quarta-feira, 30 de setembro de 2009

É URGENTE FINANCIAR A SOCIEDADE CIVIL


Seria da mais elementar lucidez olhar para as instituições políticas da sociedade civil e atribuir-lhes, também, subvenções para o exercício das suas actividades políticas.


Num tempo de severa crise económica e social, os partidos políticos gastaram milhões nas recentes campanhas para alimentar vaidades, defender interesses egoístas, e mercadejar ilusões. Se o objectivo era outro…não se percebeu.

E tudo, aparentemente, dentro da legalidade que se revê na lei de financiamento dos partidos políticos e no sistema eleitoral que temos e que não são outros, senão, os que os partidos políticos vêm talhando à feição dos seus interesses, longe da racionalidade política, das melhores doutrinas e de experiências estrangeiras mais rigorosas e saudáveis.

Enquanto isso a sociedade civil, tão querida de alguns em momentos eleitorais, é deixada ao abandono logo que deixa de prover à conquista de votos.

Convêm esclarecer que o conceito de sociedade civil é antigo, vem, pelo menos, do fim do século XVII onde foi utilizado por autores diversos como HOBBES ou LOCKE e, ainda que semióticante tenha evoluído, nomeadamente com HEGEL, tem, desde os fins dos anos 70 do século passado, também em Portugal, um conteúdo manifestamente relacionado com a luta contra o totalitarismo. Refere-se a múltiplas instituições privadas de carácter associativo situadas entre o Estado e o indivíduo, incluindo sindicais, sendo que é a liberdade de actividade social, de organização e de fins que marca tal conceito.

A oposição entre Estado e sociedade civil é uma oposição artificial, mas tal não afasta uma tensão, que até é salutar, entre um e outra no sentido da definição do interesse geral ou colectivo, o que vale por dizer que, numa sociedade complexa, a sociedade civil pode – e deve – desempenhar um papel relevante em tal definição de molde a, também, impedir ideologias perversas e autoritárias quanto ao que seja o interesse geral.

É por isto, e muito mais, que a democracia não pode prescindir de ter a cumplicidade activa e genuína da sociedade civil e que, onde esta fenece, com ela submergem os ideais democráticos.
Ora o que se passa em Portugal é que a democracia desde sempre olhou de soslaio para a sociedade civil ou, mais rigorosamente, nunca os partidos políticos abdicaram de ser o princípio e o fim de toda a vida política. Aliás reservam, desde logo, para si, em exclusivo, o direito a serem, nesse campo, financiados pelo Estado.

E é assim, pois, que a lei de financiamento dos partidos políticos (Lei 19/2003 de 20 de Junho) estabelece que tal financiamento, público, tem como destinatários os partidos políticos que hajam concorrido a acto eleitoral e obtenham representação na Assembleia da República, ou, pelo menos, uma votação superior a 50.000 votos.

Os partidos políticos não são mais, porém, o cerne dos regimes democráticos e o seu declínio, por mais lento que seja, é, já, inegável. Há mais vida política, porém, para além dos partidos – mais e melhor – ética e cívica.

Assim, seria da mais elementar lucidez olhar para as instituições políticas da sociedade civil – ao menos aquelas que sejam legítima e legalmente qualificadas de utilidade pública – e atribuir-lhes, também, subvenções para o exercício das suas actividades políticas. Como isso aprofundar-se-ia a democracia em múltiplos aspectos e, desde logo, na mobilização de muitos cidadãos, hoje apáticos, para a vida pública nas suas múltiplas áreas.Lamentavelmente, em Portugal, a sociedade civil está a viver de cada vez menos cidadãos e promete morrer de vez se medidas políticas não forem tomadas com urgência. E se tal corresponde ao íntimo desejo de muitos que nada vêm para além da sua janelita paroquial, o país mereceria, até para renovar as suas ambições, de se apoiar na sociedade civil organizada e activa politicamente

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

PORTO SENTIDO

Alguém disse um dia “a mentira é um sonho apanhado em flagrante delito”. Eu quero crer que é isso mesmo que se passa com muitas promessas eleitorais.

