terça-feira, 28 de julho de 2009

ELEIÇÕES E FÉRIAS

O próximo governo é uma grande incógnita. Talvez não seja, porém, ingénua a conclusão de que será de esquerda, ou não será.

Estamos em período de férias com uma nebulosa política a pairar na sociedade quanto ao futuro que nos espera após as eleições legislativas de 27 de Setembro. É que, para além de ainda não serem conhecidos os programas com que os partidos se apresentarão a esse sufrágio, tudo parece apontar para um certo caos pós-eleitoral. Na verdade todas as estimativas que se conhecem apontam para cenários pouco animadores quanto à estabilidade político-governativa futura em função dos resultados eleitorais que são previstos – e que valem o que valem, mas justificam, de qualquer modo, reflexão atenta e crítica.
Com dois partidos – o PS e o PSD – a disputarem o eleitorado que decide as eleições, várias questões relevantes devem merecer atenção, também para esclarecimento do sentido de voto de cada um de nós nesse acto eleitoral.

Uma primeira questão a suscitar, tem a ver com a competência do Presidente da República para, “tendo em conta dos resultados eleitorais”, nomear o Primeiro-Ministro (artigo 187º nº 1 da Constituição). Dificultar-se-á tal questão no caso de um ser o partido mais votado e, outro, ter mais deputados do que esse que foi mais votado. É um cenário possível e a Constituição não resolve o problema. Quem “lê” os resultados eleitorais é o Presciente, mas, na situação em apreço, a decisão que tomar há-de ser expressão do seu entendimento dos poderes que lhe cabem, porventura aproveitando a ocasião para, na prática, os reforçar. E caminharemos, então, subliminarmente, para um regime mais presidencialista com tudo o que daí pode decorrer em situação de instabilidade governativa.

Abre-se, aqui, então, uma segunda questão que já se insinuou, há muito, no debate político: a da conveniência de o sistema político evoluir para um regime presidencialista, ou, de qualquer modo, um sistema em que os poderes do Presidente da República se vejam reforçados. A propósito cumpre assinalar que a situação política superveniente poderá exigir um tal tipo de escolha, sendo certo que, sendo o Presidente da República eleito por sufrágio directo e universal, tal não ofenderia, a meu ver, o princípio democrático.

Uma outra questão reporta-se concretamente à governabilidade do país após as eleições e poderá colocar-se nos seguintes termos: obtendo a, dita, esquerda (num sentido tradicional usado como conceito operatório) a maioria dos lugares no Parlamento, ainda que o partido mais votado seja da direita, como governar estavelmente o país sem uma maioria absoluta? A experiência colhida na análise do passado recente indica que as “esquerdas” não são capazes de se unir para governar, mas é absolutamente expectável que se congreguem para não deixar governar…

No quadro destas singelas questões – e muitas outras, porventura até mais cruciais, se poderiam levantar – vem à tona a relevância que uma organizada e eficiente Administração Pública poderia ter na sustentação das instituições políticas, apesar das possíveis lutas inter-partidárias e consequente instabilidade governativa. Desditosamente, porém, a Administração Pública continua, em larga medida, por reformar e sem a dignidade e a autoridade que lhe assegurem o desempenho dessas funções “políticas”.

O próximo governo é, também pelo acima referido, uma grande incógnita. Talvez não seja, porém, ingénua a conclusão de que será de esquerda, ou não será. Minoritário ou de coligação, mas de esquerda.

A racionalidade obrigaria, ainda, a suscitar a questão do Bloco Central como alternativa de governância. Não sendo de descartar tal hipótese, estou convicto de que seria tão conveniente à estabilidade política que não se poderá afastar, mas tão prejudicial que não justifica grande consideração. E seria, sempre, uma solução transitória. Ora adiado, há muito, já está este país!

terça-feira, 14 de julho de 2009

DEMOCRACIA E MERCADO


O mercado deveria deixar de ser um palco de lutas ideológicas.

