Há que procurar outras causas desta “questão social”.
A pobreza não significa, apenas, viver com escassos bens, em habitação precária, comer deficientemente ou vestir mal.
O maior problema, porventura, que a pobreza hoje encerra é, aliás, o do desconhecimento do que nos reserva o amanhã – uma simples doença pode lançar-nos na miséria, o desemprego na angústia, uma crise familiar pode destroçar muitas relações humanas. E por aí fora.
De tudo isto resultará a “morte social” que, por seu turno, contem razões significativas para muitas situações socialmente críticas que vão invadindo nomeadamente as periferias das grandes cidades – em França, na Grécia, também em Portugal e noutros mundos.
A pobreza material não explica tudo; só por si nem explica nada. Há que procurar outras causas desta “questão social” que tantos rios de tinta tem feito correr e tantas asneiras tem permitido que alguns profiram. E, segundo as causas, afeiçoar as respostas da sociedade e do Estado – uma e outro, que ambos são responsáveis. Sempre, porém, na indefectível convicção democrática de que não vale tudo para se conseguir a segurança civil.
É preocupante, neste contexto, observar como alguns defendem, sem qualquer escrúpulo, uma perspectiva meramente securitária para a violência urbana. Para eles, a resposta passará, singelamente, por penas mais duras, mais efectivos policiais com mais recursos, julgamentos sumários, privação de liberdade de jovens delinquentes e diversas medidas similares. Outros, de quadrante político contrário, julgam que as soluções se encontram no despejar de mais prestações sociais e subsídios atirados para a fogueira do caos urbano sem tino nem critério racional, ignorando que, muitas vezes, o efeito será o contrário do pretendido.
Mais polícia ou mais subsídios, portanto, segundo as perspectivas. E é tudo.
Ora estas abordagens são muito limitadas e, até, contraproducentes cabendo, antes, indagar como foi possível chegar até ao deflagrar deste inferno social e cívico se se pretendem soluções humanistas, democráticas e solidárias verdadeiramente eficazes.
A violência que pudemos verificar recentemente no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, como antes na Quinta da Fonte – e está, larvar, em outros sítios desta degradada sociedade -, exprime, também, uma crise profunda de coesão social em que releva inevitavelmente a questão das desigualdades que amesquinham o nosso quotidiano.
Somos, com efeito, um país musculadamente centralista onde ainda é pecado capital defender a descentralização administrativa e a regionalização política. Lisboa é o eterno umbigo em torno do qual tudo nasce, cresce e frutifica e o resto é paisagem. E nesta vã política se destruiu, ou deixou morrer, o mundo rural e os seus melhores valores, tanto quanto se incentivou, de mil modos pérfidos, o despovoamento do interior do país, enquanto se promoveu a proletarização das vilas e cidades que circundam a capital do velho império em benefício do centro. E, como se isto tudo não bastasse para levar ao caos social que nos enreda, também a destruição da sociedade civil, decorrente do autoritarismo de Estado que nos rege – e de que todos os partidos são responsáveis a seu modo e em seu tempo – se traduziu na machadada final de muitas esperanças de solidariedade. Ignoradas e maltratadas, anos a fio, organizações culturais locais e regionais, associações de moradores, organizações de jovens, instituições civis e religiosas diversas, é óbvio que o individualismo agressivo e o egoísmo mais brutal emergiram nas sociedades.