quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

É PRECISO REPOVOAR A VIDA COM VALORES

No imediatismo que marca o nosso tempo, só vale falar da crise e de direitos adquiridos, mas já não de responsabilidade, de deveres e dos custos dos direitos.

Cada vez mais as nossas vidas estão amordaçadas em situações de precariedade e de insegurança. O futuro é uma incógnita que mete medo e o presente parece ter perdido todo o sentido. Vale tudo e o seu contrário, num tempo em que a lei já não colhe respeito e a ética se desvaneceu. E, a agravar o negrume que paira no horizonte, avulta uma nação de cidadãos anestesiados, acomodados, de braços caídos, sem sentido crítico, velhos de ideias, incapazes de lutar, vencidos pelo conformismo, dispostos a morrer sem combate nos braços de um Estado-providência em derradeiro estertor. Agarrados passivamente às televisões, descontrolados no uso dos telemóveis e da internet, desumanizados nas redes sociais assistimos, sem intervir, a uma revolução pungentíssima no nosso modo de ser e de estar no mundo.

O WikiLeaks é, neste contexto, apenas mais uma expressão, embaraçosa, de uma revolução que ninguém poderá, hoje, dizer aonde conduzirá mas que está latente nos nossos tempos.

A situação actual não nasceu, porém, do nada; tem causas político-ideológicas, económicas e culturais umas mais próximas e outras mais remotas. Não está, contudo, na moda abordá-las porque, no imediatismo que marca o nosso tempo, só vale falar da crise. Da crise e de direitos adquiridos, mas já não de responsabilidade, de deveres e dos custos dos direitos. E, na verdade, é aqui que está substancialmente a explicação do caos presente.

Ao contrário do que por aí se diz, a crise actual é, na verdade, o resultado das três crises mais recentes, a saber: a crise que se espraiou, entre 2001 e 2008, com desequilíbrios incompreensíveis no crescimento da economia portuguesa relativamente às outras economias europeias; a crise que se iniciou em 2008 relacionada com os problemas do chamado “subprime” (crédito de alto risco) que se iniciou nos EUA e contaminou toda a Europa; a crise, por fim, que se expressa, actualmente, na dificílima situação financeira decorrente da relutância de os investidores internacionais emprestarem mais dinheiro a um Estado em degradação acentuada das suas contas com o exterior.

A crise vem, pois, de trás. Nasceu na abundância, a partir de meados dos anos 80; surgiu do desperdício, então, dos dinheiros comunitários; enraizou-se na corrupção generalizada – ainda que só tardiamente descoberta (BCP, BPN, BPP, Operação Furacão, Face Oculta, submarinos, etc.); alimentou-se de recorrentes políticas eleitoralistas e que visavam, apenas, capturar os dinheiros públicos para fins inconfessáveis dos partidos e dos seus próceres.

É incontornável a conclusão de que o Estado esteve a saque nos últimos anos e, logo, que o défice acumulado das contas públicas se traduziu em ganhos incomensuráveis dos que conseguiram, sucessivamente, sentar-se à mesa do orçamento. E o que é imoral e deplorável é que, chegada a inevitável crise, após a pilhagem dos dinheiros públicos, sejam os que sempre viveram nas margens da dignidade económica e do mínimo bem estar social aqueles que, afinal, vão ter de pagar a dita pilhagem. Porque os que saquearam o Estado já puseram o seu a bom recato, ou porque continuam, por formas subtis e peritas, à boca dos cofres públicos saqueando imperturbavelmente o que resta.

Se a Justiça funcionasse a sério neste nosso país – e a horas! – para vermos as caras de muitos que continuam nos ecrãs de televisão, nos jornais e na rádio a perorar teríamos de os ir visitar a estabelecimentos prisionais.

Um primeiro voto para o ano de 2011 é, pois, o de que venha a Justiça ao nosso país. Outro é que a sociedade se levante a sério e expulse os vendilhões da pátria que por aí pululam fazendo do Estado um mercado onde vão buscar aquilo a que não têm direito.

