quarta-feira, 30 de junho de 2010

DEPRIMIDOS


É na pia em que todos andam a chafurdar que se cria a depressão da generalidade do país.

Compreende-se que os tempos não estão de feição para grandes alegrias e festividades. Mas também é verdade que nós, portugueses, temos uma queda nefasta, permanente, para a depressão. Não será uma realidade cientificamente comprovada, mas algo que se pressente e sente frequentemente, por vezes, até, levando a comportamentos patológicos, decerto melancólicos e, porventura, depressivos. Esta realidade evidencia-se, designadamente, na leitura dos jornais e das notícias da comunicação social em geral, sobretudo dos artigos de opinião que se vão publicando. Muita tinta se gasta, com efeito, para dizer que somos maus, que Portugal é uma desgraça, que tudo vai mal.

Comungando, aparentemente, deste estado de espírito, até o Presidente da República veio recentemente a terreno declarar que a actual situação do país é “insustentável”, ainda que tendo, também, acrescentado que os portugueses não podem “ceder à tentação do desânimo” (cfr. www.presidencia.pt, onde está toda a verdade, só a verdade, e não mais do que a verdade, Presidente dixit).

Não restam dúvidas de que os nossos governantes, os deputados, os autarcas são exímios conhecedores de todos os diagnósticos relativos à crise que nos atormenta. Genialmente, cada qual expõe com infinito rigor as causas dos males e rasga, mesmo, as vestes de indignação face à tragédia que proclamam. Mas, infelizmente, quando se trata de procurar, identificar, ou propor, soluções é o prudente silêncio que eles mais cultivam ou, então, entram numa zaragata de argumentos em que vale tudo e o seu contrário e onde falta respeito pela inteligência dos cidadãos e ética nos comportamentos. Que não se toque, é, nos seus “direitos adquiridos” e nos seus paroquiais interesses político-partidários que, além dos mais, lhes viabilizarão a mesquinha garantia de continuado popularismo eleitoral. Veja-se, a propósito o que têm dito sobre o pagamento de portagens nas ditas SCUT… expressão eloquente do mais reles egoísmo de alguns, do mais abjecto desvario dos partidos, e da maior incompetência de quem governa, ou faz oposição. É o Portugal dos pequeninos no seu total esplendor!

Ora, é na pia em que todos andam a chafurdar que se cria a depressão da generalidade do país, de resto também pouco interessado, realmente, enquanto sociedade civil, quanto ao nosso destino colectivo e alheio, ainda, ao incontornável desígnio fundamental de que não importa tanto onde estamos, mas para onde queremos ir.

Os portugueses só se mexem e apenas se mobilizam, ou reagem, perante a festa ou a tragédia. No entretanto, cultiva-se o medo e a resignação por entre dias de crescentes dificuldades. Ainda que esta seja uma verificação empírica, aparece como realidade incontornável a marcar os dois últimos séculos, pelo menos, da nossa história.

Não há-de ser, porém, algo de inelutável, mas também não será fácil inverter este modo de estar na vida. E, aqui, há-de entrar a componente política como variável susceptível de alterar o estado das coisas.

Acontece, porém, que, nesta perspectiva, nos habituamos a olhar a política reduzindo-a ao papel do Estado. Deste exigimos tudo – e tudo gratuito, enquanto nada gostamos de lhe entregar, como se o Estado fosse uma entidade abstracta com os poderes de um qualquer rei Midas. Adquirimos direitos e deles não queremos prescindir mesmo que eles sejam incomportáveis financeiramente; exigimos aumentos de salários sem aumentar a produtividade; não queremos pagar os serviços e bens que o Estado disponibiliza e, antes, exigimos sempre mais. E por aí fora.

Somos, em geral, um povo dependente em excesso do Estado – dos seus subsídios e dos seus favores, mesmo ilegítimos, e não constituímos uma sociedade civil digna desse nome. Aqui reside um dos graves distorções ou desvios da cidadania que se exige a um povo soberano.

