quarta-feira, 27 de outubro de 2010

PORTUGAL DEPOIS DA CRISE


Não podemos viver afogados em pulsões pessimistas, antes temos de olhar o sublime que também está entre nós

Andam por aí alguns a apregoar que somos um país indigente, sem soberania e periférico à espera do golpe mortal dos mercados financeiros internacionais, senão dos rivais castelhanos.

É uma ideia tonta, mas que temos de ouvir, às vezes sem poder ripostar, ou, melhor, sem os mesmos meios ao dispor para utilizar alegando e provando o contrário.

O que os mesmos idiotas não dizem, por astuta conveniência, é que a nossa economia – a democracia económica (e social) – foi capturada e vive a ditadura dos poderes financeiros de dentro e de fora. E é aí que reside a crise e, logo, é essa situação que terá urgentemente de mudar.

Festejamos, descontraidamente e embasbacados, há dias, cem anos da República e ninguém se lembrou de que o dia 5 de Outubro é muito mais que uma data ideológica – é a data da fundação de Portugal em 1143. E de que, desde então, somos soberanos (apesar do interregno de 1580-1640) e muito mais (e há mais tempo) soberanos, até, do que a maioria dos nossos vizinhos europeus ricos e tudo.

Periféricos? A questão suscita outra: onde é que, hoje, no mundo global, está o centro.

Afirmar que na costa ocidental da Europa se situa a periferia é argumento ou conclusão simplista e sem fundamento. Somos um país euro-atlântico numa encruzilhada de civilizações e de rotas comerciais que nos abrem horizontes incalculáveis. Ora condenarmo-nos, nós próprios, à periferia é um acto indigno do ser português. O que é preciso é projectar Portugal no mundo em causas ou desígnios de inequívoca centralidade porque o que conta, hoje, não é onde estamos, mas, sobretudo, para onde queremos ir. E nisto vai um desafio – outros diriam “ambição” – que não pretende iludir a questão maior, porventura, da economia actual que é a relativa ao facto de o centro do mundo dos negócios já não ser a Europa, mas o Extremo Oriente (a China e não só). A antinomia que se suscita é, porém, meramente aparente porque, ainda que geograficamente o nosso país não esteja nesse centro, nada impede que vá ao seu encontro e o conquiste. Foi o que já fizemos no século XV ao desvendar a primeira aldeia global e se nos impõe fazer, decerto noutros termos e condições, na actualidade.

Há que pensar, com carácter de urgência, “Portugal depois da crise”. Esta está-se a colar, de facto, demasiadamente ao nosso rosto e a desfigurá-lo. Um dia destes confundir-se-á com a nossa própria identidade se nada for feito para atalhar, também, psicologicamente, esse mal. É que já se vê crise até onde ela não existe; se fala de crise como se fala dos penáltis de um qualquer jogo de futebol; se atira a toalha ao chão só de pensar em crise; se faz, afinal, crise a partir da crise num turbilhão exponencial de atitudes negativistas muitas vezes sem sentido.

Não vai aqui decretado o fim de uma certa e, mesmo, profunda crise financeira, económica e social em Portugal, nem, tão pouco, se desvaloriza o sofrimento que aflige muitos portugueses nesta difícil conjuntura. Mas não é a repetição de pensamentos negativos que resolverá qualquer questão e daí que fosse patrioticamente aconselhável que, também os meios de comunicação social, onde imperam interesses difusos porventura beneficiados pela crise e, bem assim, certos comentadores que não teriam espaço mediático nem narrativa fora dessa temática, se transfigurassem olhando o outro lado do presente e, sobretudo, o que o futuro pode vir a ser.

Precisamos de energia vital.

Não podemos viver afogados em pulsões pessimistas, antes temos de olhar o sublime que também está entre nós (cf. Bernard Stiegler, Ce qui fait que la vie vant la peine d’être vécue, Flammarion, 2010).

Em alguma medida a crise somos nós.