Li, recentemente, declarações do líder da bancada parlamentar socialista e cabeça de lista pelo PS à Assembleia da República pelo círculo do Porto, Dr. Alberto Martins, no sentido de que “O Porto está sem rasgo e adormecido, precisa de um grito do Ipiranga”.

É verdade, mas uma verdade banal e velha de que se tem apenas eco, dos da capital, em tempos eleitorais. E, depois, volta tudo ao grau zero da vontade política. São declarações “engana tolos” para seduzir eleitorado que não têm, por detrás, uma convicção séria e um espírito da mudança real.

Conversa de barbearia, afinal.

Não podemos, no Norte, queixar-nos, porém, de falta de promessas eleitorais. Elas aí estão para todos e para todos os gostos, sensatas ou insensatas, viáveis ou não e, até, em certo caso, caricato, validadas notarialmente.

Alguém disse um dia “a mentira é um sonho apanhado em flagrante delito”. Eu quero crer que é isso mesmo que se passa com muitas promessas eleitorais. São sonhos que, se estivermos atentos, facilmente apanharemos em flagrante delito.

Adiro, porém, sem hesitação, ao diagnóstico acima referido sobre o Porto e a sua região. Mas gostaria de saber, também, o que é que o declarante e seus pares, durante a legislatura que ora se fina, fizeram em defesa do Norte. De nada me lembro, nem sequer do nome de mais do que um ou dois deputados eleitos pelos vários distritos deste rincão. E, desses, não me vem à memória qualquer rasgo ou iniciativa de relevo em prol da região…

O Porto não é, hoje, uma cidade competitiva.

Não atrai investimentos.

Não cria empregos.

Não gera negócios.

Não assume projectos.

Não cria esperança.

Não tem alma.

Que fazer? Com quem fazer? Em quem acreditar, pois?

Confesso que já não sei se a famigerada regionalização virá algum dia a tempo de resolver quaisquer problemas pois, de tão fragilizado já o corpo social, o remédio de nada lhe valerá, então.

Mas acredito que neste espaço nortenho ainda existe uma réstia de competência (saber-fazer) para dar a volta, por cima, à caótica situação actual. Ponto é que a solidariedade nacional que a própria Constituição da República declara solenemente não seja, como tem sido, uma pia intenção e que, arrecadados os votos de que precisam para ser eleitos, os deputados da nação, eleitos nesta euro-região, não a votem, logo, ao ostracismo.

Todos os diagnósticos feitos são excelentes, mas daquilo que precisamos é de uma estratégia regional – e global – que, na crise actual, aproveite as oportunidades que ainda teremos.

Esperemos, pois, a concretização das promessas eleitorais, porque destas já estamos fartos.

Haja honra nos eleitos e espírito de missão ao serviço da comunidade e que a solidariedade nacional não se fique pelo tempo e pelo espaço do Terreiro do Paço.

Como no mito de Sísifo, empurrar a pedra até ao cimo da montanha é uma questão de vontade. Depois só a fé nos pode valer. Visto, porém, o passado vai ser preciso ter muita fé, e durante muito tempo, para vermos esta região no estádio a que tem direito.

DESEMPREGO E REALISMO

Governe quem governar, o futuro vai, mais dia menos dia, confrontar-nos
com a nossa real penúria em meios e condições materiais.


Até quando andaremos todos iludidos pensando que poderemos manter o nosso nível de vida actual?

Portugal está afundado numa grave crise financeira, que é, de resto, mundial, e arruinado na sua vetusta economia. De um lado, o excessivo peso do Estado e, do outro, a falta de competitividade marcam a crise do país que se concretiza, designadamente, numa taxa de desemprego desesperante. E que – não haja ilusões – se vai manter por muito tempo.

É curial lembrar, no transe, que este início do século XXI está marcado, em geral, pelo desemprego em massa, empresas sem trabalhadores, Estados exauridos e endividados para lá do que é sustentável tudo, mais tarde ou mais cedo, com possíveis convulsões sociais de consequências imprevisíveis.