Ora, quando nos entregamos nas mãos do Estado, como temos entregado no quadro do chamado “Estado-providência”, não podemos ignorar que ele também vai capturar a nossa liberdade e a nossa autonomia, de forma ostensiva ou subtil, hoje ou amanhã.
Vivemos num tempo de decadência.

Um novo paradigma de vida há-de, porém, nascer, tem que nascer. Talvez das cinzas, no final, de uma vida levada a “fazer de conta”, egoísta e sem valores onde só contam interesses individuais ou corporativos, o lucro a qualquer preço e a gratificação imediata.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

ENTRE FAMÍLIAS


Hoje, em múltiplos aspectos, viver já não é viver, mas, apenas gerir a vida que temos e convertê-la, tanto quanto possível, num projecto rentável a qualquer preço.

No passado dia 7 de Junho – convém fixar esta data – ocorreu, pela primeira vez, em Portugal, um casamento homossexual. Helena e Teresa casaram “em nome da República Portuguesa”!
Goste-se, ou não, da alteração legislativa que tal veio permitir, é inegável que ela foi democraticamente sufragada. E, como já se sabe, a democracia tem um custo que, um dia ou outro, há que pagar.

Algumas notas soltas merece, porém, tal ruptura a acrescentar ao que muito tem sido comentado sobre o assunto.

Foi assim que, então, sem que imperativo algum, ético ou jurídico, de relevo, se impusesse, um activo, mas restrito, grupo de cidadãos, sectário, impôs a toda a sociedade os seus interesses particulares estropiando a noção secular de família consagrada nos costumes e no direito português.
Conhecido o resultado que essa minoria conseguiu, importa, porém, olhar, também, para os ventos que sopram nas nossas sociedades e que, afinal, também, empurraram, a seu modo, para tal resultado. É que, afinal, as coisas não acontecem por acaso…

A família há muito que é uma instituição em crise face, sobretudo, às profundas transformações que a afectam desde, pelo menos, os anos 70 do século XX. Também em Portugal essa crise se veio manifestando de múltiplas formas e as razões de tais transformações poderão encontrar-se, sobretudo, em mudanças políticas relevantes entretanto ocorridas no país e, ainda, na evolução sócio-cultural da nossa sociedade.

Sendo importante, para interpretar o momento actual, o conhecimento dessas invocadas transformações da família – das suas causas, da sua amplitude e das respostas que o Direito lhes foi dando – é, também, do maior relevo procurar saber em que é que essas transformações mudaram ou mudarão o estatuto das pessoas. Porque, no fim, nada será como antes.

Colherão, no transe, factores de ordem jurídico-política e, outros, relacionados com mudanças profundas nos escaninhos da sociedade portuguesa durante, sobretudo, as últimas quatro décadas. Quanto aos factores de ordem jurídico-política em que se alicerçaram tais transformações importa considerar, antes de mais, que, na sequência da Revolução desencadeada em 25 de Abril de 1974, abriram-se janelas de um mundo quase desconhecido a uma sociedade, então, ainda, muito rural e fechada, além de profundamente enraízada no catolicismo e seus tradicionais valores. O regime democrático e pluralista, abriu, na verdade, caminho largo a profundas mudanças na sociedade portuguesa.

Poderá dizer-se, assim, que, na actualidade a família é um desafio em movimento, que tem inscrito em si uma abertura e incerteza sem precedentes. Está nas nossas civilizações, mas já não tem um padrão institucional único, entre várias e constantes mutações. Quaisquer observações ou análises sobre esse fenómeno social dependem das representações sociais num certo momento do desenvolvimento de uma sociedade como referem os sociólogos (cfr. Jacques Commaille, Misères de la famille. Question d’État, Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1996).

A questão será a de saber se, não obstante a realidade nos colocar perante factos que mostram que a família nuclear biológica é, hoje, apenas, uma das formas que a família assume, o casamento entre pessoas do mesmo sexo decorre inelutavelmente dessas novas realidades.
Creio que não.

