quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ASSOBIAR PARA O LADO, O DRAMA NACIONAL

Basta de cantigas de amor e maldizer entre políticos que só de si cuidam e do seu futuro patrimonial no maior desprezo pelo País. De si e dos seus amigos.


Salvo cada vez mais raras as excepções, o que os dirigentes políticos portugueses mais priveligiam, e no que são sábios especialistas, é em assobiar para o lado na expectativa de que os problemas do país se resolvam por si, que outros os venham resolver ou, mesmo, que já não estejam em instâncias de responsabilidade específica quando for preciso tomar decisões drásticas – as que já todos esperamos mas de que ninguém quer falar, muito menos os políticos do poder e, também, os que almejam sê-lo.

Afinal o que a todos move é o objectivo primeiro de conquistar – ou não perder – o poder. E passando isso, necessariamente, pelo sucesso eleitoral, tal implica um permanente jogo entre a verdade e a mentira que, pelo menos, confunda o eleitorado, o anestesie ou, então, o embale em utopias e quimeras fantasmagóricas.

Jacques Attali, no Livro “Breve História do Futuro” (Dom Quixote, 2010), fez incluir na respectiva tradução portuguesa, algumas reflexões que, a meu ver, deveriam voltar a um lugar cimeiro das nossas preocupações nacionais tendo em vista um futuro melhor. Entre outras apreciações que faz, Attali refere que Portugal “nunca conseguiu formar, promover, nem acolher uma classe criativa: nunca formou, em número suficiente, marinheiros, engenheiros, investigadores, empresários, comerciantes, industriais; nunca atraiu para o seu território suficientes cientistas, financeiros, fundadores de empresas: apenas teólogos, militares, senhores feudais, artistas comanditados pelo poder, e administradores encarregues de sintetizar e de administrar, mas sem correr riscos”. E, sintetiza, o seu pensamento dizendo que nunca soubemos reger-nos pelas leis da história do futuro (que o seu livro aborda) entre as quais, no que a nós, portugueses toca, seriam, nomeadamente “suscitar o desejo de um destino comum; favorecer uma criação mais livre; constituir um grande porto e uma grande praça financeira; fornecer aos cidadãos, de modo equitativo, formação nos novos saberes; dominar as tecnologias do futuro; elaborar uma geopolítica; constituir as alianças necessárias”. E conclui, de seguida, com um desafio já tantas vezes aqui também, assinalando: “Portugal encontra-se numa posição geográfica crucial: no cruzamento da América, da África e da Europa; pode fazer uso de um extraordinário potencial de crescimento se aproveitar esta localização triplamente vantajosa.
Vindo de alguém que, não sendo português, é um homem do nosso tempo, da política (francesa e europeia), de valores, não podem estas reflexões deixar-nos indiferentes.

E se Attali tiver razão? (Eu creio que tem…).

Hoje, mais do que nunca, deveriam voltar bandeiras nacionais às janelas dos portugueses, porventura com raiva pelo sofrimento que nos sacode mas, sobretudo, como expressão da vontade de vencer que nos deve animar. E um slogan a soltar dos escaninhos da nossa alma deveria ser “Ame Portugal ou deixe-o”.

É urgente, de qualquer modo, encarar com verdade, realismo, saber e inteligência a situação do país, já que nada se resolverá jamais com meias verdades, ilusões ou fantasias e, menos ainda, com mentiras. São precisos estadistas com convicções – não com meras crenças, irracionais e infundadas – e com vontade, autoridade moral e política, para dar sentido ao que é preciso fazer. E é necessário traçar um itinerário para lá chegar.

Corte-se na despesa pública se é preciso. Mas com verdade e frontalidade.

Eliminem-se serviços e organismos ocos no organigrama do Estado. Já.

Restrinjam-se apoios sociais, subsídios e isenções fiscais e outros donativos populistas. Com audácia, mas sem olvidar a solidariedade nacional.

Faça-se isso tudo mas fundadamente e com um sentido claro do amanhã.

