer preço. O mais são trapalhadas circenses e lavagem de roupa suja com o que nos vão tentando enganar e, sobretudo, anestesiar.

A situação externa, cujas consequências se abatem inequivocamente sobre o nosso país explica muito, mas não tudo o que vai acontecendo.

Os erros e indecisões do Governo, que são graves, também estão na origem de muito do mal estar vigente, mas não justificam, só por si, as crises.

O que os partidos visam, ontem como hoje, é, afinal, obsessivamente, manter o poder a qualquer preço, ou conquistá-lo sem olhar a meios. E assim vai, em declínio, este país. Até quando?

É, neste contexto, conveniente olhar com redobrada atenção as novas formas de contestação política, porventura insólitas, como aquela que reuniu, recentemente, a dita “Geração à rasca”. Nem partidária, nem contra os partidos, nem sindicalista nem doutrinária, não se erguia em volta dos chavões comuns às manifestações típicas do costume. Havia, ali, algo de inovador e, até, prometedor, sobretudo quando se tem presente o tipo de ações que os partidos – ou pretensos e pretensiosos líderes partidários – levam a cabo e que, afinal, não passam de procissões em que eles se alteiam no andor, mas, quanto ao regime, ao poder, à democracia, nem tocar-lhes. É que vivem deles e para eles e só por via deles, sendo que qualquer iniciativa “de fora” apenas lhes pode trazer incómodos e estragar a festança.

Não será, apesar de tudo o que está a acontecer, o fim de Portugal que se avizinha em 2011, mas não será difícil diagnosticar também a falência cabal dos partidos no que toca às suas competências e funções numa sociedade democrática. Estão, todos, corroídos pelo caruncho, em estado de apodrecimento acelerado, pouco mais significando já do que meras agências de emprego. E, com isto, vai-se degradando o ideal democrático enquanto, felizmente, começa a tomar feições o que alguns já têm designado por pós-democracia numa concetualização ainda, decerto, muito informe, mas já presente, também, em muitos espíritos.

Tenho por certo que é urgente uma profunda mudança qualitativa no país e a todos os níveis, mas começando pela organização do poder político e, sobretudo, no plano do sistema partidário.

Com governo ou sem ele, é inequívoco que a democracia em Portugal está em suspenso, em situação de grave indefinição, descaraterizada.

É certo que a democracia sempre se configurou como uma ideologia e um regime político de difícil apreensão e de contraditória aplicação em qualquer parte do mundo. Mas hoje, e entre nós, desceu a níveis de compreensão e de adesão muito perigosos. Bastará pensar no fato de uma maioria significativa de portugueses não participarem, sequer, nos atos eleitorais ou, participando, de formas diversas neles, manifestarem (por exemplo pela anulação do voto, ou pelo voto em branco) a sua repulsa – os que nem sequer vão às urnas, pelo regime, e, os outros, pelas escolhas que lhes são permitidas.

“Portugal 2011” poderá vir a marcar na história não só o fim dramático de um governo mas, o fim, também, de uma infeliz tradição democrática com quase duzentos anos durante os quais (incluídos os anos de ditadura) os cidadãos não foram titulares, senão formais, do direito de participação na organização democrática do Estado. Infeliz e inevitavelmente pela via, tipicamente nacional, do “desenrascanço” de uma recorrentemente “geração à rasca”. Desejavelmente pela implicação de elites que têm estado arredadas do poder hoje completamente capturado pelos partidos.

Todos querem a mudança, mas, poucos, os inerentes sacrifícios. E muitos, apenas, hoje, de novo, querem recuperar o seu lugar na pia.

quarta-feira, 16 de março de 2011

… E TODOS, TODOS SE VÃO!

Ver partir jovens cuja formação tanto custou ao país é penoso para além de hipotecar o nosso futuro coletivo.

“Há algo de profundamente errado na maneira como hoje vivemos” assim afirma, nas primeiras palavras do seu livro “Um Tratado sobre os nossos actuais descontentamentos”, Tony Judt. Qualquer um de nós poderá fazer a mesma constatação seja pela via da racionalidade, seja pelo simples olhar deste mundo cruel.

Não sei é se haverá alguém ou algum modo capaz de mudar essa maneira de estarmos no mundo, mas tenho fé.

No que a nós portugueses respeita, uma situação me ocorre ao espírito no contexto desta ideia de que é preciso mudar. É que, segundo dados oficiais divulgados por toda a comunicação social nos dias recentes, as exportações portuguesas aumentaram um pouco mais de 19% em janeiro – e esse é um caminho, dos poucos, que nos podem salvar da bancarrota. Só que, pelas mesmas vias, tomamos conhecimento, também, de que quatro diplomados saem do país em cada dia que passa. O risco eminente é o de nos tornarmos um país de restos. E depois?