Muitos milhões de pessoas afogadas no desemprego por causa da irresponsabilidade de alguns dirigentes do sector financeiro é uma das mais expressivas manifestações da crise actual.
Neste contexto o mercado, em geral, é posto em questão por muitos e, outros, pelo menos, exigem que seja mais e melhor regulado. Mas há quem, também, receie o excesso de regulação. E talvez todos tenham alguma razão.

O mercado é um factor de democracia, porque pressupõe a igualdade de direitos entre pessoas, a autonomia e a liberdade de cada um, ou seja, há democracia onde há mercado e este onde há democracia. Mas o mercado pode, também, revelar-se mortífero para a democracia quando escapa a qualquer controlo.

A democracia não pode ser vista, estaticamente, apenas nas suas instituições, antes tem de ser analisada dinamicamente quanto aos seus objectivos. Assim, poderemos dizer, no transe, que a democracia é o sistema político que permite a cada um participar na vida pública, que reconhece a individualidade de cada pessoa e, ainda, que tem por objectivo ajudar todos os indivíduos a serem actores das suas vidas. Por isso, o mercado se revelou historicamente como um fermento de democracia.

O vínculo fundamental entre democracia e mercado vem do facto de que este último supõe uma igualdade de estatuto (Cfr. Alternatives Economiques, nº 282, Julho-Agosto, 2009, p. 86 e seguintes).

A democracia, por seu turno, não tem que ver com homens teóricos, abstractos, mas com seres reais e que, enquanto tais, são complexos, simultaneamente generosos, altruístas e egoístas. Qualquer reflexão sobre a democracia deve partir deste ponto. Com efeito, o mercado pode ser um lugar de iniciativas, mas é, também, o lugar possível de todos os enganos e de todas as violências. E tal não tem que ver com a economia de mercado e os valores que transporta, mas com a condição humana pois os homens são todos bons e todos maus, e assim que uma brecha se abre, há sempre pessoas ávidas para disso se aproveitarem.

O mercado é uma instituição que, como qualquer instituição, obedece a regras de jogo formalizadas pelas sociedades. A definição dessas regras reflecte os valores da sociedade – ou do grupo que os ditam – e impõe comportamentos. Aliás, se a história dos mercados é a da sua regulação e a do seu enquadramento jurídico, é também a história do jogo entre os jogadores e as regras. E estas últimas devem evoluir para lutar contra os maus jogadores que, continuamente, inventam novas formas de dar a volta às regras (Cfr. Alternatives Economiques, cit.).

O mercado deveria, também, deixar de ser um palco de lutas ideológicas, erguido, consoante as partes, em deus ao qual tudo é concedido, ou em diabo de quem queremos ver-nos livres. É tempo de abandonar essas posições ideológicas para, enfim, considerar o mercado como aquilo que ele é, com as suas forças e as suas fraquezas.

Tal é uma condição sine qua non para trabalhar na sua democratização.

O mercado – tanto quanto a regulação que lhe cumpre - não funcionou devida e legalmente em Portugal nos últimos tempos, nomeadamente na área financeira. E, em vez de olharem a floresta, alguns optaram por tentar destruir o regulador, beliscando a democracia.

Não duvido de que tenha havido falhas graves na regulação, mas essas deverão corrigir-se para o futuro, mudando o modelo e as regras pertinentes, nada justificando, porém, a conflitualidade institucional que se levantou e que só pode prejudicar a regulação, o mercado e a democracia.
Uma Comissão Parlamentar não é um Tribunal e o regulador não pode ser visto como o malfeitor da campanhia. Ou será que, atacando o regulador, o Parlamento quis, de algum modo, branquear politicamente as “élites” criminosas que por aí andaram à solta?

segunda-feira, 13 de julho de 2009

CARTA ABERTA AO MINISTRO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL

Durma com os olhos abertos, porque as suas boas intenções não são mais do que isso – pias intenções. Cá por fora, no “mundo da vida”, os seus subsídios, cegamente atribuídos, são o delicioso manjar da preguiça.