Com certeza que só nós poderemos, pelas nossas convicções, vencê-la.

Vamos começar, desde já, a pensar “Portugal depois da crise”?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

HÁ MAIS PORTUGAL PARA ALÉM DA CRISE!


Basta de “glorificar” a crise e de desprezar as nossas capacidades
de viver uma vida decente.


Os protagonistas de um novo País não sairão jamais de um certo “Portugal sentado” que se compraz diante do luxo e do lixo que certa comunicação social lhe mete pela boca abaixo em cada dia e a toda a hora.

É necessário ter bem presente que esta, muitas vezes, despudoradamente e à má-fila, também faz escolhas políticas apesar da sua pretensa independência, promove as carreiras dos que escolhe segundo os seus interesse e a dos que a sustentam, enquanto ignora o que não lhe traz lucro. A coberto de uma falsa ideia de liberdade de expressão – liberdade que, inegavelmente, é melhor ter que não ter – todos os dias a nossa consciência é violada sobretudo se não nos impusermos critérios de selecção muito rigorosos. Apresentando-se, assim, como independente, em regra disponibiliza apenas o que lhe convém materialmente, isto é, as notícias que rendem, por um lado e, por outro, aquelas que servem os interesses dos patrões que os mantêm e os dos seus amigos políticos e financeiros.

Ora esta malfadada situação é, também, uma fonte de crise, protagonista da crise, beneficiária da crise e, também, crise.

Tem, porém, de haver – e há – mais Portugal para além da crise real e daquela que nos é “vendida” todos os dias por uma comunicação social de natureza ainda feudal, onde as redacções já pouco ou nada contam enquanto muitos jornalistas são, em regra, meros servos da gleba, paus mandados de ideologias disfarçadas de liberdade de imprensa.
Parece, aqui, que nada de bom e a salientar acontece neste país de carpideiras, mas acontece! – o que, porém, não vem às luzes da ribalta comunicacional a não ser como excepção. E daqui é que chego à conclusão de que a comunicação social é, também, responsável pela crise que atravessamos na medida em que dela vive, é o seu negócio.

Convém, de passagem, referir que a comunicação social a que se alude não se confunde com os jornalistas, nem na sua natureza nem na dos interesses que defendem. Mas é claro é que tudo poderia ser diferente com melhores jornalistas, verdadeiros jornalistas e não meros serventuários dos poderes diversos que se escondem atrás da comunicação social. Sem bons jornalistas não há, com efeito, uma opinião pública informada e forte que lucidamente possa afirmar-se perante os políticos em geral e os que nos governam em particular. Mas onde param os bons jornalistas, credíveis e independentes? Quando os poderes financeiros se encontram por trás do que lemos, ouvimos e vemos nos média o que está em causa não é apenas a liberdade de imprensa – é negócio, são interesses e todo o cortejo de prepotência que neles se penduram.

Independentemente do que nos chega ou vamos beber ao que se diz, escreve e mostra na comunicação social, estamos numa sociedade que atravessa sérias dificuldades e não poderemos continuar a viver na singeleza perversa do efémero, do transitório, do instante que passa. Não terá qualquer futuro, de facto, uma sociedade que rejeita tudo o que lhe exige um mínimo de esforço e de sacrifício; uma sociedade sem valores e sem solidariedade; uma sociedade que não tem um destino assumido colectivamente para além do tempo da crise.
Creio que os portugueses têm de assumir duas ideias simples mas essenciais: todos temos que passar por sacrifícios (sem deixarmos de ser uma nação solidária) e, também, urge recuperar o sentimento são de orgulho nacional.

Basta de “glorificar” a crise e de desprezar as nossas capacidades de viver uma vida decente. Os portugueses – e, porventura outros nesta Europa à deriva – viram ser-lhes sequestrado o direito à inteligência em prol de um pensamento único mais que discutível. Há que dar um valente safanão na “coisa pública” e nas mentalidades ou não haverá amanhã.

