quarta-feira, 25 de agosto de 2010

EXAME… DE CONSCIÊNCIA

Quando em Portugal se mostra exuberantemente a riqueza de uns quantos, é, também, preciso avisar que um em cada cinco portugueses vive abaixo do limiar da pobreza.

A revista Exame, recentemente, deu notícia, em parangonas, sobre “Os 25 mais ricos de Portugal”. Em tempos de dramática crise nada poderia ser mais oportuno e auspicioso…

Quanto aos critérios editoriais pertinentes, nada cumpre, porém, dizer senão que temos a comunicação social que merecem. Satisfeitos, de resto, os interesses que se visavam, e acrescentado o ego dos “eleitos”, ficará, porém, uma questão que não deveria ser despicienda num país verdadeiramente justo e solidário: são estes os mais ricos, certo!, mas como se construíram tais fortunas?

Trata-se, decerto, de uma pergunta incómoda.

Valerá a pena, porém, enfrentá-la e, também, proceder a um sucinto, outro, exame, este de consciência, sobretudo num momento trespassado por problemas financeiros, económicos e sociais.

Como nunca se saberá, normalmente, nada sobre os processos de construção de tantas fortunas – a Justiça, entre nós, é mais eficaz na investigação e punição dos pobres e remediados do que no sancionamento dos ricos e fortes - vou lembrar o outro lado destas coisas: a pobreza. Porque desta se sabe facilmente a origem, e não tem nomes na comunicação social ao contrário da riqueza.

A pobreza origina-se na riqueza ilegítima.

Como refere Jean Ziegler (Les nouveaux maîtres du monde et ceux qui leur résistent, Fayard p. 12) as oligarquias transcontinentais reinam sobre o nosso mundo e a sua prática corrente e o discurso com que buscam legitimar-se são radicalmente contrários aos interesses de generalidade dos cidadãos que, em múltiplas circunstâncias, são vitimas inocentes da fome, da falta de água, de epidemias e da guerra. E, acrescenta mais adiante, o mesmo autor que a equação é simples: quem tem dinheiro come e vive; quem não tem sofre, é excluído e caminha inexoravelmente para alguma morte. E, neste caso, nem sequer terá direito a uma breve notícia nas páginas da necrologia dos mesmos órgãos de comunicação social. É a vida.

A pobreza é um problema político cuja responsabilidade é, simultaneamente, dos vários poderes económico-financeiros (tantas vezes sem rosto ou pátria), da opinião pública (ou da falta dela) e dos governos. Exprime-se num “genocídio silencioso” (Pierre Sané) neste início de milénio com o que arrasta de grave violação dos mais elementares direitos humanos.

Não se contesta, porém, o direito de alguns serem ricos. Defende-se, isso sim, o direito a não ser pobre – direito que devia constar em qualquer carta dos direitos humanos universais.

Mas o direito a ser rico não pode ser um direito absoluto e ilimitado, nem pode valer tudo para ser conseguido e mantido. Há uma profunda anomia, revoltante mesmo, quando se pavoneia a riqueza pessoal e empresarial e, ao memo tempo, se foge ao fisco, ou se procede a despedimentos de trabalhadores (despedimentos bolsistas) que não têm outro objectivo senão aumentar o lucro e a riqueza. Mais ainda quando se fazem fortunas privadas à custa de dinheiro público.

É urgente, assim, que, no espaço público, se revelem os rostos, se analisem os discursos e se denunciem os métodos dos fazedores de riqueza a qualquer custo. É este um “exame” que cumpre realizar, e não deitar, como é habitual, as culpas da ignorância para o “sistema”.

Segundo a Declaração Universal dos Direitos dos Homens (10 de Dezembro de 1948) todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Estão dotados de razão e consciência e devem agir, uns perante os outros, em espírito de fraternidade.

Ora, quando em Portugal se mostra exuberantemente a riqueza de uns quantos, é, também, preciso avisar que um em cada cinco portugueses vive abaixo do limiar da pobreza, isto é, desrespeitado pelos outros portugueses – entre eles, e sobretudo, os milionários da dita revista – nos seus direitos fundamentais.

O combate à pobreza é uma causa de todos nós.

O enriquecimento vil e desmedido é privilégio de alguns.Que ninguém se admire, pois, do terrível mundo novo que se avizinha se tudo continuar como está. E, em particular, se se ostentar a riqueza saloia e duvidosa em “exames” sem escrúpulos

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

VIVER À CUSTA DOS OUTROS


Defendo, iniludivelmente, um sistema de segurança social justo e equitativo e, decerto, universal. Mas não cego, surdo e mudo.