Senhor Ministro,

Como o não conheço de lado nenhum, compreenderá que deixe de lado as habituais mesuras do género epistolar e que vá direito ao assunto, até porque o caso é grave.

Venho queixar-me do desemprego, sinal de uma economia em ruptura quando, como neste país, já irá acima dos 10%. Pelo que tal significa, por um lado, em perda de capacidade de produção desperdiçada e, também, por outro, pelos custos decorrentes do desemprego em termos de protecção social e respectivas prestações. E queixo-me com a legitimidade de quem muito trabalha e paga demasiado ao Estado para sustentar todos os seus caprichos e desperdícios (do Estado!).

Vou tentar, então, explicar a razão de ser desta carta que é também uma censura politicamente dirigida à ideologia subjacente a um assistencialismo sem tino que, salvo o devido respeito, me parece ser o seu amparo.

Precisando, para o meu gabinete de advocacia, de uma secretária, recorri em 09 de Junho de 2009 ao Centro de Emprego do Porto - Delegação Regional do Norte, comunicando uma oferta de emprego. Até hoje, 08 de Julho de 2009, recebi três candidaturas para a função de secretariado. E qual delas a mais ridícula e sofrível.

Três, senhor Ministro!

Venho-me, pois, queixar do laxismo com que os seus serviços – e as políticas que (não) cumprem, ligadas ao emprego, são tratadas. E, aqui, recomendo-lhe, sobretudo, que acabe com o cinismo e a hipocrisia com que estas questões são abordadas pública e partidariamente, numa mentira refinada, em que todos coçam as costas uns dos outros e, afinal, ninguém trabalha, ninguém quer trabalhar. Durma com os olhos abertos, porque as suas boas intenções não são mais do que isso – pias intenções. Cá por fora, no “mundo da vida”, os seus subsídios, cegamente atribuídos, são o delicioso manjar da preguiça.

Não ignoro o que escreveu Paul Lafargue, genro de Karl Marx, no seu livro O Direito à preguiça: “Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica”. Ou seja, abaixo o trabalho, vivam os subsídios ao lazer!

Aceito que a segurança social é uma insubstituível responsabilidade do Estado, controversa decerto, variada nos limites e formas, mas generalizadamente justificada em vista da protecção dos cidadãos contra certos riscos sociais. Defendo, também, que a existência de sistemas públicos de segurança social não prescinde do desenvolvimento, cada vez mais necessário, de formas privadas de protecção – a solidariedade familiar, profissional, associativa ou contratual designadamente as existentes no mercado segurador e financeiro ou mutualista. Rejeito, porém, este patético estado de graça em que tantos desempregados vivem à tripa forra à custa do sacrifício dos que trabalham e pagam impostos.

Considero, pois, que tendencialmente, não deveria haver subsídio de desemprego sem trabalho a favor da comunidade como sua contrapartida; que as prestações respectivas deveriam equivaler ao salário mínimo nacional; que não é sério o controlo actual inerente à situação de desempregado e à obrigatória procura activa de emprego e respectiva prova – e é caro. O excesso de proteccionismo é, afinal, tão injusto quanto a falta de protecção social.

Oiço, já, uma resposta subliminar: “e os votos de que o partido precisa para manter o poder?”… E respondo-lhe com uma expressão popular “Deixe de dar traques com o rabo dos outros”. (Não se ofenda que é o povo, que tanto ama, que assim diz…).

Não há país que resista a tanta demagogia.

Não há modelo social justo que tal aguente.

Estão a matar o futuro.

Cumprimentos.

A VONTADE POPULAR

Em tempo de preparação de programas eleitorais, seria profundamente democrático que os partidos políticos que pretendem submeter-se ao sufrágio eleitoral integrassem nesses programas ideias, concepções e esquemas de solução para os problemas da coisa pública que levassem em conta, também, um núcleo fundamental de valores caracterizadores da identidade nacional, mesmo que, proventura, pouco rentáveis em termos de votos.