O Direito do trabalho, nasceu com um fim proteccionista dos trabalhadores num certo quadro económico – e por causa dele – e por esse trilho tem seguido. Só que o tempo económico inicial evoluiu drasticamente nos nossos dias e continua a evoluir aceleradamente marcado pelos novos processos produtivos, avançadas técnicas de gestão e novas tecnologias em desenvolvimento imparável, tudo isso acompanhado, porém, por uma agravada estagnação do mercado do emprego e suas inevitáveis consequências.

Além disso, porém, relevam ainda na nossa actividade quotidiana – e com efeitos óbvios no nível de vida - a falta de valores generalizada, o desprezo da ética nos negócios e na vida, a falta de transparência, designadamente na vida pública, a informalidade que continua a campear na economia, a escassez de trabalho qualificado para a nova economia, ou o envelhecimento de população como realidade crescentemente preocupante.

Algumas das variáveis vindas de apontar não auguram um futuro feliz para quantos adoptaram a sociedade do consumismo desenfreado ou a sociedade do espectáculo improdutiva como destino. É por isso que, governe quem governar, o futuro vai, mais dia menos dia, confrontar-nos com a nossa real penúria em meios e condições materiais para se manterem os padrões de riqueza em que, apesar de tudo, actualmente muitos vivem.

Em tempos eleitorais este é um tema a pôr à margem. Mas o realismo político não pode ignorá-lo, até para que se vão preparando as estratégias correctas para vencer esta outra crise – estrutural e portuguesa – que se junta à global.

Voltando ao tema do desemprego, contraposto, agora, ao do nível de vida, há que reconhecer que a gravidade de esse nível de vida baixar generalizadamente não é comparável, em dramaticidade, ao elevado desemprego existente e futuro. É que o lugar de trabalho nas nossas sociedades ganhou ainda mais acutilância com as consequências, para o emprego, da crise financeira e económica dos inícios deste milénio. Bastará ver, na verdade, a angústia das pessoas a que falta ou que perdem o emprego para medir-se tal importância. O trabalho não se reduz a um mercado; é mais, ou vai além (é diverso) de um objecto de partilha. Inscreve-se no tempo e no espaço de uma vida. Numa perspectiva religiosa, católica, JOÃO PAULO II (1981), na Carta Encíclica Laborem Exercens sobre o Trabalho Humano, já afirmava que “A Igreja está convencida de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra (…) mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza-se também a si mesmo como homem e até, em certo sentido, se torna mais homem”.

É aqui, afinal, que reside o coração da crise.

ESTÁ TUDO PARTIDO

Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as finalidades que prosseguem, não vingarão na democracia do futuro.

No pingue-pongue das promessas eleitorais, todos os partidos são campeões. E, bem vistas as coisas, pena é, até, que um novo sistema eleitoral não permita ao comum dos mortais – que não às fiéis e dóceis clientelas partidárias cuja partitura é outra – votar simultaneamente em todas as ambições que todos os partidos nos propõem. O risco maior seria, afinal, o de alcançarmos o Paraíso na terra, mal menor, apesar de tudo, no mundo louco da política em que vivemos…

As palavras, as promessas e os compromissos em política e, sobretudo, em tempo de eleições, valem, porém, o que valem e quando não têm por fundo a honradez e a ética de um punhado de Homens dignos, nada significam.

São palavras.

É “marketing”.

Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as reais finalidades que prosseguem, em profunda crise, não vingarão na democracia do futuro. Um outro sistema há-de vir substituir o actual que, de velho, gasto e deturpado, está no limiar da infuncionalidade. Esta é uma certeza de que o tempo será inevitavelmente tabelião. Não é certo quando, mas é certo que tal acontecerá.
A política não poderá, no futuro, esgotar-se dentro dos muros claustrofóbicos dos partidos políticos como até agora tem acontecido e cujo monopólio parece que cada vez mais ocorre nos nossos dias. E nisto vai uma intransigente defesa da afirmação da sociedade civil na vida pública nas suas múltiplas vertentes possíveis.

