quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A GREVE GERAL


A greve geral que vem de ter lugar não continha na sua matriz qualquer conflito laboral mas, fenómenos que estão a mudar as relações de trabalho em geral e o Direito Social em particular.

Ocorreu mais uma greve geral neste nosso martirizado país.

Não cuido, aqui, do seu sucesso ou insucesso, pois isso é parte da “contabilidade” dos sindicalistas-políticos e dos políticos do Governo e das oposições, mas algumas notas soltas, de enquadramento desse facto, julgo que se justificam e, sobretudo, mereceria ampla reflexão a análise das respectivas consequências, tanto quanto das motivações e do seu sentido, neste tempo de vésperas que atravessámos, marcado pelo carácter efémero de toda a realidade social, económica, financeira, civilizacional e cultural.

Os conflitos colectivos de trabalho manifestam-se, por vezes, de forma violenta ou coactiva, como se sabe, designadamente através de greves. Convém recordar, porém, que a greve não é o conflito colectivo de trabalho, mas a sua expressão e que a montante da greve há-de haver, pois, um conflito laboral. Laboral? Esta questão leva-nos à problemática, tão controversa, das finalidades que os trabalhadores poderão prosseguir através da greve – pretensões de ordem laboral ou, também, outras?

A greve é, de qualquer modo, a expressão lícita mais significativa dos conflitos colectivos de trabalho, ainda que haja outras formas de luta colectiva dos trabalhadores, mas sem significado entre nós. Há, porém, outras expressões de tais conflitos em que sobreleva a sua ilicitude por violarem normas e princípios jurídicos: é o caso, por exemplo, da ocupação selvagem de uma empresa, do bloqueio das respectivas entradas, ou o sequestro dos empregadores.

Não é este o caso da greve em apreço.

Dito isto, recorde-se que nos termos da lei, compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, mas tal não significa que estejamos perante um direito ilimitado pois deverão distinguir-se, aqui, dois aspectos, ou seja, o dos fins ou objectivos da greve e o dos meios a utilizar na execução da greve. Se, quanto aos fins ou objectivos da greve, compete, apenas, aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve, já quanto aos meios a utilizar para o seu exercício, o direito de greve está sujeito aos limites da sua própria regulamentação legal, bem como aos princípios gerais do direito.

A greve geral que vem de ter lugar não continha na sua matriz qualquer conflito laboral precisamente determinado e concreto, mas fenómenos que estão a mudar as relações de trabalho em geral e o Direito Social em particular. Sobretudo, porém, gerou-se num sentimento de incerteza e de insegurança generalizado em que tanto trabalhadores como profissionais livres, desempregados e, até, reformados se sentiram irmanados. Neste ambiente releva, ainda, a crise do chamado “Estado-Providência” que é, decerto, um dos problemas políticos mais importantes que se coloca, hoje, aos Estados com todo o cortejo de novos riscos sociais do mundo globalizado a acrescentar à impotência financeira dos Estados para o manter.

Neste caldo de angústias se gerou a greve. Mas não é certo, nem provável, que venha a ter alguma utilidade política – pois é de política que se trata, ou deve tratar, na abordagem do presente estado de coisas. Vivido com mais ou menos folclore esse dia, esgotar-se-à, porém, nele próprio. Ora o que seria necessário era fazer de cada dia um dia de combate cívico e político por uma mudança que tarda já. A greve foi – e vai continuar a ser – o leito onde os partidos políticos que a forjaram, ou dela dependem, vão seguir navegando. Mas não foi – nem será – o levantamento ético, cívico e político que o “mundo da vida” reclama e que exige que se insista no Homem (na pessoa humana e em todas as pessoas) cobrindo os riscos da vida e ultrapassando o individualismo e o hedonismo reinantes.

Isto já não vai com greves.

A nossa dramática actualidade está marcada por dúvidas sem fim, mas temos que lhe dar fortes expectativas; e nisto vai a alternativa entre o civismo e a utopia. Há que seguir pelos caminhos que nos possam levar a algo de radicalmente diferente daquilo que são os tristes tempos de hoje e isso só se alcançará por novos caminhos que combatam o niilismo reinante.

A greve é legítima, mas não tem em si soluções.

A resposta tem de ser outra e, creio, só de uma pujante sociedade civil poderá emergir.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

PORTUGAL 2010: SEJAMOS REALISTAS; EXIJAMOS O IMPOSSÍVEL!