Basta de cantigas de amor e maldizer entre políticos que só de si cuidam e do seu futuro patrimonial no maior desprezo pelo País. De si e dos seus amigos.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

COM A MORTE NA ALMA

Vivo com a morte na alma perante tanta atrocidade e tão pouca justiça; tanta politização da justiça e tão precária aplicação do Direito.

Não sei, nem tenho que saber, se José Sócrates é inocente ou culpado nos tantos casos em que se tem visto embrulhado, mas já tenho a certeza, enquanto cidadão que vê, ouve e lê, que há para aí muita gente, de má índole e perseguindo interesses inconfessáveis, que se realiza na medida em que o procura destruir. A ele e a outros governantes ou responsáveis da nossa vida pública. E nisto não vai qualquer opinião político-partidária, mas uma avaliação cívica, cidadã, de jurista porventura, a respeito dessas múltiplas situações conflituosas que o têm envolvido e a que apenas dou, hoje, relevo quer porque não quero lavar as mãos, como Pilatos, relativamente a um grave tema recorrente da nossa vida pública, quer porque só se vê bem quando se guarda alguma distância e se deixa passar o tempo necessário para, com os olhos lavados, não se ser sectário. O que pretendi alcançar, no caso.

Sou advogado e, no exercício desta digna profissão, vivo com a morte na alma perante tanta atrocidade e tão pouca justiça; tanta politização da justiça e tão precária aplicação do Direito.

Confesso, pois, que não entendo – e será que alguém consegue entender? – que venham a público declarações de alguns do Ministério Público arrogante e medíocre que temos dizer o que lhes apetece, desenfreadamente, sobre titulares de órgãos de soberania, no espaço público, e completamente fora dos seus poderes e competências legais?

O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei, segundo estabelece a Constituição. Não goza, porém, de um estatuto de independência, neste momento – e ao contrário do que tanto pretendem alguns – ainda que, por vezes, ande por aí à rédea solta. A independência, recorde-se, é uma noção negativa que significa que, quem dela goze, não está sujeito a qualquer poder exterior. Ora o Ministério Público está sujeito a uma hierarquia que, por vezes, não se vê, ou porque não tem poder suficiente para enfrentar os lóbis sindicais que pululam no sector, ou porque simplesmente não quer exercer os poderes que tem. O que, em qualquer caso, é de lamentar já que deixa essa entidade em plena auto-gestão. E todos sabemos o que isso pode significar para o declínio da justiça e, até, da democracia.

É obvio que a censura que aqui – expressamente - se deixa ao Ministério Público vai no sentido de uma crítica livre de pensamento livre, tal como a ideia de censura, aliás, era entendida no século XVIII e não, como algo de vexatório.

O silêncio cúmplice dos operadores da justiça não é mais tolerável.

É preciso falar claramente, também sobre a Justiça.

É urgente perder o medo de certos togados.

É um imperativo ético denunciar conúbios político-judiciais, a judicialização da política e a politização da justiça.

Não se veja, nesta breve crónica, um retomar de factos e argumentos já esclarecidos e geralmente reconhecidos relativamente ao tristemente célere caso Freeport, mas, apenas, a intenção de olhar de outros sítios – porventura mais improváveis – a decadência política deste país, chamado Portugal, na área da Justiça.
Ao pretender-se, aqui, colocar algumas legendas neste filme, emerge, entre o demais, com dramático fulgor, a carência de recursos e capacidades do Estado português para assegurar uma função essencial da soberania moderna: a Justiça. E, com isto, vai ao fundo a relação de confiança que deveria ser preservada, a todo o custo, entre o poder político e a sociedade civil, aliás esta desde sempre frágil entre nós, mas, agora, cada vez mais moribunda.

Como vem nas palavras de Paneloux (Albert Camus, A Peste, Livros do Brasil, 2009, p. 89): «Meus irmãos, a desgraça caiu sobre vós; mereceste-la, meus irmãos» (…) «Se hoje a peste vos olha é porque chegou o momento de reflectir. Os justos não podem receá-la, mas os maus têm razão para tremer».

Temos a justiça que merecemos ou, pior, a que queremos – ou a que convém a alguns. O campo está minado por conflitos institucionais, muita incompetência profissional e mil interesses mesquinhos de certos poderosos da nossa praça. E a justiça não quer ou não sabe já lidar com as suas insuficiências e ineficiências curvada, também, ao peso dos mais ricos, dos mais fortes ou dos mais espertos. A sua legitimidade social nunca esteve tão degradada.