Também a legitimidade pessoal de qualquer deputado, no actual sistema eleitoral, face à insuportável dependência partidária que o acorrenta, está definitivamente em causa. E nisto vai uma viva defesa de candidaturas independentes para o Parlamento, ainda ilegal, é certo, fora dos quadros partidários, mas inevitável a curto prazo.

O combate eleitoral, no sistema que vigora em Portugal, parece-se, sem grande afectação da verdade, com uma mera sessão de bolsa de empregos directos e indirectos em que o cidadão, eleitor ou não, é um mero instrumento ao serviço de causas e interesses que lhe são desconhecidos.

A crise da democracia representativa está aí e só a não vê a cegueira dos interesses instalados, mas as experiências da democracia participativa também não encontraram, ainda, na sociedade, a força e o vigor que lhes dê sentido.

O tempo é, porém, de mudança.

A mudança não acontecerá, porém, sem uma grande implicação de todos os cidadãos na assumpção da sua responsabilidade cívica e social. Aqui há-de mostrar-se de grande relevância – como já aconteceu nos EUA – a utilização massiva das novas tecnologias de comunicação prenhes de possibilidades de novos percursos democráticos. Será por aqui que, creio, se poderá retomar a perdida identificação dos (novos) partidos com a sociedade e a partilha legítima de poderes.

Quem hoje assiste aos pronunciamentos partidários dirá, sem excesso, que os políticos falam com as tripas. Ora é disto que todos se sentem fartos e esperar uma mudança profunda no relacionamento dos representantes com os seus representados não é nada de anormal. É, antes, propugnar pelo aprofundamento, cada vez mais urgente, da democracia aviltada em que nos movemos.

DEITA CÁ PARA FORA

Nas vésperas de dois actos eleitorais é indisfarçável que uma imensa distância separa a sociedade civil das instituições políticas

O “Paulito”, aquele boneco que anima um anúncio de um operador móvel de telecomunicações gritando a frase “Deita cá para fora”, não vai fazer campanha por nenhum partido político concorrente aos próximos actos eleitorais.

O seu negócio é outro.

Aquela frase tem, porém, alguma acutilância neste momento. Os portugueses – e, em especial, os eleitores – têm, na verdade, muito que deitar cá para fora e razões de sobra para o fazer, embora, ao contrário, o modelo democrático em que subsistimos defina este tempo, especificamente, como de propaganda dos partidos políticos que, assim falam, falam… e geralmente não dizem nada, a não ser, por vezes, uns aos outros numa, aliás, sórdida claustrofobia partidária que os pode levar à tumba a não arrepiarem caminho.

É, então, de bom tom e aparenta “cultura” deplorar, nos tempos que correm, o estado da democracia que temos criticando o irrefutável afastamento dos cidadãos da vida política, o crescente individualismo que campeia na sociedade e o refúgio, na sua esfera privada, de muitos desagradados com a crise política. Fica bem, mas não basta.

Trata-se, no caso, de sinais dos tempos que não poderemos ignorar, mas tal não legitima que se limite a apreciação da democracia à sua dimensão eleitoral sublinhando, no transe, apenas, o abstencionismo crescente. Tal seria, de facto, redutor da realidade e, também, perigoso.

É incontornável, contudo, a crise por que passa actualmente a democracia que já não merece, em vários planos, grande apreço popular, tal como acontece com a vida político-partidária em geral. E é aqui que releva um conceito que, pelo menos, justificará aprofundamento intelectual, qual seja o de “contra democracia”, uma outra perspectiva de olhar a democracia em crise.

A “contra democracia” não é o contrário da democracia, mas uma outra forma de democracia, de algum modo alicerçada, certamente, na descrença da democracia assente no mero sufrágio eleitoral e visando, ainda que forma algo ambígua, por enquanto, dar relevo a um sistema de contra-poderes de acordo com o princípio liberal “cheks and balance” (controlo e equilíbrio). Na formulação do conceito e do seu desenvolvimento encontraremos o filósofo Pierre Rosanvallon e o seu livro “La contre-democratie. La politique à l’age de la défiance” (Seuil, 2006).