O nosso tempo trocou os símbolos por gadgets e o utilitarismo de tudo se apoderou, incluindo o espírito. É o caminho mais curto, porém, que o Homem já encontrou para o seu aniquilamento total.

Valeria a pena voltarmos a nossa atenção por uns instantes para o que se pensou, escreveu e disse em maio de 1968, em França, nesse movimento de contestação sistémica, utópica, da sociedade e da forma de nela tradicionalmente estar.

Terá sido Marguerite Duras a autora da expressão de combate que encima este texto, segundo Raul Escari, recentemente falecido, deixou escrito.

Hoje, quem, em Portugal, estará, porém, em situação ética e política de lançar o mesmo grito?
E é tão urgente exigir, hoje, o impossível, outra vez e aqui!

O nosso tempo trocou os símbolos por gadgets e o utilitarismo de tudo se apoderou, incluindo o espírito. É o caminho mais curto, porém, que o Homem já encontrou para o seu aniquilamento total.

Ora, há que reagir, também em Portugal e depressa. Ou mudamos profundamente a forma de viver o fenómeno político em sentido lato (económico, financeiro e social) ou a alternativa é o abismo porque o mundo já não é o que foi antes e, crises, nunca mais nos deixarão neste modelo de sociedade neo-liberal em que estamos atulhados.

Restart é um palavrão do novo topo discursivo que me leva a outro: start up nation. Sim, temos de pôr tudo em causa e de começar de novo por muito que tal nos custe. Arriscando tudo, abraçando novos modelos de vida e de governação, apoiando novos actores sociais, noutros paradigmas de vida, reclamar outro Estado, mesmo. Não podemos mais manter os hábitos do passado, as formas de vida tradicionais, as incongruências da vida política, parados pela nostalgia do que já não é.

Rasgar o passado e olhar para o futuro implica, decerto, alguma loucura. Mas também disso precisamos. E é por isso que aqui vou deixar desafios e desejos para o primeiro ministro que me oiça, mas, sobretudo, para todos os inconformados com este viver indizível que levamos.
Tenho por indefectível, assim, que Portugal só mudará do lamaçal atual se a capital do país sair de Lisboa. Lisboa foi – e quer continuar a ser – a desditosa capital de um Império que já não existe. O que existe é um país desertificado, macrocéfalo, com fome já aqui e ali, sem rumo, sem capacidade para se governar. Lisboa será sempre, é claro, uma grande metrópole, mas a capital do país deveria cortar todas as metástases com esse espaço serôdio. E não se pense que estou a defender que seja o Porto a nova capital, pois entendo que deveria ser uma nova cidade (construída de novo e à feição) no centro do país, triangulando com Lisboa e Porto, designadamente, o que se deveria, também, traduzir um grande desígnio nacional, democrático, solidário e humanista. Recordo, a propósito, que Brasília é, para o caso, um bom exemplo como cidade construída de raiz e no centro do Brasil e que a Coreia do Sul tem um projecto de construção de uma nova capital em substituição da supercongestionada Seul. E outros exemplos existem (Washington, Camberra, Islamabad, etc.).

Igualmente não tenho dúvidas de que deveria acabar o financiamento público dos partidos políticos. Viveriam das contribuições (todas registadas, claro!) dos seus filiados e de actividades sócio-políticas (conferências, seminários, etc.) que realizassem. Seria o fim do regabofe atual que, mais dia, menos dia, vai levar ao fim do regime até porque, hoje, os partidos não são muito mais, em geral, do que agências de emprego e intermediários de negócios em que está em jogo, afinal, o dinheiro do Estado.

Os deputados da nação, eleitos em círculos uninominais, passariam, por seu turno, a representar o seu eleitorado e deveria ser valorizado o deputado independente. Além disso deixariam de ter uma retribuição fixa, mas, tão-só, em função do desempenho – senhas de presença, por exemplo). Talvez assim acabasse o carreirismo que vem matando a democracia.

Uma parte significativa dos operadores financeiros (banca, seguros e outras entidades desse universo) deveriam, também, estar na mão do Estado em, pelo menos, 50% do seu capital. Recorde-se que foram estes operadores, em mercado livre, que foram os detonadores da crise… e, agora, os primeiros “desgraçadinhos” a reclamar mais apoios.