Chegou o momento de reflectir. E, sobretudo, de agir.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

UMA REVISÃO CONSTITUCIONAL ESQUISITA

O PSD que, ainda anda à procura de algumas ideias para rever o seu próprio programa partidário, já quer rever a Constituição

Os dos partidos engendram, às vezes, macacadas que, por mais boa vontade que um simples cidadão tenha, não consegue perceber.

Vá lá, pois, entender-se esta imprevista e atrabiliária ereção constitucionalista do PSD que, ainda à procura de algumas ideias para rever o seu próprio programa partidário, já quer rever a Constituição da República, o que se traduz, afinal, nem mais nem menos, em começar a construir a casa pelo telhado. Quando não se sabe para onde se vai, todos os caminhos servem, afinal, para nos levar lá. É bem verdade.
Valha-nos Santa Engrácia!

O PSD, de resto, há muito que não tem um programa político actualizado. Nem o virá a ter enquanto se situar no mero centro ideológico dos interesses e negócios do Estado e à procura, consequentemente, de ser poder a qualquer preço.

É um partido típico do Estado agenciador de negócios e distribuidor de benesses e, apesar do ar sebastianístico do novo líder, não parece querer, de verdade, mudar senão de pele.

É pena e é grave, tendo em conta toda a sua história.

Não consegue, pois, rever, sequer, o seu programa partidário, mas quer rever a Constituição. Haja, pois, algum decoro.
Ora bem. Como escreveu Karl Popper, não será bom, nem de bom sinal, rever imprevidentemente uma Constituição sobretudo por razões menores. Já será, segundo o mesmo pensador, algo de bom e, até, conveniente “para manter viva a consciência do seu significado” discuti-la criticamente e em qualquer momento que a tal seja propício.

Rever, por um lado. Discutir por outro. De modo nenhum, porém, rever sem discutir criticamente. E a crítica política, com base na Ciência Política e na Ciência do Direito constitucional, é coisa que nunca o PSD foi capaz de fazer, com excepção, porventura, do debate aprofundado que ocorreu aquando da revisão constitucional de 1982.

Cumpre, desde já, assinalar que nenhum dos temas objecto da pretendida revisão se vinculava, em rigor, à resolução dos magnos problemas por que passamos todos neste país sem rumo. O que o PSD abriu foi uma frente de batalha partidária reduzida, afinal, à intenção de abrir brechas no governo e no partido que o apoia e com vista a negociar uma eventual partilha do poder, com ou sem eleições intercalares.

Eis a luta político-partidária por excelência e no seu auge!

Mas o que pretende mudar-se?

Algo difuso no que toca ao Serviço Nacional de Saúde, desde logo.
Depois, alterações no sistema político – como a dissolução do parlamento sem o condicionamento dos prazos actuais ligado à eleição do Presidente da República. Confuso.

Alterações de simples carácter proclamatório. Inútil.

Mudanças de carácter jurídico-laboral. Maquilhagem política.

E fiquemos por aqui, que o espaço escasseia, mas com a declaração de que o mais proposto vai no mesmo sentido oportunístico e provocador de uma política de terra queimada.

Não encontrei nessas propostas inglórias de revisão constitucional o que quer que seja que contribuísse para vencer a crise em que estamos submersos, sendo que, ao contrário, creio bem que a actual Constituição permite, sem margem para dúvidas, no essencial, o crescimento económico, o desenvolvimento social e o rigor da vida política institucional. O nó górdio está, de facto, noutros espaços em que ninguém, porém, quer tocar por queimarem eleitoralmente, como é o caso da redução drástica do número de funcionários públicos e de organismos e serviços da administração pública inúteis e sem sentido actual, bem como o da alteração das leis eleitorais.
Aos quesitos o PSD disse nada. Outra vez.

Pedirá desculpa aos portugueses, como há tempos foi obrigado a fazer e converter-se-á à Política com letra grande?

Há que esperar, mas sentados…