Já não consigo mais ver o meu país sem fulgor, num leito de moribundo, ligado a máquinas por todo o lado, na esperança de que se mantenham, apenas, os mínimos sinais vitais e apenas isso.
Todos querem, aparentemente, combater a crise, mas há qualquer coisa, algum fatalismo, porventura, que nos amarra ao chão e não deixa ver mais longe nem ir mais além.

Todos parecem ter, convenientemente, soluções para não deixar falhar definitivamente este velho Estado soberano, mas, envolvidos em negócios de mercearia e de má língua, não se viabilizam consensos mínimos em torno de uma estratégia para Portugal.

Todos, e ninguém.

Enquanto isso, em tempo de campanhas eleitorais, os partidos que nos calharam em sorte, vão procurando instrumentalizar a vontade popular numa cega luta por votos, deixando simplesmente à margem a mínima reflexão, sequer, sobre a vontade nacional, os grandes interesses e valores pátrios que não são de hoje, mas de sempre porque marcam fundo a alma da nação e muito para além de quaisquer gerações, mesmo futuras. E hoje tem, de novo, sentido falar em vontade nacional – mesmo sabendo que Salazar a invocava para manter um Estado totalitário – pois o sistema democrático em que assentam as actuais instituições da República revela fragilidades preocupantes, desde logo no desinteresse e alheamento dos cidadãos relativamente aos momentos eleitorais. Quando, de facto, mais de metade do país se alheia das escolhas políticas que periodicamente o sistema lhes proporciona, sempre fica a dúvida a respeito do que será a vontade nacional, que não a popular, ou seja, a que é expressa. E, daqui decorrente, emerge a questão do sentido e finalidade dos partidos políticos enquanto meras câmaras de ressonância dos interesses que se expressam nos votos e não da vontade de toda a nação. Porque os partidos se organizam, hoje, meramente para recolher votos – mais votos do que os outros – e daí que lhes interesse, apenas, agradar, nas propostas que apresentam ao eleitorado, quanto àquilo que quererão ouvir os que vão votar.

E os outros cidadãos?

Não sendo o voto obrigatório no nosso sistema eleitoral, na abstenção poderá acolher-se, de algum modo, a vontade nacional, nomeadamente quando a vontade expressa pelo voto, relativamente à totalidade dos eleitores, seja quantitativamente menos relevante do que a abstenção.

Não se ignora, naturalmente, que o conceito de vontade nacional tem muitas e diversas leituras, valorações e conotações políticas. É, porém, inegável que, além da vontade que os votos expressam, outra existe, não expressa. E uma democracia sã não se poderá alhear desta questão, antes lhe cumprindo encontrar os necessários e convenientes instrumentos para que uma e outra vontade coincidam o mais que seja possível.

Não se poderá, pois, aceitar que a força minoritária dos votos seja, sem alternativa, a lei e o direito; nem admitir, sem crítica, a desconsideração dos interesses e dos valores morais que não se expressem em votos.

Ora, em tempo de preparação de programas eleitorais, seria profundamente democrático que os partidos políticos que pretendem submeter-se ao sufrágio eleitoral integrassem nesses programas ideias, concepções e esquemas de solução para os problemas da coisa pública que levassem em conta, também, um núcleo fundamental de valores caracterizadores da identidade nacional, mesmo que, proventura, pouco rentáveis em termos de votos.

Alguns dizem que quem cala consente, mas não é assim. Quem cala apenas não diz nada. E há silêncios terríveis – como o que se expressa na abstenção eleitoral da maioria da nação.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

GRANDES INVESTIMENTOS PÚBLICOS: APELO À LUCIDEZ

Realidade é muito mais importante do que a publicidade e, além disso,
de líderes de “claques” está o país farto.