HÁ MAIS PORTUGAL PARA ALÉM DA CRISE!


Basta de “glorificar” a crise e de desprezar as nossas capacidades
de viver uma vida decente.


Os protagonistas de um novo País não sairão jamais de um certo “Portugal sentado” que se compraz diante do luxo e do lixo que certa comunicação social lhe mete pela boca abaixo em cada dia e a toda a hora.

É necessário ter bem presente que esta, muitas vezes, despudoradamente e à má-fila, também faz escolhas políticas apesar da sua pretensa independência, promove as carreiras dos que escolhe segundo os seus interesse e a dos que a sustentam, enquanto ignora o que não lhe traz lucro. A coberto de uma falsa ideia de liberdade de expressão – liberdade que, inegavelmente, é melhor ter que não ter – todos os dias a nossa consciência é violada sobretudo se não nos impusermos critérios de selecção muito rigorosos. Apresentando-se, assim, como independente, em regra disponibiliza apenas o que lhe convém materialmente, isto é, as notícias que rendem, por um lado e, por outro, aquelas que servem os interesses dos patrões que os mantêm e os dos seus amigos políticos e financeiros.

Ora esta malfadada situação é, também, uma fonte de crise, protagonista da crise, beneficiária da crise e, também, crise.

Tem, porém, de haver – e há – mais Portugal para além da crise real e daquela que nos é “vendida” todos os dias por uma comunicação social de natureza ainda feudal, onde as redacções já pouco ou nada contam enquanto muitos jornalistas são, em regra, meros servos da gleba, paus mandados de ideologias disfarçadas de liberdade de imprensa.

Parece, aqui, que nada de bom e a salientar acontece neste país de carpideiras, mas acontece! – o que, porém, não vem às luzes da ribalta comunicacional a não ser como excepção. E daqui é que chego à conclusão de que a comunicação social é, também, responsável pela crise que atravessamos na medida em que dela vive, é o seu negócio.

Convém, de passagem, referir que a comunicação social a que se alude não se confunde com os jornalistas, nem na sua natureza nem na dos interesses que defendem. Mas é claro é que tudo poderia ser diferente com melhores jornalistas, verdadeiros jornalistas e não meros serventuários dos poderes diversos que se escondem atrás da comunicação social. Sem bons jornalistas não há, com efeito, uma opinião pública informada e forte que lucidamente possa afirmar-se perante os políticos em geral e os que nos governam em particular. Mas onde param os bons jornalistas, credíveis e independentes? Quando os poderes financeiros se encontram por trás do que lemos, ouvimos e vemos nos média o que está em causa não é apenas a liberdade de imprensa – é negócio, são interesses e todo o cortejo de prepotência que neles se penduram.
Independentemente do que nos chega ou vamos beber ao que se diz, escreve e mostra na comunicação social, estamos numa sociedade que atravessa sérias dificuldades e não poderemos continuar a viver na singeleza perversa do efémero, do transitório, do instante que passa. Não terá qualquer futuro, de facto, uma sociedade que rejeita tudo o que lhe exige um mínimo de esforço e de sacrifício; uma sociedade sem valores e sem solidariedade; uma sociedade que não tem um destino assumido colectivamente para além do tempo da crise.
Creio que os portugueses têm de assumir duas ideias simples mas essenciais: todos temos que passar por sacrifícios (sem deixarmos de ser uma nação solidária) e, também, urge recuperar o sentimento são de orgulho nacional.
Basta de “glorificar” a crise e de desprezar as nossas capacidades de viver uma vida decente. Os portugueses – e, porventura outros nesta Europa à deriva – viram ser-lhes sequestrado o direito à inteligência em prol de um pensamento único mais que discutível. Há que dar um valente safanão na “coisa pública” e nas mentalidades ou não haverá amanhã.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

RECORDANDO O ÚLTIMO EMBAIXADOR DA UNIÃO SOVIÉTICA


Então, como hoje – e sempre! – as questões da cidadania têm de ter eco no
nosso pensar e agir quotidianos
.