Nas vésperas de dois actos eleitorais é indisfarçável que uma imensa distância separa a sociedade civil das instituições políticas e o perigo real é que desse afastamento nasça, de algum modo, um populismo qualquer grosseiramente ameaçador da democracia.

Sem se pretender que os programas eleitorais dos partidos em concorrência parem em todas as estações e apeadeiros – se pronunciem e comprometam sobre todas as questões políticas que envolvem o nosso quotidiano e definirão o nosso futuro – não se afigura aceitável que desses projectos estejam ausentes as linhas essenciais da política a seguir após as eleições. E isto agravado pelo facto de que, à falta de tais faróis ou linhas programáticas essenciais, se junta o anonimato inqualificável daqueles que vamos eleger, nomeadamente para a Assembleia da República (não tanto, decerto, para as autarquias por óbvias razões).
Votar, pois, em que projecto?

Votar, pois, em que políticos?

A democracia à portuguesa ainda não foi capaz de enfrentar estas questões e de lhes dar solução e é por isso que o voto vai ser, em grande medida, uma mera escolha clubística ou o refluxo de traumas passados. E é pena.

FÉRIAS … PARA QUE VOS QUERO!

Neste tempo de liberdade e disponibilidade pessoal acrescidas só terá pleno sentido se aproveitado, também, para aprendermos a viver juntos, a conviver com o outro, aprender a conhecer e a fazer e, sobretudo, aprender a ser.

O tempo de férias e o espírito que a elas preside, deixam ocasionalmente esvoaçar o pensamento até horizontes que, noutras situações, seriam, porventura, inatingíveis.

É bom estar de férias, por exemplo, para reler O Principezinho, de Antoine de Saint-Expupéry: “As pessoas crescidas nunca entendem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de lhes estar sempre a explicar tudo”. E, continuando no mesmo diapasão, relembrar outras leituras, como, no caso, Georges Bernanos (Les grands cimitières sous la lune): “O mundo vai ser julgado pelas crianças” (p. 212).

Sem a pressão do quotidiano, muitas vezes massacrante de sofrimentos e desilusões, em momentos de lazer, voltamos, por vezes, a ter o espírito desse tempo que já foi, e em que fomos crianças. E, então, poderemos falar de outras coisas ao adulto que também somos, explicar-lhe coisas que, no correr de outros dias, ele não conseguiu compreender, e julgá-lo. Julgar-nos.
Só por isto já vale a pena ir de férias!

Mas esse tempo de liberdade e disponibilidade pessoal acrescidas só terá pleno sentido se aproveitado, também, para aprendermos a viver juntos, a conviver com o outro, aprender a conhecer e a fazer e, sobretudo, aprender a ser. Tudo aquilo, afinal, que, nos outros dias do ano geralmente nos passa ao lado no frenesi de vidas insolidárias e de cidadania escassa. Não há cidadania, na verdade, onde persiste a exclusão social, designadamente para populações imigrantes, como não há cidadania se não aceitamos as diferenças e a identidade de todo e qualquer grupo social e se se tolera a intolerância.

Entre os maiores desafios que enfrentaremos no século XXI configura-se o da Educação, entendida num sentido mais amplo do que o que a restringe a um qualquer sistema educativo. “A educação encerra um tesouro” (Delors, 1996) segundo se diz no relatório preparado para a UNESCO pela Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. Ora cabe dizer que a educação não vai de férias e até pode aproveitar-se das férias para fazer mais caminho, nomeadamente quando, viajando, encontramos pessoas que não têm os mesmos direitos que nós temos e sobrevivem em condições não decentes para um ser humano.