O tema é actual e justifica inequivocamente mais debate no espaço público ainda que alguns argumentos comecem a entrar em estado de putrefacção de tão pouco consistentes e porque desprovidos, também, de um saber eticamente fundado e, deontologicamente, irrepreensível.

Refiro-me, de novo, aos grandes investimentos públicos – designadamente em auto-estradas, ao projecto da rede ferroviária de alta velocidade e ao novo aeroporto de Lisboa. E, dizendo o óbvio, tal matéria não poderá ser bem analisada sem se compreender a crise por que passamos – uma crise estrutural interna e conjuntural externa. Ademais, só ganharão sentido as posições que se venham a tomar sobre a temática em causa a partir de uma clara compreensão dos objectivos estratégicos de Portugal. Há que repisar este aspecto pois muitos “vencidos da vida” o ignoram ou já são incapazes de lhe dar o valor essencial que tem.

Ora, no contexto do debate, foi publicitado um patético “Apelo à reavaliação dos grandes investimentos públicos” subscrito por uns quantos ditos economistas, também como publicidade paga (por quem? por que valor?) que é um claro manifesto partidário contra tais investimentos ainda que ilusoriamente travestido de mero apelo à reflexão. Gostaria de perceber, antes de mais, então, quem paga toda esta azáfama, também, porque ocorre neste momento, e, de seguida, a quem aproveita o que defendem. Seria interessante, depois, conhecer quantos outros se terão recusado a entrar nesse barco. É que trinta economistas, por mais credenciados que alguns sejam, é uma árvore na floresta. E o combate é de natureza técnica, política, ou meramente partidária?

Reclamo cartas na mesa e jogo limpo.

Apelos destes, por outro lado, valem o que valem e têm de ser contextualizados sob pena de os argumentos atirados para o debate não passarem de juízos subjectivos e, até, de preconceitos pessoais, quando não ajustes pontuais de contas. De resto, lido esse apelo, fica o sabor amargo a um jargão economicista inextricável para o cidadão comum e a impressão de que o alegado serviria, também, à conclusão diametralmente oposta. De tão auto-proclamados ilustres economistas seria de esperar, com efeito, algo mais reflexivo, ponderado, enxuto e fundamentado. Assim, caíram na vulgaridade das disputas interesseiras por protagonismo e, porventura, na disputa de favores do Estado, até porque a notória falta de perspectiva multidisciplinar e estratégica do seu arrazoado o condena, inelutavelmente, a vida efémera, não mais longa do que a do próximo calendário eleitoral. E é pena, porque a realidade é muito mais importante do que a publicidade e, além disso, de líderes de “claques” está o país farto.

Será que tão mediátizados economistas também já se deram, alguma vez, ao trabalho de fazerem as contas, para o Estado e para as empresas, dos custos dos adiamentos sucessivos e das reviravoltas (também de alguns deles) no que se refere às decisões de investimento em causa? A certeza e a segurança de qualquer política económica é um valor mensurável em dinheiro, mas isto, curiosamente, escapa-lhes. Ao contrário, querem mais estudos, mais consultoria. Eu até os percebo… mas prefiro, de longe, a perspectiva desse singular empresário, Américo Amorim, que em recente entrevista a jornal dito de referência assinala que “assumir riscos, reunir recursos e colocá-los ao serviço da sociedade” foi sempre o seu lema – e, sublinho eu, deveria ser também o de todos os que desejam realmente o desenvolvimento de Portugal e o bem estar dos portugueses, ainda que, para tal, alguns, ou muitos, sacrifícios se tenham de viver. O que importa é ver longe, ser como as águias que planam sobre as montanhas e não como os patos que passam a vida a grasnar e a queixar-se, incapazes do mínimo golpe de asa.

