segunda-feira, 25 de maio de 2009

POBREZA E VIOLÊNCIA URBANA

A pobreza material não explica tudo; só por si nem explica nada.
Há que procurar outras causas desta “questão social”.


A pobreza não significa, apenas, viver com escassos bens, em habitação precária, comer deficientemente ou vestir mal.

O maior problema, porventura, que a pobreza hoje encerra é, aliás, o do desconhecimento do que nos reserva o amanhã – uma simples doença pode lançar-nos na miséria, o desemprego na angústia, uma crise familiar pode destroçar muitas relações humanas. E por aí fora.

De tudo isto resultará a “morte social” que, por seu turno, contem razões significativas para muitas situações socialmente críticas que vão invadindo nomeadamente as periferias das grandes cidades – em França, na Grécia, também em Portugal e noutros mundos.

A pobreza material não explica tudo; só por si nem explica nada. Há que procurar outras causas desta “questão social” que tantos rios de tinta tem feito correr e tantas asneiras tem permitido que alguns profiram. E, segundo as causas, afeiçoar as respostas da sociedade e do Estado – uma e outro, que ambos são responsáveis. Sempre, porém, na indefectível convicção democrática de que não vale tudo para se conseguir a segurança civil.

É preocupante, neste contexto, observar como alguns defendem, sem qualquer escrúpulo, uma perspectiva meramente securitária para a violência urbana. Para eles, a resposta passará, singelamente, por penas mais duras, mais efectivos policiais com mais recursos, julgamentos sumários, privação de liberdade de jovens delinquentes e diversas medidas similares. Outros, de quadrante político contrário, julgam que as soluções se encontram no despejar de mais prestações sociais e subsídios atirados para a fogueira do caos urbano sem tino nem critério racional, ignorando que, muitas vezes, o efeito será o contrário do pretendido.

Mais polícia ou mais subsídios, portanto, segundo as perspectivas. E é tudo.

Ora estas abordagens são muito limitadas e, até, contraproducentes cabendo, antes, indagar como foi possível chegar até ao deflagrar deste inferno social e cívico se se pretendem soluções humanistas, democráticas e solidárias verdadeiramente eficazes.

A violência que pudemos verificar recentemente no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, como antes na Quinta da Fonte – e está, larvar, em outros sítios desta degradada sociedade -, exprime, também, uma crise profunda de coesão social em que releva inevitavelmente a questão das desigualdades que amesquinham o nosso quotidiano.

Somos, com efeito, um país musculadamente centralista onde ainda é pecado capital defender a descentralização administrativa e a regionalização política. Lisboa é o eterno umbigo em torno do qual tudo nasce, cresce e frutifica e o resto é paisagem. E nesta vã política se destruiu, ou deixou morrer, o mundo rural e os seus melhores valores, tanto quanto se incentivou, de mil modos pérfidos, o despovoamento do interior do país, enquanto se promoveu a proletarização das vilas e cidades que circundam a capital do velho império em benefício do centro. E, como se isto tudo não bastasse para levar ao caos social que nos enreda, também a destruição da sociedade civil, decorrente do autoritarismo de Estado que nos rege – e de que todos os partidos são responsáveis a seu modo e em seu tempo – se traduziu na machadada final de muitas esperanças de solidariedade. Ignoradas e maltratadas, anos a fio, organizações culturais locais e regionais, associações de moradores, organizações de jovens, instituições civis e religiosas diversas, é óbvio que o individualismo agressivo e o egoísmo mais brutal emergiram nas sociedades.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

LIBERALISMO DE ESQUERDA OU SOCIALISMO LIBERAL

O futuro do socialismo depende da sua capacidade de assumir ideias fortes para perguntas fortes e, aqui, o liberalismo terá uma palavra a dizer no diálogo que implica entre liberdade e coesão social e entre eficiência económica e justiça.

O socialismo que nos vem governando, dito liberal, é algo híbrido que se fica, indefinido, entre as palavras dos que acreditam e pugnam pela forte intervenção do Estado na economia e, outros, que privilegiam a eficácia do mercado. Obviamente os primeiros sublinham com mais vigor a necessidade da regulação e da protecção social pública.
E, nos tempos que correm, é a volta disto que se tece o debate político à esquerda sendo certo que a direita não desdenha, também, alguns dos temas em causa. Fora desse âmbito, apenas ficam algumas, ditas, causas fracturantes de duvidosa oportunidade e, porventura, gravosas consequências civilizacionais.
O problema é de carácter ideológico e merece alguma atenção. É que não podemos, desde logo, ignorar, por evidente, que as ideologias do passado recente estão, cada vez mais, em crise esvaziando-se inelutavelmente de sentido e alcance. Se a compreensão do mundo que, outrora, nos trouxeram foi útil, hoje o que é urgente são ideologias que possam mudar o mundo, cumprindo os anseios democráticos que, cada vez mais, são uma exigência de todos os cidadãos. A pulsão democrática hodierna é uma pulsão de mais liberdade e de mais autonomia acompanhada, certamente, por um indeclinável acréscimo da responsabilidade de cada cidadão, no que tudo há-de ir a nossa percepção ideológica do mundo em que vivemos.
O futuro do socialismo depende da sua capacidade de assumir ideias fortes para perguntas fortes e, aqui, o liberalismo terá uma palavra a dizer no diálogo que implica entre liberdade e coesão social e entre eficiência económica e justiça. Também no ideário socialista.
Liberalismo de esquerda ou socialismo liberal podem trazer respostas, numa sociedade aberta, à crise actual na recusa, que elejam como prioritária, do totalitarismo do mercado em benefício do liberalismo político, da autonomia pessoal, da coesão social.
O socialismo do futuro será liberal ou não existirá (Guilherme de Oliveira Martins) e, nesta medida, os liberais puros e duros como Hayeck estão em pura perda. O tempo actual encarrega-se de os desmentir.
Olhando agora em redor, na nossa casa lusitana, vemos que o debate, incipiente e fragilíssimo, todavia, entre socialistas e social democratas parece, também, girar em torno de mais ou menos Estado sem pôr em causa, porém, aquele espírito do liberalismo moderno. Ponto é que surjam medidas concretas, projectos precisos e desafios aglutinadores que esclareçam como é que, cada partido, pretende levar a cabo a sua compreensão do socialismo liberal ou do liberalismo de esquerda.
No contexto da crise global, com particularismos específicos no nosso país, as escolhas e alternativas não são fáceis. Mas são decisivas para a escolha dos eleitores – ou para a abstenção se afirmar como opção face à incapacidade que os políticos, no transe, venham a demonstrar nos seus programas eleitorais.
Há que deixar de lado, como questão principal, o problema da forma ou dos procedimentos para governar e assumir, decisivamente, o que distingue, na perspectiva liberal (socialista e social democrata) cada projecto político. Tudo no sentido de mudar o paradigma conservador em que temos vivido e, a partir daí, encontrar os modelos de convivência social e política do futuro.
Já não basta recusar a economia dirigista e o primado totalitário do mercado atenuados, porventura, por alguma regulação errática se queremos responder – como é urgente – à sociedade complexa, global e em transição em que nos encontramos submersos.