Vai nisto, pois, a ideia de que o tempo de férias não tem de ser um mero período de lassidão, relaxamento e vazio. Pode, pelo contrário, ser um tempo para a prática da solidariedade numa perspectiva cidadã. E como em breve voltarão os dias dedicados ao “negócio” (que é o contrário de “ócio”) o mais importante é usufruir, entretanto, de tudo aquilo que a vida tem de bom vivendo em paz.

Até porque, a breve trecho, entraremos em trabalho, também, políticos, que nos exigirão bastante esforço e perspicácia intelectuais para não nos deixarmos ir no “conto do vigário”.
Talvez como nunca antes venhamos a ter diante de nós, em breve, na decisiva escolha – não, decerto, pela liberdade que acima de tudo prezamos, mas sobre a democracia pelo qual cada vez menos têm apreço neste tempo de erosão de convicções e de falta de honestidade política.

Não querendo cair nos prosaicos votos de boas férias – que, no entanto, espero que todos tenham – gostaria de terminar este aceno estival de simpatia lembrando uma celebre expressão de alguém que partiu, há dias, para o Oriente Eterno: “Façam o favor de ser felizes”.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

UMA NOVA ERA DE LIBERTAÇÃO


Um admirável mundo novo, porventura global, há-de ver-se anunciado um dia destes apesar dos “Velhos do Restelo” ainda ocuparem os galhos, já secos, dos poderes.

Ocorre, neste momento, uma inelutável desintegração da ordem político-social em que assentámos o nosso quotidiano desde os finais da última Grande Guerra.

Tal como no fim da Idade Média os homens se libertaram de subordinações feudais, neste nosso tempo intui-se, mesmo que imperceptivelmente, uma outra, nova libertação relativamente, esta, aos totalitários poderes da finança e dos partidos com ela mancomunados.

Os indícios vêm um pouco de vários lados.

Do sistema judicial que começa a dar mostras de eficácia na luta contra a corrupção disseminada e dissimulada aos mais altos níveis da economia e do poder financeiro e político, ainda que muito longe, ainda, do que seria aceitável. Há que reconhecer, na verdade, que, apesar de inúmeras dificuldades, sobretudo de meios mas, também, de sensibilidade social, a Justiça tem vindo a ocupar espaços onde antes não penetrava, decerto por ineficácia mas, também, por virtude de subtis fronteiras que lhe eram erguidas por certos poderes clandestinos que lhe tolhiam a acção. Também a administração fiscal é, agora, menos contemporizadora com a fraude e a evasão fiscais, mesmo se ainda carente de mais acutilância e rigor.

Da sociedade civil que, activa ou passivamente, vai dando mostras de que não deixará incólumes os atropelos e as atrocidades que os políticos vão cometendo no desempenho das suas funções. A abstenção verificada em vários e recentes actos eleitorais é, apenas, uma das manifestações, ainda que passiva, da indignação cívica que muitos cidadãos hoje sentem. Mas, aqui e ali, organizações relacionadas com a economia social, com o comércio justo, o consumidor e, naturalmente, com questões ambientais, têm, também, sobressaído num mundo onde o monopólio dos partidos e da finança eram, antes, suseranos absolutos.

De movimentos políticos recentes, organizados em novos partidos políticos ou meras associações cívicas que convergem na defesa de causas e interesses que, por não renderem votos, foram pura e simplesmente ignorados pelos partidos tradicionais do sistema. Está a afirmar-se paulatinamente, na verdade, uma nova geração criativa, utilizadora de novas tecnologias de informação e comunicação, que já exprime a sua própria vontade sem a intermediação dos representantes do sistema político que temos. E o caminho é infinito nesta perspectiva.

Ora estes e outros indícios de “insubordinação”, porventura alicerçados ou provocados pela crise civilizacional e de cultura que atravessa o nosso tempo – e, inegavelmente, também, pela crise económica e financeira e suas consequências éticas, morais e sociais – anunciam uma era de libertação relativamente a um paradigma político que já é um cadáver adiado. Um admirável mundo novo, porventura global, há-de ver-se anunciado um dia destes apesar dos “Velhos do Restelo” ainda ocuparem os galhos, já secos, dos poderes.