Sem emigração os números do desemprego seriam ainda mais dramáticos do que os que temos, mas, ver partir jovens cuja formação tanto custou ao país é penoso para além de hipotecar o nosso futuro coletivo. E o mesmo se poderá dizer relativamente a trabalhadores a quem não é já a falta de emprego que empurra para fora do país, mas o fato de, entre nós, atingido um certo nível de evolução numa carreira, já não haver mais espaço para evoluir por falta de dimensão da economia para “aguentar” o seu potencial e a sua vontade de crescer profissionalmente. Aqui é óbvia, também, a incapacidade do mercado laboral português para absorver os mais qualificados e ambiciosos – no que se expressa, também, um destino trágico para o país.

A “fuga de cérebros” é, de resto, um problema tão relevante nestes tempos de crise quanto o é o desemprego e, quer por um lado, quer pelo outro, o futuro aparece pintado de cores muito negras.

Há, de fato, algo de profundamente errado, sem sentido, neste estado de coisas quando a “exportação” dos melhores de todos se torna uma realidade prosaica. Precisamos muito, é certo, de exportar bens e serviços, mas não podemos dar-nos ao luxo de “exportar” crescentemente trabalhadores qualificados e de alto potencial.

Vivemos angustiados com o défice das contas públicas e a dívida externa. Sem minimizar a sua relevância e nefastas consequências, creio que se tem cometido o erro de olhar menos ou com menor acuidade para os problemas da economia. Não sei se algum dia pagaremos aos nossos credores, em democracia, aquilo que já lhes devemos e o muito mais que aí virá. Mas sei que se não produzirmos mais e melhor, num mundo globalizado, não deixaremos de nos tornar insignificantes como nação.

Urgem políticas económicas novas, ousadas, viradas para o mundo dos negócios, para as PME e todas as empresas exportadoras. Só assim combateremos o desemprego e afastaremos a sangria que é a “fuga de cérebros” do nosso país. Não é sustentável agir apenas na frente das finanças públicas e ignorar tudo o mais – e, aqui, acrescento aquele mínimo de proteção social sem o qual a vida se torna vegetativa, um arremedo de existência digna.

Vai valer a pena acompanhar o esforço do povo japonês na resposta que darão às gravíssimas calamidades que o têm quase destroçado. É que eles sabem – e nós também – que é possível sair dos desastres e voltar à vida, à dignidade, ao bem estar. Mas os sacrifícios, porventura angustiantes, são caminho, sem alternativa, para aí chegar.

A crise que hoje nos corrói é, sobretudo, política e só pela via política poderá ser ultrapassada. Mas não é com fantochadas como as que os políticos dos partidos nos têm brindado nos últimos dias que sobreviveremos.

É melhor olhar Portugal nos olhos e deixar de contemplar o próprio umbigo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A ALIANÇA DE FAUSTO COM MEFISTÓFELES

À nossa volta o mundo mudou e uma nova carta de ideias surgiu, embora poucos disso se tenham dado conta.

Terá dito recentemente um político que “anda por aí” (nas suas próprias, lúcidas, palavras) que o PSD precisa de um líder que tenha um perfil de gestor, austero, frontal e rigoroso. E, logo a seguir, nomeava o seu preferido…

Dei por mim a pensar logo num computador a governar o país! Mas veio-me também ao espírito o mito, muito acalentado pelo povo alemão, em que, por um estranho pacto, o Dr. Fausto entregou a Mefistófeles a alma em troca de conhecimentos ilimitados e de muitos prazeres terrenos. E, depois, foi o que se sabe.

Há uma realidade insofismável no tempo presente e que se traduz em que o país está, aos poucos, a cair em si e a tomar consciência do que não pode gastar o que não produz, nem, sequer, amealhou. Que tem de cortar em gastos supérfluos e, porventura, noutros mais. Que tem de produzir mais e conviver com sacrifícios ainda incalculáveis e insuspeitos, até.

Mas Portugal tem de encontrar e definir o seu destino, mais do que andar às cegas, por aí, à procura de um homem providencial ou, passivamente, aceitando alguém que se lhe venda como tal.

Não sabemos valorizar as elites – que as temos – por um sentimento de inveja que desgraçadamente nos persegue, e, sem elas, porém, não sairemos do marasmo atual. Estamos, todavia, abertos ao marketing de pretensos salvadores que, além da sua “astúcia” não dominam as variáveis mais rudimentares da ciência ou da arte política.

Ora isto expressa um lamentável estado infantil da nossa democracia.

À nossa volta o mundo mudou e uma nova carta de ideias surgiu, embora poucos disso se tenham dado conta. O estruturalismo, o freudismo, o marxismo e os seus grandes pensadores (Roland Barthes, Lacan, Foucault, Althusser, entre outros) deixaram de pontificar na compreensão do homem e da vida e as suas ideias deram lugar a novas, outras, mais reflexões e a diferentes pontos de vista, ainda que seja inexato falar, a propósito, num antes e num depois nesse caos organizado que são as ideias humanas. Algumas palavras chave: globalização, neoliberalismo, bioética, sociedade em rede, China, crise… vieram ocupar o lugar de outras em torno das quais circulava o pensamento ou, pelo menos, vieram alterar os dados das equações reflexivas. Acumulamos ideias, teorias, paradigmas numa destruição criativa porventura jamais vista. Todavia estamos cada vez mais desamparados, assustados, sem norte, num redemoinho de informação que nos trará todos os prazeres e os mais amplos conhecimentos, tanto quanto mais angústias e dramas.