Termino aqui. Hoje.

Afinal, porém, não disse, ainda, quase nada…

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O SOCIALISMO CEGO, SURDO E MUDO


Hoje a maioria dos partidos estão nas mãos dos "jotas" que nada mais fizeram na
vida do que política partidária.

O mito é o nada que é tudo (Fernando Pessoa, Ulisses).

O socialismo hodierno, também, mas ao invés.

Em ensaio recentemente publicado (Os Valores da Esquerda Democrática – Vinte Teses Oferecidas ao Escrutínio Crítico, Almedina, 2010) o Doutor Augusto Santos Silva, actual ministro do governo de Portugal, propôs-nos “um exercício sobre os valores da esquerda democrática”. Lúcida reflexão, decerto, mas a meu ver, demasiadamente contaminada pela paixão que o trespassa e pelos conflitos que, aliás, não escamoteia, entre o ser e o dever ser da esquerda democrática.

Ser, hoje, socialista – ou social democrata, ou outra coisa qualquer – perdeu todo o alcance e significado. A doutrina política, as concepções políticas, ou as ideias políticas, na medida e enquanto se referem a esquemas teóricos para os problemas da organização da coisa pública com vista a alcançar a realização de um núcleo fundamental de valores (Rogério E. Soares) são uma miragem, na nossa democracia. E isto diz o povo, também, na sua sabedoria: “Eles são todos iguais!”
A linguagem politicamente correcta do pós 25 de Abril manda defender os partidos políticos como referencial da democracia. Mas a verdade pura e dura aponta noutro sentido e, quando procuramos entrever a outra face, a face oculta dos partidos, é deplorável o cenário que se nos apresenta. E nem era preciso vir, tarde e a más horas, o Presidente da República, em palavras ambíguas, criticar recentes debates parlamentares para chegarmos à mesma conclusão.

Os partidos que temos não prestam.

As leis que os formatam e à sua actividade (designadamente financeira) são desprezíveis à luz do momento actual. A corrupção não cessa de alastrar no seio dos poderes instituídos. Só os cegos é que não vêm.

A continuadamente adiada reforma da lei eleitoral, com a criação de círculos uninominais a par de um círculo nacional onde vigorasse a proporcionalidade, permitiria, porventura, um reforço da legitimidade pessoal dos deputados e uma menor dependência das direcções partidárias, o que se traduz, há muito, num dos maiores males da democracia parlamentar. Mas tal não convém aos donos dos partidos que se tornaram em pouco mais do que agências de empregos.

Hoje a maioria dos partidos estão nas mãos dos "jotas" que nada mais fizeram na vida do que política partidária e, assim, a qualidade dos políticos baixou drasticamente em Portugal nas últimas décadas, o que se torna evidente se compararmos a composição dos primeiros parlamentos, após 1974, com a actual realidade parlamentar. É certo que naquele momento estavam em jogo muitos valores essenciais, e não era, mesmo, seguro que a liberdade prevalecesse no país, o que, tudo, levou pessoas de qualidade a sentir o apelo da política e a empenharem-se nas questões da res publica.

Que saudades!

É preocupante a tendência monopolista actual dos partidos e que leva ao total descrédito da classe política. Vale isto por dizer que, também, o socialismo que se configura nas palavras dos políticos actuais é cego, surdo e mudo. Tal como outras tendências ou orientações partidárias está alheado completamente de quaisquer valores políticos, de qualquer ideologia ou doutrina. No ideário socialista há de tudo, como na farmácia e, prevalecendo-me da mesma imagem, o socialismo é como o “Melhoral”: não fez bem, nem faz mal. E os outros não se diferenciam desta categorização.

É por isso altura de dizer basta e de recuperar a soberania popular.

“Pior do que está não fica”.

Vivemos numa falsa democracia pontual, ocasional, descontínua na sua substância em que nada é verdade firme e tudo é feito de mudança imponderada, circunstancial e precária. Ninguém sabe o que vai ser o dia de amanhã e, o de hoje, foi mais um bloqueado, adiado, que não mais volta.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

CIDADÃOS, POLÍTICOS E CORRUPTOS

Vivemos dias patéticos e de desespero sem líderes à altura da crise atual e sem ideias diferentes e melhores para um outro futuro, porventura, apenas, com alguma astúcia para a mera sobrevivência.