Vai nisto um apelo à sublevação cívica. Não necessariamente por meios violentos mas, antes, pela afirmação, sem tolerância, de valores éticos, morais e cívicos. Que nasçam movimentos, tertúlias, associações onde os portugueses tenham voz e a partir dos quais possam trazer dignidade aos dias que faltam. Porque, neste andar, não há reformas que nos valham e a democracia está em sério risco.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

FAZER CIDADE PARA COMBATER A CRISE

O desenvolvimento das cidades depende, cada vez mais, da sua capacidade para atrair uma “classe criativa”.

O estudo “Fazer acontecer a Regeneração Urbana”, que foi divulgado recentemente pela Confederação Empresarial de Portugal, deveria merecer um debate político amplo e alcançar consensos alargados entre o Estado, as autarquias e a sociedade civil.

É que a reabilitação urbana é um dos temas que mais pode ajudar, hoje, à recuperação económica do país, não só criando, directa ou indirectamente, emprego, mas, também, atraindo turistas e trazendo vida e cultura aos centros das cidades com a consequente renovação do comércio tradicional e a atração de múltiplas atividades.

Este é um aspeto decisivo para o nosso futuro, ainda que muito descurado até aqui.

O desenvolvimento das cidades depende, cada vez mais, da sua capacidade para atrair uma “classe criativa”, ou seja, intelectuais, engenheiros, arquitetos, artistas, designers, informáticos e profissões liberais, em geral. É relevante, também, a existência de universidades de gabarito mundial que possam atrair talentos atrás dos quais, naturalmente, virão investimentos. A transformação das cidades em termos que a ciência faça parte do respetivo roteiro urbano é outro desafio, tanto quanto o é tornar imanente à sua vida cívica uma elevada participação dos cidadãos nos projetos relacionados com novas tecnologias e temas de cultura. Classes criativas, economia criativa, cidades criativas são, aqui, as palavras chave que poderão combater a desertificação e o empobrecimento que nos últimos anos nos têm marcado negativamente. Esta tese, de resto, encontra-se desenvolvida num livro muito interessante de um geógrafo, Richard Florida, (The Rise of Creative Class: And how it’s transforming work, Leisure, Community and every day life, Basic Books, 2004) que deveria por todos ser lido, designadamente pelos políticos de discurso redondo e sem ambição que pululam por aí.

No contexto de uma crítica situação financeira, económica e social, a via assinalada teria, decerto, um efeito propulsor da recuperação do país criando expectativas, também, de esperança e de futuro para resolver alguns dos mais sérios problemas do país – o dos jovens à procura do primeiro emprego e o de quantos perderam o seu emprego, sendo certo que daqui só se sairá através de uma mudança profunda da orientação económica que tem sido prosseguida pelos Governos desde há muitos anos.

O papel das autarquias – e não só dos Governos – será determinante em todo este caminhar em direção a uma nova cidade, de mesma forma que nada de significativo se alcançará sem a afirmação persistente da sociedade civil. E este é um aspecto em que muito está por fazer considerando o adormecimento dos cidadãos que, mais do que tomar nas suas próprias mãos o destino, estendem, por hábito, as mesmas para os dinheiros do Estado em situações de subsidiodependência lastimável.

A cidade nova terá de ser obra de todos, ou não será. Deixar nos cardápios dos partidos políticos, ou na vontade dos seus donos, tal tarefa será manter amordaçado o futuro. Veja-se o que, inaceitavelmente, tem acontecido no relacionamento dos responsáveis do Município do Porto relativamente ao clube que mais alto e mais longe tem levado o nome da cidade. O caminho a seguir só poderá ser, precisamente, o inverso – percorrido sem azedumes, sem traumas idiotas, sem disputas patéticas de protagonismo, ou meras atitudes vingativas.

E se nos juntássemos todos à volta de um desígnio maior para a cidade, perspetivando o futuro, a cinco ou dez anos, definindo metas e partilhando responsabilidades sem atavismos estúpidos?
Querer viver outra cidade é um desafio que não é fácil e, neste tempo, corresponderá a um gesto político radical que implica, também, um pensamento crítico profundo e eficaz que tem de ser construído. Não podemos, porém, continuar prisioneiros – uns cínicos, outros utópicos, alguns joviais – das crises, medos, antipatias ou, pior, de projetos de poder pessoal.