O que está (estava) em causa é um apelo minoritário a pseudo-valores democráticos e pretensamente pós-modernos que, pouco valendo em si e nas suas sequelas, simboliza, porém, o tempo líquido em que vivemos e nada augura de bom para a sociedade democrática.

De resto, já se avança (Santiago López-Petit) que o cidadão já não é, hoje, um homem livre, mas uma simples peça da máquina de opressão que ainda se designa por democracia.

Ora hoje, em múltiplos aspectos, viver já não é viver, mas, apenas gerir a vida que temos e convertê-la, tanto quanto possível, num projecto rentável a qualquer preço. Mas quando faltam valores a nossa vida fica precarizada e humilhada.

domingo, 6 de junho de 2010

BIZANTINICES

O que é a verdade na política num tempo em que a humanidade parece
ter atingido o limite da incompetência moral?


Enquanto a novela da crise avança espalhando as suas metáteses pelas economias – e o correspectivo festim, que tal traduz para alguns, recrudesce – uns quantos políticos da periferia ocidental da Europa continuam a sacrificar e, até, a esgotar as suas mentes brilhantes para desvendar se o Primeiro Ministro, José Sócrates, mentiu, ou não, ao País quanto à data em que terá sabido que os da PT queriam, ou não, comprar os da TVI e, desse modo, matar a liberdade de imprensa em Portugal.

O povo de Bizâncio também se enredou neste tipo de futilidades e subtilezas perdendo o seu tempo a discutir inutilidades (de teologia) enquanto os turcos cercavam a cidade. O resultado, que a história esclarece, foi dramático. Mas a história repete-se como farsa, ou tragédia, muito mais frequentemente do que julgamos….

Não é, decerto, irrelevante ter à cabeça do Governo um mentiroso ou uma pessoa honesta. E tal vale, também, para todos os outros postos relevantes da política e da administração pública e, em geral, para as relações sociais quaisquer que elas sejam. Vale, pois, também, para o Parlamento onde, na boca dos deputados, são tantas as verdades quanto as mentiras (verdades e mentiras político-partidárias e intelectuais) como resulta, para qualquer cidadão, dos debates parlamentares em plenário, ou das discussões nas comissões parlamentares.

O que é, porém, a verdade na política num tempo em que a humanidade parece ter atingido o limite da incompetência moral (Amin Maalouf)? E será que uma comissão parlamentar de inquérito, tendo em conta os termos e condições em que realmente opera, poderá apontar para a verdade?

A comissão parlamentar de inquérito ao caso PT/TVI expressou, na sua actividade e nos resultados a que chegou, a irrelevância do Parlamento para o efeito, tanto quanto a inclinação de vários deputados para se ocuparem de negócios menores do Estado, em registo de folhetim, e com objectivos partidários inconfessáveis.

Na tonta disputa para alcançar protagonismo, a vilania que foi tentar torcer os factos até eles confessarem o crime de Sócrates, teve em Pacheco Pereira o exemplo contemporâneo do inquisidor Torquemada. Não sei bem onde catalogar, entre as psicoses políticas, a que afecta esse preclaro intelectual de barbearia, auto promovido a espião mor da pátria, a bocejar tanta ignorância jurídica quanto arrogância estalinista. Mas sei que ainda arrasta atrás de si alguns pacóvios e que tem palanque montado na feitura de opinião paga. Um negócio como outro qualquer, de resto…

A irresponsabilidade campeia, disfarçada de luta pela democracia, no tempo de agruras por que passamos e, de cabelos desgrenhados, avança por entre a complacência de quem já não tem legitimidade para dizer “não!” e, por isso, tudo tenta explicar longe de qualquer sanção política, ética ou jurídica.

Com comissões de inquérito desta jaez é melhor que nos preparemos para o regresso da Inquisição. E, enquanto isso, o país, já devidamente anestesiado, prepara-se para aceitar tudo e mais alguma coisa daquelas que, por desgraça nossa, se alcandoraram ao poder.

Se Sócrates mentiu? Levante-se o primeiro político no activo que nunca o haja também feito e, depois, deixem o país respirar