A política que há-de vir - política como doutrina, como ideologia, como arte, como ciência e como técnica - concebida por verdadeiros estadistas, ou imposta por um qualquer FMI a Portugal, não poderá passar ao lado de algumas questões, inelutáveis e inadiáveis, do nosso tempo, e de lhes procurar dar solução porventura alterando, mesmo, radicalmente o padrão de vida dos portugueses e o modelo de Estado que foi sendo construído no último meio século. E terá de o fazer, decerto, contra o populismo em que se deixou encurralar a democracia e que a está a destruir.

As questões, de hoje e do futuro, que mais preocupam países como o nosso, são o envelhecimento da população, o modelo social construído em torno de direitos impraticáveis, o crescimento, impossível de sustentar, com despesas na área da saúde e a imigração. Não serão as únicas questões, é certo, mas todas as demais não contarão se estas não forem devidamente resolvidas. Na verdade, as maleitas, graves, do quotidiano, como a dívida pública e o défice orçamental, o desemprego, a agonia da economia e outras de idêntica penosidade, são marginais àqueles grandes temas e problemas e encontrarão solução, mais ou menos sofridamente, com qualquer governo e num prazo mais ou menos alargado segundo a sua competência técnica.
Os outros problemas é que não.

Não são questões técnicas, mas de civilização.

Não são problemas de politiquice caseira, mas de Estado.

Não envolvem, apenas, o voluntarismo de cada um, mas a confiança de todos num outro paradigma da vida e nos seus novos protagonistas.

Vivemos dias patéticos e de desespero sem líderes à altura da crise atual e sem ideias diferentes e melhores para um outro futuro, porventura, apenas, com alguma astúcia para a mera sobrevivência. E com tanta irresponsabilidade à solta, tanto populismo disfarçado de patriotismo e de defensor dos pretensos mais carenciados, tanta falta de uma visão estratégica para o futuro do país, a democracia, mais ou menos formal em que nos movemos, corre sérios riscos de um colapso fatal.

De resto, há muito já que apodrece.

E enquanto tudo isto acontece vão surgindo, como cogumelos, casos de exploração ilegítima e desenfreada dos dinheiros do Estado – que é, afinal, o nosso, de contribuintes e consumidores que, também neste caso, deixam quantidades assustadoras de dinheiro nos cofres do Estado (é a situação que se evidencia quando compramos combustíveis ou circulamos em auto-estradas, por exemplo).

Como é, pois, possível conter a revolta quando a cupidez de certos dirigentes políticos vem à luz do dia evidenciando como, sem escrúpulos, alguns enriquecem sem limites e sem regras enquanto o cidadão comum é asfixiado pelo Estado com impostos e cortes dolorosos nas suas condições materiais de vida?

Ao nosso lado encontramos, crescentemente, pessoas que se limitam a sobreviver – ou a adiar a vida. Deparamos, por outro lado, com manifestações de riqueza inexplicáveis, ou, apenas, compreensíveis à luz de vidas sufragadas pela exploração dos outros e pela corrupção financeira, criminalidade desconcertante em que é, sobretudo, o Estado quem é mais atacado.
O problema principal do Estado, hoje, será o da definição das suas funções futuras, e, logo, do orçamento a afectar às mesmas. Mas aqui eu não posso esquecer que se não fosse a Escola Pública eu, porventura, oriundo de humilíssima família, não saberia hoje ler nem escrever; se não fosse o Hospital Público já não estaria cá para escrever estas indigentes crónicas; sem a protecção do Estado social teria, porventura os dias de vida abreviados pelas carências de quem foi verdadeiramente pobre.

Querem, cegamente, acabar com o Estado social? De verdade?

Eu vou por outro lado. Proponho que se puna severamente – duramente – quem colhe do Estado aquilo a que não tem direito num país que se quer solidário, quem corrompe e quem se deixa corromper com dinheiros públicos, quem utiliza o poder que tem no altar do Estado para explorar os ignaros cidadãos e, também, para desse palanque arrebanhar influências, fazer lobbie ilegítimo, vender promessas e favores, tratar no Parlamento e na Administração Pública de negócios meramente pessoais, promiscuir-se entre o público e o privado conforme os seus interesses materiais mais vis.

Com o ar de ungidos pelos deuses que mostram nos momentos solenes, muitos dos que dizem servir o Estado não fazem mais do que roubar-nos.
A todos.