No início de Agosto entraram em vigor algumas medidas de saneamento do sistema de segurança social português. Assim, as prestações e apoios sociais ficaram sujeitos a novas regras de atribuição que passaram a ter em consideração os diversos rendimentos do seu requerente e do agregado familiar, e o subsídio de desemprego viu o prazo de garantia aumentado, além de outros acertos (Decreto-Lei n.º 76/2010 de 16 de Junho).

A gritaria do costume, vinda da banda dos que, mais por razões egoístas do que ideológicas, estão sempre na fila da frente dos protestos, fez-se, logo, ouvir contra o alegado economicismo de tais medidas (como se a Economia não tivesse nada a ver connosco!) e contra o pretenso ataque aos mais desfavorecidos (os ricos que paguem a crise, slogan habitual).

Ora bem. Defendo, iniludivelmente, um sistema de segurança social justo e equitativo e, decerto, universal.

Mas não cego, surdo e mudo.

Neste contexto, passarei a relatar uma situação real em que recentemente tive pessoal e directamente intervenção e que me robustece a convicção da iniquidade concreta de muitas prestações sociais. Os factos são simples e contam-se numa penada. Tendo necessidade de mandar executar um pequeno gradeamento em ferro forjado, contactei um serralheiro a quem pedi um orçamento. Explicado o que pretendia, esperei três semanas por uma proposta de preço que apenas chegou após várias insistências minhas. Curiosamente foi-me apresentado o custo do trabalho (alto) sem definição, porém, das suas especificidades que, foi-me dito, poderiam aumentar o preço… fixado. Mas fui, também, logo alertado para que tal preço não contemplava a emissão de factura, pois tal serralheiro não as emitia. Era pegar, ou largar.

Avancei com as negociações e escolhi, então, o modelo de ferragem que pretendia tendo, naturalmente, solicitado um prazo previsível para a execução da tarefa. E, aqui, surgiram novos problemas pois, segundo o serralheiro, o material teria de vir de Espanha. Fiquei surpreendido pois se tratava de uma tarefa simples, uma pequena obra em ferro forjado, idêntica a outra que ele já tinha realizado a meu pedido. Mas, desta vez, teria de vir de fora e isso iria atrasar o trabalho, talvez dois meses. A minha surpresa teve, porém, uma resposta muito singela: é que dava muito trabalho fazer aquele serviço e, com o material vindo de fora, chegava-se ao mesmo objectivo.

Quase me esquecia de dizer, entretanto, que aquele ainda jovem serralheiro estava a receber prestações e apoios sociais cujo recorte, porém, não consegui identificar. Mas que estava bem, satisfeito, isso estava!

Dito isto, na crueza singela dos factos e num tempo de grave crise de emprego e, sobretudo, de profunda crise das finanças do Estado, quase nada mais será necessário acrescentar. Apenas um grito de revolta cívica incontida me leva a sublinhar três aspectos do caso.

O primeiro é que a economia paralela está próspera em Portugal e que a administração fiscal não controla nada nem, talvez, perceba a realidade fiscal do novo tempo em que estamos.

Depois, há que sublinhar a bondade do nosso Estado-providência que, apesar das acima referidas reformas, é um factor persistente de preguiça e de graves injustiças sociais na medida em que alguns tudo têm que pagar – massacrados, mesmo, por um sistema fiscal iníquo - e, outros, não precisam de mover uma palha para lhes chegar aos bolsos todos os (incontrolados) subsídios sociais que a demagogia política erigiu em “direitos adquiridos”.

Por fim, uma nota de angústia sobre a mentalidade, talvez a cultura, do tempo presente e que está envolta na ideia de que não é preciso trabalhar, produzir, competir e inovar. O trabalho é penoso já se sabe e, por isso, que trabalhem os outros (no caso os espanhóis). Nós, ricos que somos, chegamos lá e compraremos o que nos for necessário poupando os nossos esforços. Afinal dinheiro não falta quando se é esperto…

Perante o que deixo dito, creio que poderemos deixar de perder mais tempo com análises, diagnósticos e opiniões dos sábios da economia e das finanças que pululam nos meios de comunicação social. É que eles não percebem nada do país real nem do povo que somos.

“… Os ricos que paguem a crise.”