Apelo, pois, à lucidez de quantos, não ignorando as dificuldades presentes, têm, ainda, alma para compreender os intertesses profundos e estratégicos do país e não se deixam aprisionar por falaciosas contas que, não sendo irrelevantes para as decisões políticas lhes são, porém, meramente instrumentais. Não deixemos, pois, o futuro do país no divã de certos falsos psicanalistas da economia, politicamente voláteis face a compromissos inadiáveis com o passado e, também, com o futuro. Ou o comboio voltará a passar mas deixando-nos, como noutras vezes, nos apeadeiros da periferia da Europa e do mundo, sem uma economia competitiva e longe da coesão social tão urgente.

O FUTURO DO SUCESSO

A decisão de adiar – uma vez mais ! – a construção do TGV mais do que me entristecer, revolta-me, enquanto exprime mais um adiamento do meu país.

Na introdução que escreveu para a edição francesa do seu livro “L’Économie Mondialisée” (1993), o economista americano ROBERT REICH, que também foi Ministro do Trabalho de Clinton, afirmava: “Na verdade, o futuro sucesso da economia francesa dependerá dos dois factores de produção que se deslocam com menos facilidade de uma nação para outra: os indivíduos e as infra-estruturas. O nível de vida dos franceses dependerá da sua capacidade em acrescentar valor à economia mundial graças aos seus cérebros, bem como aos sistemas de transporte e de comunicações que ligam tais cérebros entre eles e com o resto do planeta”.

Há, traduzida em português, uma obra, pelo menos, desse autor cuja leitura é verdadeiramente empolgante. Chama-se “O futuro do sucesso” e foi editada pela Terramar (2004).

Trata-se, naquela introdução acima invocada, de uma simples opinião, claro e, até, destinada a um país outro, sendo certo que a mesma ofenderá a enorme sapiência e o amor pátrio dos muitos que, por aqui, na política do pêndulo, são ocasionalmente contra aquilo a que, do alto dos seus poleiros, designam por “megaprojectos”, nomeadamente o transporte de alta velocidade em Portugal, mas não só.

A decisão de adiar – uma vez mais ! – a construção do TGV mais do que me entristecer, revolta-me, enquanto exprime mais um adiamento do meu país. Colhi todos os argumentos que vieram na opinião publicada e meditei sobre o assunto tendo chegado à conclusão de que nessa decisão tanto pesa o oportunismo de uns, quanto a pusilanimidade de outros. E, ainda, por cima de tudo, o sempre ocioso egoísmo partidário que, na oposição, promulga irresponsavelmente a “lei da terra queimada”, ou do quanto pior melhor.

Em tempo de crise – crise de civilização e, mais ainda, de cultura – a defesa do “Portugal dos pequeninos” serve bem às estratégias dos políticos menores e incapazes que por aí pululam e não deixa também de anestesiar os incautos e indecisos que entopem o espaço público. Com tal gente não haverá, porém, futuro!
Sem o transporte de alta velocidade que corre já por toda a Europa e está às nossas portas na vizinha Espanha, seremos num lago de águas mortas sem acessos. Com a porta do mar fechada e a saída para a Europa comprometida por via férrea - o transporte do presente e do futuro. É que sem tal tipo de transporte, as mercadorias vindas do atlântico sul ( e não só) não têm acesso, por Portugal, à Europa – e, com isso, a estratégia nacional para os oceanos sofre uma machadada fatal. Depois, haverá que mudar de transporte sempre que se meta o nariz na fronteira espanhola…

Isto cabe na cabeça de alguém?

E não me venham, porém, com a história da crise e a dos custos que ficarão, desse investimento, para as gerações futuras.

Já se gastou tanto dinheiro para nada à laia da crise – e que nunca mais se recuperará – que não aceito tal argumento. E quanto às gerações futuras… vão ser elas, mais que a minha, a usufruir do que também eu vou pagar como contribuinte.

Robert Reich é que tem razão. É a inteligência dos portugueses e a sua capacidade de fazer circular ideias, pessoas e bens no mundo com rapidez e eficácia que construirá o futuro.

Contra todos os “Velhos do Restelo”.