quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

ILUSÕES IBÉRICAS

A verdade é que se arrastam complexos e desconfianças entre os empresários de um e outro lado que estão longe de estar geralmente resolvidos.

Anda por aí a circular desde há tempos mais uma ideia peregrina mas que, apesar disso, vai pondo alguns incautos de nariz arrebitado à espera que desta vez surja o negócio da vida deles. Astuciosa, ou dolosamente, com efeito, vêm alguns especialistas em crises defendendo que é altura de os empresários portugueses “irem às compras em Espanha” porque, dizem, haverá muitas empresas espanholas a atravessar dificuldades e que, por isso, poderão ser adquiridas a preços muito competitivos…

O mito espanhol ou ibérico é, de tempos em tempos, de facto, um companheiro de divagações, mais ou menos insensatas, ressuscitado por alguns incautos que julgam que é lá fora que está a solução dos nossos problemas , mesmo quando, formalmente, defendem a manutenção dos centros de decisão em Portugal – como aconteceu, não há muito, através de um manifesto de triste memória e de efeitos contraprocedentes, como alguns se lembrarão.

Ora é óbvio que não há qualquer solução vinda de fora que resolva os nossos problemas estruturais enquanto, cá dentro, não tivermos a casa arrumada. E, mesmo, quando a crise internacional já tiver passada à história, ainda aí teremos de nos encontrar com os nossos próprios problemas que, esses sim, são os reais problemas que nos cumpre resolver.

Ir às compras a Espanha é, pois, na situação actual, uma piedosa intenção. Mas já teria algum sentido, porém, buscar parcerias com algumas empresas espanholas, sobretudo para atingir massa crítica e escala que viabilizasse a expansão conjunta para novos mercados, designadamente da África da língua portuguesa ou da América Latina onde Espanha também tem um passado notável de relacionamento económico cultural.

A verdade, pura e dura, é, porém, que se arrastam complexos e desconfianças entre os empresários de um e outro lado que estão longe de estar geralmente resolvidos. E daí que cada qual continue a lutar isoladamente pelos seus interesses quando, juntos, poderiam almejar voos muito mais altos. Não é, seguramente, porém, através de compras ao desbarato de empresas espanholas que se constrói o futuro do nosso país quando o passado evidencia, até, que o que havia de bom para “comprar” (sobretudo em Portugal) já está nas mãos do capitalismo financeiro do nosso vizinho. Que comprar, pois, em Espanha? O lixo falido que os empresários locais não querem?

Haja bom senso e transparência. Haja, também, patriotismo quanto baste – e não mais – para continuarmos a ter a dignidade da soberania que, julgo, ninguém quer desbaratar.

Espanha é um parceiro incontornável da nossa economia e da internacionalização de negócios no mundo global em que vivemos. Mas não pode ser vista em perspectiva simplista de simplórios que, porventura, não buscam, senão, pretensos planeamentos fiscais agressivos que levam no bojo a fraude e a evasão, quando não, até, a mais sórdida corrupção económica. E Portugal também não poderá ser encarado – o país, os seus empresários, os fundos e subvenções de que dispomos para o desenvolvimento nacional – como uma coutada em que qualquer um pode caçar sem regras e, depois, ao primeiro sinal de dificuldade, abandonar ou, então, depois do tacho rapado, ignorar à sua sorte.

Afinal há muito espaço e tempo em que os dois países podem enraizar as suas melhores esperanças de colaboração no mútuo interesse.

Quando, porém, o pêndulo cai só para um lado não há, para ninguém, razão de contentamento.

Quanto muito há ilusões e, estas, às vezes têm um preço muito alto.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

DE MAL A PIOR


No tempo em que vivemos, recrudescem as paixões e os ódios e rarefazem-se os princípios e os valores.

Que me lembre, nunca a actividade político-partidária vegetou, tão baixo, no lamaçal da incompetência, do embuste e do egoísmo.

Os eleitos são de extracção cada vez mais medíocre e o que trazem à agenda política – e o modo como o tratam – demonstra geralmente as mais preocupantes carências de conhecimentos, verticalidade e carisma. Vivem da chicana partidária (com raras excepções) e do maldizer permanente, fazendo, muitas vezes, dos corredores do poder meras sucursais dos seus negócios e vendendo-se a troco de um qualquer prato de lentilhas.

A política partidária que se prossegue entre nós não é, também, uma actividade posta inegavelmente ao serviço do interesse nacional. Visa, directa ou indirectamente, quase sempre, apenas a conquista ou a manutenção do poder que há-de, depois, ser distribuído aos famélicos dos aparelhos partidários, que é quem nos governa, na realidade.

O egoísmo – e o individualismo – tomaram conta, por outro lado, do quotidiano político num “salve-se quem puder” em que tudo vale. A corrupção instalada, como se tem visto, a todos os níveis do Estado (e manipulada por aqueles que o servem ou serviram um dia) é uma expressão perfeita de que o país está em declínio moral, à míngua de princípios e valores que rejam as relações entre governantes e governados.

Acontece, porém, que é disto que certa comunicação social miserabilista gosta e, daí, que lhes garanta a publicidade que almejam. E, com publicidade garantida, está meio caminho andado para levarem por diante reiteradamente os seus interesses pessoais e partidários.

Neste mefistofélico arco-íris os políticos, acossados pelo poder judicial, vitimizam-se e, enquanto podem, vão-se aguentando no barco desprezando a ética de que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo.

O poder judicial, por seu turno, carece de meios, humanos e materiais, para cumprir cabalmente a sua missão nos quadros da lei e do princípio democrático mostrando-se, também, por vezes, assaltado por esporádicas tentações para descambar para uma “república dos juízes”.

Assim, a judicialização da política e a politização da justiça são, hoje, reais ameaças à democracia cujos pilares vacilam, também, no meio de uma profunda crise económica e financeira.

A vida cívica não está, pois, fácil e a democracia corre perigo a prazo, também porque a ingovernabilidade do país já se evidencia na assumpção de poderes exorbitantes por um Parlamento que não governa (nem deve) nem deixa governar (e devia).

Vamos de mal a pior cada dia que passa. E se alguns nem consciência têm das consequências dos seus actos, outros exercem os poderes que lhes foram atribuídos numa perspectiva meramente destrutiva de quanto pior, melhor.

No tempo em que vivemos, neste país saído recentemente de eleições democráticas, recrudescem as paixões e os ódios e rarefazem-se os princípios e os valores de uma comunidade solidária em busca de um destino colectivo e melhor. Também se esvai a expectativa de um outro futuro baseado em ideias e ideais inspiradores do amanhã. Afinal o que conta, para uns, é ter poder e distribuí-lo pela família e, para outros, destruir esse poder sem apresentar, porém, alternativas sadias ao estádio actual da sociedade. E é neste jogo de soma nula que nos vamos consumindo sem expectativas de sair do declínio presente.

As grandes batalhas políticas de hoje cingem-se a pequenas traições e a grandes manipulações em que o interesse nacional já não conta para nada. O eclipse político de Portugal aproxima-se a passos largos.