E-mail: antoniovilar@antoniovilar.pt

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Ser-se rico e ter sucesso nem é pecado nem crime, o mesmo não cabendo dizer-se, porém, de todos os modos de lá chegar.


Bruscamente nesta Primavera chuvosa, as forças políticas acordaram para a gravíssima questão do enriquecimento ilícito que, no entanto, há muito já corrói os alicerces da democracia e a solidariedade nacional.

Não é, porém, o enriquecimento de alguém que nos deve inquietar. É, isso sim, a ilicitude que o acompanhe. E, sobretudo, quando esse alguém é titular de um qualquer cargo, político ou administrativo, que o coloque em posição de arbitrária sobranceria face a qualquer outro cidadão.

Em tempos de crise – e porque esta não veio igualmente para todos – parece curial redobrar a atenção face à expressão de enriquecimento de alguns perante as dificuldades da generalidade dos cidadãos. Não é, de modo algum, certo e seguro que o que moveu os políticos nessa iniciativa tenha sido um sincero desejo de combate à corrupção e ao crime económico. De resto, é bom não esquecer que entre os políticos estão, segundo as aparências e algumas realidades já constatadas, os maiores beneficiários da impunidade que tem reinado neste âmbito. A pergunta, óbvia, é, pois, a de saber se lhes interessa mesmo, no seu cerne, este combate… ou se não passa tudo da velha atitude de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.

Caberá também sublinhar e ter bem presente que, ao contrário do que se pensava na Idade Média, a modernidade mudou as mentalidades na sua relação com o dinheiro e a fortuna (Max Weber, L’étique protestante et l’espirit du capitalisme). Ser-se rico e ter sucesso nem é pecado nem crime, o mesmo não cabendo dizer-se, porém, de todos os modos de lá chegar.

Posto isto, não se pode deixar de lamentar que o Estado continue sem os instrumentos necessários e suficientes para poder pedir contas a quem exterioriza riqueza e não a quer explicar na sua génese sempre que tal não tenha resultado da prestação de contas a que cada um de nós está legalmente obrigado, nomeadamente no âmbito fiscal.

A criminalização do enriquecimento ilícito, que existe já em inúmeras legislações, não seria, por cá, decerto, a solução mágica de todos os ilícitos que continuam a fazer deste país um paraíso da impunidade. Mas, além de ser um instrumento mais de combate à praga da corrupção, também ajudaria a credibilizar a vida pública e os seus agentes, tanto quanto, até os “amigos” dos políticos e do regime. E, num país com tantas leis, mas cada vez menos valores éticos e cívicos, não seria mais esta que prejudicaria a realização da Justiça. E a sua ausência, pelo contrário, pode ser tida, por muitos, como um sinal para manterem ou incrementarem, mesmo, comportamentos marginais na certeza de que nunca terão de prestar contas à Justiça sejam quais foram os seus actos e os respectivos efeitos patrimoniais.

Em qualquer abordagem desta problemática é inegável que terão de ser escrupulosamente respeitados todos os direitos que assistem aos potenciais visados e que a Constituição, tanto quanto os códigos penal e de processo penal, estabelecem e que, no caso, por maioria de razão, se devem defender na medida, também, em que o terreno é propício à delação gratuita e à inveja ingrata em que a nossa sociedade se habituou a dar cartas. Mas não será isso que há-de impedir o direito, que é da sociedade democrática, à transparência patrimonial daqueles que ocupam lugares privilegiados e, daí, podem obter benesses injustificadas.

A violação do dever de transparência tem um desvalor próprio e autónomo e é por isso que se exige, num regime democrático, que a lei acolha tal dever com redobrada atenção e, logo, com normas específicas que o protejam, sobretudo no âmbito da actividade pública.

Viver em liberdade – e para a manter – implica cumprir deveres e, não, apenas, reclamar direitos. Entre aqueles, o de transparência patrimonial não é de somenos importância. Ou é, tão relevante, então, que muitos se deprimem só de ouvir falar em transparência.