Amar e pensar a cidade é um imperativo mesmo – ou sobretudo – em tempo de crise.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O que pensaria Sá Carneiro ao ver Ramalho Eanes a presidir À Comissão de Honra da candidatura presidencial de Cavaco Silva?


Rasgar novos horizontes é urgente repelindo o acantonamento geral da sociedade política na apatia do fado lusitano e na crença sebastianistica alicerçada em nada
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Trinta anos passados sobre a tragédia de Camarate, foram muitos os que se dedicaram a recordá-la e a fazer, até, exercícios de “história virtual” - , fição, esta, porém, mais do que trabalho - academicamente sustentado, ainda que com devotos seguidores nestes tempos de loucura vulgar em que vivemos.

Por convicção – e não mera crença – não cultivo o mito, mas acredito no Homem. E, para mim, Francisco Sá Carneiro foi um ser singular, um grande estadista e maior português e, em toda a dimensão da palavra, um revolucionário.

Partilharam a sua vida pública alguns outros homens excecionais, ora apoiando-o ora reprovando-o. Com o seu desaparecimento banalizou-se a democracia, faleceu a coragem, esmoreceu a fé e a esperança num país melhor, abrindo-se a porta a toda a mediocridade que por aí anda.

Hoje, mergulhados num profunda crise – ou, melhor em várias crises, pois que não estamos, apenas, perante uma crise de dimensão financeira e económica – um balofo saudosismo poderá levar-nos a endeusar miopemente o passado. Mas é inegável que nesse passado encontramos homens, ideias e valores que submergiram, entretanto, num individualismo que pesa muito na atualidade, tal como explica historicamente a degradação a que chegamos. Uma pergunta apenas: haverá hoje Homens com força ética e coragem inteletual e física para lutar pela libertação do país, tal como em abril de 74 e novembro de 75?

A meu ver Sá Carneiro, Mários Soares, Freitas do Amaral e poucos mais, estão entre esses eleitos mas não deixaram descendentes para a “apagada e vil tristeza” dos dias de hoje em que nem há ética na política, nem política ética. De lembrar, ainda, a figura impar do Prof. Ernâni Lopes, quem vem de nos deixar, mas que há muito se afastara, porém, da politiquice caseira para defender causas maiores.

Ora é de causas que precisa o nosso país.

Nas questões de mercearia orçamental e financeira, a política já há muito não conta. Sermos, pois, governados, nesse plano, de dentro, ou de fora (pelo FMI) é igual sendo possível, mesmo, que, deixando o resgate financeira do país nas mãos de terceiros, se pudessem evitar o caciquismo local e as exceções às regras gerais impostas por poderes tenebrosos que vegetam aleatoriamente nos corredores da política interna, ou são meras filiais de idênticos poderes sobretudo ligados à especulação financeira internacional.

Os portugueses já perceberam o quanto irão sofrer com a crise e, também, como será difícil, face a uma provável recessão, sair da crise. E não se poderá ignorar, ainda, que a austeridade, quanto mais ampla for, menos eficaz será.

Para voltarmos a uma vida decente – hoje é disso que se trata – temos, é certo, de crescer em termos económicos, mas, sobretudo há que recuperar valores de cidadania e de solidariedade e vencer o inviduocentrismo que nos tolhe. Precisamos, pois, de causas maiores do que nós para lutar e vencer.

É aqui que volta o exemplo de Sá Carneiro e, por contraposição, o de quantos, sem causas, se organizaram em videirinhos interesses e lutas sem sentido alavancadas pela mera ganância do poder ou do dinheiro. São estes, em geral, quem detém os poderes neste tempo dramático e, por mais ambições que tenham, não têm causas que valham a pena.

Rasgar novos horizontes é urgente repelindo o acantonamento geral da sociedade política na apatia do fado lusitano e na crença sebastianistica alicerçada em nada. Tomar como regra de vida e objectivo central o bem-ser (wellbeing) e não, apenas, o bem estar (wellfare) é tarefa urgente mas crucial, tanto quanto ter princípios que se não mercadejam ao sabor dos acontecimentos e dos meros interesses e conveniências pessoais.