Enquanto tudo isto acontece, o que ainda é dito e relevado na opinião comunicada e publicada refere-se ao mundo dos conflitos de interesses que afligem os que detêm o poder – e têm medo de o perder – e ao dos que o não tendo, a todo o custo procuram lá chegar. Mas nisto vai pouco, muito pouco, para a construção do nosso destino apesar da retórica de promessas que não têm faltado por todo o lado. Seria bom ter-se presente, no transe, aquele célebre discurso de Sir Winston Churchill, proferido na Câmara dos Comuns, em Londres, a 13 de Maio de 1940 “Apenas posso prometer-vos sangue, trabalho, lágrimas e suor. Temos diante de nós uma provação das mais graves. Temos pela frente muitos, muitos meses de combates e sofrimento”.É este o Portugal que nos interpela, mas para lhe responder não parece haver quem.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

ESTÁ TUDO PARTIDO


Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as finalidades que prosseguem, não vingarão na democracia do futuro.

No pingue-pongue das promessas eleitorais, todos os partidos são campeões. E, bem vistas as coisas, pena é, até, que um novo sistema eleitoral não permita ao comum dos mortais – que não às fiéis e dóceis clientelas partidárias cuja partitura é outra – votar simultaneamente em todas as ambições que todos os partidos nos propõem. O risco maior seria, afinal, o de alcançarmos o Paraíso na terra, mal menor, apesar de tudo, no mundo louco da política em que vivemos…

As palavras, as promessas e os compromissos em política e, sobretudo, em tempo de eleições, valem, porém, o que valem e quando não têm por fundo a honradez e a ética de um punhado de Homens dignos, nada significam.

São palavras.

É “marketing”.

Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as reais finalidades que prosseguem, em profunda crise, não vingarão na democracia do futuro. Um outro sistema há-de vir substituir o actual que, de velho, gasto e deturpado, está no limiar da infuncionalidade. Esta é uma certeza de que o tempo será inevitavelmente tabelião. Não é certo quando, mas é certo que tal acontecerá.
A política não poderá, no futuro, esgotar-se dentro dos muros claustrofóbicos dos partidos políticos como até agora tem acontecido e cujo monopólio parece que cada vez mais ocorre nos nossos dias. E nisto vai uma intransigente defesa da afirmação da sociedade civil na vida pública nas suas múltiplas vertentes possíveis.

Também a legitimidade pessoal de qualquer deputado, no actual sistema eleitoral, face à insuportável dependência partidária que o acorrenta, está definitivamente em causa. E nisto vai uma viva defesa de candidaturas independentes para o Parlamento, ainda ilegal, é certo, fora dos quadros partidários, mas inevitável a curto prazo.

O combate eleitoral, no sistema que vigora em Portugal, parece-se, sem grande afectação da verdade, com uma mera sessão de bolsa de empregos directos e indirectos em que o cidadão, eleitor ou não, é um mero instrumento ao serviço de causas e interesses que lhe são desconhecidos.

A crise da democracia representativa está aí e só a não vê a cegueira dos interesses instalados, mas as experiências da democracia participativa também não encontraram, ainda, na sociedade, a força e o vigor que lhes dê sentido.

O tempo é, porém, de mudança.

A mudança não acontecerá, porém, sem uma grande implicação de todos os cidadãos na assumpção da sua responsabilidade cívica e social. Aqui há-de mostrar-se de grande relevância – como já aconteceu nos EUA – a utilização massiva das novas tecnologias de comunicação prenhes de possibilidades de novos percursos democráticos. Será por aqui que, creio, se poderá retomar a perdida identificação dos (novos) partidos com a sociedade e a partilha legítima de poderes.

Quem hoje assiste aos pronunciamentos partidários dirá, sem excesso, que os políticos falam com as tripas. Ora é disto que todos se sentem fartos e esperar uma mudança profunda no relacionamento dos representantes com os seus representados não é nada de anormal. É, antes, propugnar pelo aprofundamento, cada vez mais urgente, da democracia aviltada em que nos movemos.