Gennadi Gerasimov é um nome que, hoje, não dirá nada a ninguém, ou a quase ninguém. Morreu há dias e recordo-o, aqui, menos por ter sido o último Embaixador da União Soviética em Portugal, e, mais por, pouco tempo antes de deixar de o ser, ter proferido uma conferência no Forum Portucalense, Associação Cívica Para o Desenvolvimento da Região Norte, no ano de 1993, no Porto.

Viviam-se, então, os tempos da perestroika e da glasnost cujo desfecho todos conhecemos ao ter acabado com um mundo bipolar. E só nesse contexto foi possível ouvir falar da política do bloco soviético no seio da sociedade civil que o FORUM, no transe, representava.

Recordo esse evento como algo de memorável pelos horizontes que esse homem nos abriu no discurso com que nos brindou, tanto quanto por ter sublinhado, então, a importância que ele conferia à sociedade civil.

Infelizmente a evolução que posteriormente se verificou a Leste não trouxe à Rússia uma democracia exemplar, já que as liberdades civis são pura retórica nesse país, se torturam os tchetchenos sem piedade, se assassinam jornalistas incómodos e vão para a prisão frequentemente ativistas dos direitos humanos, no que tudo vai, também, o desprezo dos políticos pela sociedade civil que Gennadi Gerasimov tanto prezava.

Então, como hoje – e sempre! – as questões da cidadania têm de ter eco no nosso pensar e agir quotidianos sendo de pouco relevo a posição que, geralmente é a nossa, de meras testemunhas da História. Foi, na altura, de grande interesse ouvir, no Porto, uma voz como a de Gerasimov a prenunciar novos horizontes mas, o mais importante, para além da compreensão que alcançamos, então, daquele tempo de mudança, haveria de ter sido o fortalecimento das ideias de liberdade e do papel da sociedade civil na sua instauração e defesa.

A linguagem corrente, sobretudo a de cariz político-partidário, está enfeudada a mitologias banais, de esquerda e de direita, a falaciosas construções ideológicas e a cedências escandalosas ao facilitismo da “cultura” de massas e ao populismo eleitoralista. É, neste tempo, urgente o regresso às “coisas do espírito”, à inteligência e à razão, com o consequente desprezo pelos arranjos táticos de interesses ocasionais. Urge voltar a ouvir, então, personalidades como a que aqui se evoca e seguir-lhes os passos sem desfalecimentos. Ora é aqui que a sociedade civil ganha dimensão e deve estar presente através de atos e manifestações participadas por todos os cidadãos. É que é irrelevante para a vida e para o devir integrar passivamente o espaço que alguém já designou por “Portugal sentado” – as mulheres e os homens deste país curvados perante um qualquer discurso ou debate na comunicação social, em particular nas televisões e perante os quais não têm a mínima possibilidade de perguntar, de contrariar o que se ouve, de afirmar o que se pensa. Este é o país das testemunhas, porventura dos Pilatos, mas não a de cidadãos verdadeiros.

É por tudo isto que instituições como o FORUM PORTUCALENSE, comprometidas apenas com a liberdade e a dignidade de todos os cidadãos e não com quaisquer ideologias, são necessárias ao afirmarem uma “sociedade de pé” perante tantas e tão subtis formas de captura da cidadania que hoje estão quase sacralizadas. Enquanto os partidos e os seus sócios se comprezem na mutilação das ideias e projectos uns dos outros, nas associações cívicas encontram-se viveiros reais de novos cidadãos abertos ao mundo e ao futuro e dispostos a combater pela cidadania num tempo de desorientação e de angústia.

Ninguém é, decerto, dono da verdade ou, dito de outro modo, a verdade é a soma de muitas verdades. Exige-se, para aí chegar, uma sociedade aberta, plural, empenhada e comprometida com a cidadania que está cada vez mais distante, infelizmente, dos partidos políticos do nosso presente.