É inquestionável que estamos num momento de mudança de uma era para outra. O século XX já vai longe e novas formas de pensar estão aí.

Ora é aqui que, em geral, nós, portugueses não mudamos nada, não ousamos, sequer, escrutinar o horizonte mas, como sofredores, vivenciamos as ordens que nos vem de fora, sem independência nem autonomia.

Às vezes parece que só o bem estar material conta e que, fora dele, nada mais existe. Nada mais falso, porém.

Temos de pensar o nosso destino, no sentido do que queremos atingir e não do fatalismo habitual. Não pode haver razão sem emoção (António Damásio) e jamais um computador nos poderá guiar às melhores escolhas de vida, sem prejuízo, decerto, de que rigor, austeridade e frontalidade são valores de qualquer civilização que se preze. Só que o Homem não poderá, jamais ser recondutível a uma máquina, por mais perfeita que esta seja!

Ora há por aí muita gente desnorteada a ver a vida a preto e branco tal como se nela apenas valessem os seus próprios interesses e não o interesse coletivo, este impossível de aprisionar num qualquer software de um predestinado homem-máquina.

A política é, também, paixão e, sobretudo, amor ao próximo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

TENHO MEDO…

Hoje o sentimento mais generalizado entre nós é o que exprimo assim:
“Tenho medo de ter fome”.


A atualidade pode – e tem sido caraterizada – como afundada numa “sociedade de risco”, no que vai a ideia de que já nada está garantido, nem é seguro. A este propósito refere-se Ulrich Beck à “La irresponsabilidad organizada” (http://inicia.es/de/cgarciam/Beck01.htm) em artigo recente e, em geral, em toda a sua opulenta obra, sobretudo a partir dos anos oitenta do passado século.
Se assim for, não alcançaremos, decerto, lenitivo para o que vivemos mas, porventura, uma melhor compreensão do quotidiano neste nosso país cada vez mais na periferia de tudo.

As notícias que chegam em catadupa da “frente” não são, obviamente, boas e não se antevé um destino para o futuro, ao menos comandado por nós, portugueses.

Lá fora, andamos, andrajosos, a fazer figura de mendigos em busca de mais uns milhões para enganar a nossa crónica doença. E aí vale tudo: do pior ditador ao mais perigoso amigo, tudo o que vier à rede é peixe. Assim, ajoelhar perante a Sr.ª Merkel é, até, dos atos menos indignos patrioticamente, pois bem sabemos que, também, outros, da UE lhe estendem recorrentemente a mão, atenta e obrigada… até à próxima calamidade. (Como é curta a memória dos povos!)

Cá dentro, já há muito que afivelamos o traje de serviçais e de mordomos ao serviço de qualquer turista de pé descalço ou de anafado pseudo investidor ou comprador dos nossos parcos e últimos anéis. Somos já pouco mais do que uns trintanários do século XXI e, com a crescente emigração da juventude mais preparada para outras paragens, é fácil de prever o que nos espera daqui a uns anos.

Mas voltamos à insegurança.

Ao nosso redor vemos abaterem-se símbolos culturais que marcaram a identidade do país e regredir um Estado Social que, construído a golpes de bravura, pouco mais tem do que trinta anos, enquanto os poderes ora usam (e abusam) dos seus poderes, ora evidenciam a mais dramática impotência para alterar o estado da crise pública e o itinerário para a fatalidade.

Os medos que nos assolam crescem todos os dias. O medo de perder o emprego, de cair na valeta da sociedade por falta de apoios sociais públicos cada vez mais rarafeitos, de perder a saúde e não ter o necessário apoio de um sistema de saúde, de envelhecer e ser arrumado num qualquer “armazém” de idosos até apodrecer – e tantos outros. Estes são medos nossos, que estão ao nosso lado quotidianamente, e não aqueloutros que afetam toda a humanidade, como o terrorismo.

Não longe, na história, gritava-se “Tenho fome”. Era o tempo da proletarização de massas imensas de trabalhadores explorados por um patronato esclavagista e sem ética, pois. Hoje, sem que se tenha arredado, de vez, a fome e a miséria do nosso mundo global, ou local, o grito mais lancinante, porventura surdo, é outro: “Tenho medo”. Ou, então, aproximando, com muita verdade, creio, tais momentos, hoje o sentimento mais generalizado entre nós é o que exprimo assim: “Tenho medo de ter fome”.

Caminhamos para uma verdadeira “economia de guerra” apesar dos boatos que alguns pardais lançam do cimo da sua prepotência. O novo sistema político, judicial, de saúde, de educação, tanto quanto a economia e as finanças, públicas e privadas, ainda vivem na ilusão de um certo Estado-providência – a expressão patológica do Estado Social. O que se considera politicamente correto é afastar a hipótese de catástrofe, mas o que mandaria o bom senso seria preparar os portugueses para vencer a crise com instrumentos culturais e políticos novos.

A insegurança é o outro nome da atual democracia, designadamente.